terça-feira, maio 31, 2005

Gostaria de poder vir a ter Esperança… (I)

Tendo em conta a evolução da Crise Portuguesa, representada nas recentes decisões do novo Governo, optei por fazer um breve “interregno” à reflexão que tenho vindo a fazer sobre a sociedade portuguesa.

Como demonstrei nesta reflexão, a “democracia portuguesa” é (muito) pouco democrática quer quanto à forma como os poderes do Estado se realizam (estado autocrático, mais ou menos paternalista) quer quanto à capacidade dos cidadãos poderem exercer a cidadania, em especial, se independente do Estado.

A sociedade portuguesa tem interiorizado uma concepção de Estado (seu papel e forma de operar) que se estrutura e se afirma em contraponto à limitação da capacidade de exercício de cidadania por parte dos cidadãos; concepção essa, que se manteve, intrinsecamente, idêntica antes e depois do 25 de Abril.

As medidas, agora anunciadas pelo Governo Português, não vêem mais que reafirmar essa concepção da sociedade portuguesa.

De facto, a actual Crise não tem a haver com o facto das ideologias que nos têm governado se situarem mais ou menos à “esquerda ou à direita” e inclusive da maior ou menor competência dos respectivos governos.

Todos os governos, pós 25 de Abril, mais ou menos à esquerda ou à direita, têm conduzido o País em direcção à actual Crise; o forte desequilíbrio das contas públicas, manifestação dessa Crise, não é mais que a ponta do iceberg.

Segundo a minha opinião, a Crise é mais o resultado do quadro societário de fundo em que operam quer os Governos de esquerda como os de direita do que das decisões que tomam.

Mas de facto, já os seus antecessores (ao 25 de Abril) operaram dentro de um quadro societário muito semelhante: o Estado é quem decide e faz tudo e aos cidadãos cabe obedecer, nomeadamente pagar as despesas do Estado.

Este quadro societário de fundo, da forma como se estrutura e opera a sociedade portuguesa, ou seja na subjugação da cidadania ao Estado (como se o País não fossem os cidadãos portugueses mas sim o seu Estado), marca o âmbito dentro do qual operam os órgãos de soberania e a administração pública.

Sem dúvida que houve profundas modificações na Constituição, na praxis da sociedade portuguesa e até na praxis do Estado Português, após o 25 de Abril.

As consequências sobre a sociedade portuguesa foram manifestamente enormes; embora não as possamos atribuir exclusivamente à forma como passou a operar o Estado Português (incluindo, a respectiva administração pública) pós 25 de Abril.

As mudanças que ocorreram na sociedade portuguesa foram muitíssimo mais significativas após a entrada de Portugal na União do que após o 25 de Abril!

Por outro lado, todos nós vemos, todos os dias, a elevada ineficácia (e até incompetência) dos órgãos da administração pública e dos órgãos de soberania.

Em termos de eficácia, estes órgãos, não parecem hoje mais competentes do que o eram antes do 25 de Abril; os seus “objectivos” terão mudado, mas a eficácia com que actuam parece muitas vezes até pior (e a corrupção na administração pública e o tráfico de influências parece não serem menores).

Há uma cultura (governativa) de fundo em Portugal que continua a ver o Estado e as suas relações com a sociedade civil como relações de dependência e não de cooperação e interdependência.

O Estado Português continua tão autocrático na forma como governa e administra o país como sempre o fez no passado.

Para tal, contribui o facto da autonomia e independência do poder legislativo face ao executivo continuar inexistente e do poder judicial, independentemente da sua maior ou menor eficácia, estar muito dependente do executivo; isso acontecia antes do 25 de Abril e não se alterou significativamente.

Ou seja, a nossa República continua muito pouco “república”; aliás, os políticos portugueses até acham que não é possível governar sem maioria parlamentar – ou seja, pelo menos, o executivo e o legislativo não podem ser independentes!

E têm razão; a nossa concepção do papel do Estado na sociedade obriga a esta fusão entre executivo e legislativo.

Claro que isso não torna a nossa “democracia” peculiar face às muitas (ditas) “democracias” que há por todo o planeta. A nossa democracia só é peculiar, isso sim, face às democracias de origem (aonde a democracia teve origem), ou seja, as democracias anglo-saxónicas, nas quais o papel do executivo e do legislativo são nitidamente independentes e o legislativo controla efectivamente o executivo.

De facto, o actual “problema” do Estado português e das suas elites (da aristocracia de serviços) só existe porque, presentemente, vivemos numa sociedade muito mais aberta e integrada na União Europeia.

De facto, o deficit das finanças públicas não seria problema pudesse a aristocracia de serviços manuseá-lo, como sempre o fez no passado.

Por um lado os efeitos da globalização (mercados financeiros, de mercadorias e de serviços, mundializados) não podem ser evitados; hoje é impossíveis os países fecharem-se ao exterior.

Por outro lado, deixou de ser possível ao Estado “administrar” o valor da moeda, através do qual, com relativa facilidade, podia fazer transferir as responsabilizadas financeiras do Estado para as costas dos cidadãos sem a visibilidade que sempre implica qualquer aumento formal dos impostos.

Se há um “problema” que se impõe hoje formalmente ao País, é porque o “Exterior” o impôs.

Na verdade, está-se consciente, que não se pode, impunemente, continuar a obrigar os cidadãos a pagar a incompetência (e a corrupção, formal e informal) do Estado Português para níveis superiores aos já existentes (cerca de 70% do rendimentos das famílias, ao longo da sua vida média) mesmo com o justificativo de uma solidariedade social; que hoje aparece, aos olhos de todos, como claramente incompetente, esbanjadora e beneficiária preferencialmente dos menos carentes.

quinta-feira, maio 19, 2005

PORTUGAL E A CRISE:O retorno dos Impostos - a educação (IX)

Assim sendo, é essencial chamar ao sistema educativo a participação activa dos cidadãos e da sociedade civil; quer na execução da política educativa como na sua concepção e na sua avaliação.

Estou convicto que se isso for realizado criar-se-á toda uma dinâmica social que induzirá a emergência de um processo auto - evolutivo (auto - transformação) do sistema educativo, em si.

Tal participação (a dos cidadãos e da sociedade civil) auxiliará a transformação do actual sistema educativo (estatizado e monolítico) mesmo contra as forças das corporações (professores, etc.) e contra os hábitos prevalecentes neste sistema. O sistema educativo, por esta via, tornar-se-á mais aberto e susceptível às exigências do meio envolvente, a quem tem de servir.

Contudo, mesmo isso, não é fácil de implementar, em Portugal.

Para além da oposição exterior ao Estado às alterações do sistema educativo (por exemplo, das corporações e dos hábitos prevalecentes no sistema), há uma cultura interior ao Estado que é contrária ao que proponho; há uma cultura contrária à participação activa dos cidadãos e da sociedade civil.

Portugal (e muitos outros países da Europa) tem uma sociedade estruturada numa longa tradição de intervenção (totalitarista) do Estado e, consequentemente, possui uma cultura que minora activamente a intervenção dos cidadãos na sociedade.

Essa tradição é tão marcada que, inclusive, quando se fala em fazer evoluir qualquer “sistema” de estatizado para “não - estatizado” (por exemplo, através do acesso da sociedade civil a determinadas actividades, nomeadamente através das privatizações), as soluções adoptadas passam sempre por alguma forma de estatização do novo sistema, criado com a dita des – estatização.

Ou seja, o carácter interventor e totalitarista do Estado sobre a sociedade mantém-se, frequentemente, mesmo após a des – estatização.

As disposições legais, ultra – regulamentadas, que acompanham as respectivas privatizações são um bom exemplo dessa desconfiança do Estado sobre a iniciativa dos cidadãos e da sociedade civil.

Frequentemente, o Estado ainda lhes impõe um “cordão umbilical” que chega ao ponto de lhes garantir a “viabilidade” da respectiva actividade, inclusive a sua rentabilidade com subsídios do Estado. Pior ainda, por vezes, o Estado preserva, para si mesmo, um poder de intervenção directo sobre essas entidades, através de “golden-share”.

Naturalmente, o que o Estado faz, não é “privatizar” e, com certeza absoluta, que não é querer transferir poder de intervenção do Estado para os cidadãos e a sociedade civil.

Tal comportamento do Estado Português preserva, de facto, o poder (absoluto) de intervenção do Estado sobre o conjunto da sociedade; o que mudou, através deste tipo de privatização, foi apenas o facto do Estado ter deixado de operar directamente para passar a fazê-lo através de um intermediário privado, escolhido (!) dentro da sociedade civil e mantido estreitamente dependente si, através de um contínuo arbítrio da administração pública.

Aliás, o Estado Português acredita tanto na seriedade e eficiência (?) deste seu comportamento que, apesar dos resultados persistentemente “não positivos”, continua a transformar direcções gerais, e outros serviços, em Institutos Públicos, como se a mudança de uma, quase só, designação (gestão publica para gestão tipo privado) resultasse, por si só, em maior eficiência!

De facto, para o Estado português parece-lhe não se tratar do “mesmo”; mas parece-lhe não se tratar do “mesmo”, porque desconhece realmente os conceitos de gestão privada e de mercado e, desconhece a íntima relação (inter – relação activa) entre gestão privada e mercado; relação, essa, que estrutura esses conceitos.

Não é de admirar que isso ocorra com o Estado português (e, na verdade, com a nossa sociedade civil) quando, mesmo a actividade dita privada, vive a expensas do Estado (da protecção e dos impostos sobre os cidadãos!) e, portanto, muito longe do mercado ; vive, como o denomino, num para - mercado.

Não é de admirar que as possibilidades de corrupção, em tal sistema político e administrativo, se elevem exponencialmente! O mercado é substituído pela decisão administrativa, frequentemente financiada pelos impostos sobre os cidadãos.

A promiscuidade entre Estado e alguns interesses da sociedade civil (frequentemente, protegidos em corporações) é imensa e, necessariamente, bloqueante (e expropriadora) do exercício da cidadania!

A capacidade de decisão autónoma da sociedade civil permanece manietada; pior ainda, a sociedade civil é induzida (e impedida) a não desenvolver iniciativas (ainda menos, com risco próprio) e aprende a ter de dividir a sua responsabilidade com o Estado; para quem corre, a qualquer “perturbação”!

Essa forma de “privatizar” (direi, à portuguesa – embora não o seja) acaba por representar um alargar, ainda maior, da intervenção do Estado “sobre” a sociedade, no seu conjunto.

Já não bastava ao Estado controlar e dirigir o seu “aparelho”; faz o mesmo sobre o “aparelho” civil!

A ausência do exercício de cidadania, existente em Portugal, deveria, pelo menos, envergonhar os intelectuais portugueses, quer de esquerda como de direita.

Mais ou menos conscientemente, Portugal deixou-se estruturar sob (e de molde a salvaguardar) uma nomenclatura constituída pelos funcionários políticos e públicos, à qual se junta os seus “intermediários privados” para “operarem”, em conjunto, sobre toda a sociedade portuguesa.

No seu conjunto (políticos, elites administrativas e intermediários privados – protegidos pelo Estado contra os cidadãos e a viverem dos impostos sobre os cidadãos) constituem aquilo que tenho vindo a denominar de “aristocracia de serviços”; que, segundo a minha opinião, tomou conta do País, em nome dos cidadãos.

Quando eu me refiro, pois, à necessidade de integrar a intervenção dos cidadãos e da sociedade civil no sistema educativo português não é dentro da concepção do papel do Estado sobre a sociedade civil que acabo de acima descrever.

Se assim fosse, o sistema educativo continuaria tão monolítico e estatizado como o é hoje.

A integração dos cidadãos e da sociedade civil no sistema educativo faz-se considerando que toda a sociedade, sociedade civil e Estado, têm responsabilidades educativas que se repartem entre o Estado e a sociedade civil na base de uma relação de interdependência e não, de uma relação de dependência.

Neste quadro, os cidadãos e a sociedade civil devem assumir, por si, todas as responsabilidades e riscos inerentes às suas actividades.

O Estado não tem de ajudar (!) em nada; de facto tem de ajudar - ajudar a que o seu aparelho não se comporte de forma corrupta e segundo critérios de discricionariedade e arbítrio que transforma os seus decisores administrativos em “ditadores” que têm de ser comprados para que a Lei se cumpra.

A integração da sociedade civil no sistema educativo não se faz, pois, “privatizando”, à “moda portuguesa”, o sistema educativo do Estado (como, por exemplo, se está a fazer na Saúde!?).

sábado, maio 14, 2005

PORTUGAL E A CRISE:O retorno dos Impostos - a educação (VIII)

São diferentes as soluções adoptadas por diferentes culturas para a resolução de questões semelhantes.

Cada cultura procura e adopta a solução que mais se adequa a si, de certo modo, que se adequa à programação mental dos seus detentores.

Como diz Geert Hofstede (em Culturas e Organizações, edições sílabo), “…instaurar apenas eleições não modifica os costumes políticos de uma país, quando estes costumes estão profundamente enraizados na programação mental da maioria da população.”

O mesmo se passa em todos os outros domínios de actividade bem como nas ideologias e sistemas filosóficos, autóctones, dominantes.

Assim, segundo a minha opinião, já seria bom (e realizável) se conseguíssemos fazer evoluir o sistema educativo para algo de intermédio entre o actual sistema educativo (estatizado e, monolítico e ultra regulamentado) e o sistema anglo-saxónico ou do norte da Europa. Por outro lado, penso que a nossa concepção educativa (paternalista) não é totalmente isenta de aspectos positivos – espero não ser, exclusivamente, a minha “programação mental” a ditar esta opinião!

Contudo, nem isso é fácil.

Após o 25 de Abril, as relações professor – aluno passaram de “relações de dependência” para “relações de contra – dependência”. As aulas tornaram-se “impossíveis”, segundo muitos professores!

As “relações com a autoridade” manifestam o mesmo tipo de transformação. Se antes do 25 de Abril, a relação com a autoridade era de forte dependência (ultra respeito, medo, etc.), depois passou para uma relação de tipo oposto; aonde inclusive a preocupação à “protecção” dos direitos do réu se tornou muito mais relevante que a protecção aos direitos da vitima!

No fundo, quer num caso como noutro, o carácter das “relações” manteve-se idêntico (dependência e contra – dependência), antes e depois do 25 de Abril!

O mesmo se passou quanto à forma como o sistema político evoluiu em Portugal; tenha sido, ou não, resultado de uma Revolução.

Portugal, historicamente, sempre se estruturou segundo sistemas políticos autocrático - autoritários e autocrático - paternalistas. O Estado sempre foi encarado como o Pai; as lutas contra o Poder do Estado sempre se sintetizaram na tentativa da busca de um “Pai paternalista” (e mais competente) e não numa não - autocracia.

Quer o fascismo (de Salazar) como a democracia, pós 25 de Abril, não mudaram significativamente essa tradicional forma de estruturação e funcionamento da sociedade portuguesa.

A eleição de alguns órgãos de soberania por parte dos cidadãos, por si só, não transfere para estes o poder (e a correspondente capacidade de intervenção na sociedade) e muito menos impede que os “eleitos” governem, afinal, na base dos mesmos princípios autocráticos e, mais ou menos, paternalistas. A tradicional “burocracia portuguesa”, que interfere em quase todos os aspectos da vida dos cidadãos, acentua ainda mais o seu carácter autocrático.

Aliás, eu chego a pensar que as elites políticas portuguesas (e seus “teóricos”), o máximo de “transformação revolucionária” que conseguem a admitir (e compreender) é a substituição de um Poder autocrático autoritário por um Poder autocrático paternalista. Diria que: confundem democracia com paternalismo.

Ainda esta semana o “Courrier Internacional” faz referência à “compra” do povo alemão pelo “Estado – Providência Hitleriano”.

Aliás o Estado – Providência constitui o chamariz preferido dos demagogos e conta com o forte (e tradicional) apoio de múltiplas Corporações autóctones; politicas, económicas, profissionais, etc., e que vêem nessa intervenção estatal a condição para a preservação de “valores”, ditos nacionais, e dos seus interesses.

Geert Hofstede diria que os respectivos povos foram “comprados” por essas ideias porque a sua programação mental, enquanto formas de pensar estabelecidas pela respectiva cultura, já são favoráveis a essa forma de concepção e organização social.

Eu diria que a “história” forjou essa programação mental nos líderes e nos súbditos e o melhor, que uns e outros, se imaginam fazer é evoluírem “dentro” dessa sua cultura.

Note-se que a origem do Estado - Providência dos países do norte da Europa tem raízes (profundas) num tipo de cultura bastante distinta da portuguesa, porque marcada por relações dominantes de interdependência (não, de dependência) e de cooperação (não, de corporações).

Isso marca uma diferença essencial entre o carácter dos Estados providência do norte da Europa e outros Estados Providência europeus (e até do resto do mundo), no qual os Índices de Distância Hierárquica são elevados.

Enquanto que nos Países do Norte da Europa, a “Cooperação” exige uma forte participação e igualdade dos cidadãos (amplo exercício da cidadania); nos outros países, a “Corporação” exige precisamente o inverso: a condução das sociedades pelos lideres, mais ou menos organizados em corporações e a subalternização da intervenção dos cidadãos, enquanto tal, na sociedade.

Neste quadro, equacionar a evolução do actual sistema educativo português para um sistema “mais aberto”, do tipo anglo-saxónico, exigiria que se encarasse o exercício da cidadania de forma diferente do que se faz em Portugal.

Para tal seria essencial assumir-se, de facto, que a componente mais essencial da “democracia” (e a mãe das suas virtudes) é o respeito e a salvaguarda do exercício da cidadania pelos cidadãos e não a autocracia - paternalista.

Por aí se deve iniciar a re - concepção do sistema educativo.

sexta-feira, maio 06, 2005

PORTUGAL E A CRISE:O retorno dos Impostos - a educação (VII)

A massificação da educação não significa que tenha de ser, necessariamente, o Estado o seu único executor.

Aliás, é de “desconfiar” quando um Estado se procura impor como “único” interventor do processo educativo!

Por outro lado é importante ter consciência que a educação envolve muito mais do que aquilo que a escola proporciona às crianças e aos jovens.

Parte importante do processo educativo é realizada em casa (e na sociedade). Infelizmente, quando se reflecte sobre educação, pouco se pondera sobre esta componente.

Por exemplo, quais os efeitos do empobrecimento dos cidadãos (nomeadamente através de impostos excessivos) na diminuição da capacidade destes exercerem este papel, como por exemplo na aquisição de livros, computador, secretária, visitas, viagens, explicações, etc. e na promoção de outras actividades complementares como no desporto, nas artes, etc. Uma família empobrecida está muito mais dependente do que o Estado lhe quer “impingir” e do que o “mercado” oferece mais barato ou gratuitamente (normalmente, em troca de algo!).

Ou será que apenas os filhos da “aristocracia de serviços” (e de mais alguns poucos) têm direito a algo diferente?

Na educação passa-se algo de semelhante ao que se passa na saúde. Algumas doenças são provocadas pela pobreza: má alimentação, má habitação, etc.

Aliás, a obrigatoriedade dos alunos frequentarem a escola do bairro aonde habitam, impõe o nível de educação a que têm acesso. As escolas de bairros periféricos ministram um nível de educação claramente inferior às escolas dos bairros ricos ou com “estatuto”!

Penso que isto não será, de todo, generalizável, contudo acontece; e acontece, nomeadamente, porque os alunos (e os pais) não têm a liberdade de colocar o seu filho na escola que achem conveniente e deste modo exercer um direito que me parece fundamental e, indirectamente, castigar as más escolas (retirando destas os seus filhos).

O que também me admira é que se fala sempre em baixos salários quando se trata de reflectir sobre pobreza e da limitação de capacidade de decisão que esta impõe aos cidadãos e às famílias. Nunca se fala de algo que é bem mais determinante e “sentido”, no dia a dia, nas decisões de cada cidadão (e de cada família): o “salário depois dos impostos” - de facto, "depois dos impostos" e depois de “retirados os impostos e taxas" aplicados às despesas.

É na reflexão sobre o rendimento das famílias “depois dos impostos” que podemos vislumbrar a realidade nacional, nomeadamente a desigualdade realmente existe (induzida, nomeadamente, pelas políticas do Estado) e dos seus efeitos sobre o conjunto da sociedade: na educação, na saúde, etc.

Em Portugal, que centra a educação na “escola”, ou seja no professor, esquece-se que o processo educativo vai muito para além da escola; que a educação engloba a família e a sociedade, que engloba a “vivência” que se tem capacidade de realizar.

Pelo contrário, o sistema educativo anglo-saxónico e do norte da Europa ao centrar a educação no aluno (e não no professor) envolve, naturalmente, a família e a sociedade no seu sistema educativo.

Em Portugal o aluno é olhado como um “agente passivo” no processo educativo (“aprende” o que é transmitido pelo professor e, na escola); aliás, de forma idêntica se olha o cidadão (e a cidadania) e o papel que este deve assumir na sociedade.

Nos países anglo-saxónicos e do norte da Europa o aluno é olhado e tratado como um “agente activo” no processo educativo. O aluno, ele mesmo, é que procura (investiga) o que está a aprender, fazendo essa “procura” sob orientação do professor.

Enquanto que em Portugal o professor “ensina”; naqueles países, o professor orienta a procura do conhecimento, constituindo as aulas oportunidades de reflexão, de aprofundamento das matérias, esclarecimento de dúvidas, de estabelecimento de “relações” entre as teses alcançadas, de indução do pensamento lógico e experimental como “forma de conhecimento”, etc. e, naturalmente, a aula constitui momento de avaliação da “progressão do conhecimento” por parte dos alunos.
É um tipo de ensino adequado à “sociedade do conhecimento”.

Por isso esses países têm as suas bibliotecas cheias de alunos e o professor pode ser um “patrono” que opera junto do aluno mesmo fora das aulas (senão, essencialmente).

As nossas bibliotecas não estão vazias de alunos porque nós somos mais preguiçosos (como alguns afirmam!); mas sim, porque o nosso sistema de ensino não o exige.
No nosso sistema, a biblioteca é o professor e a avaliação (quanto existe!) é sobre o que se “memorizou” dessa "biblioteca"! O conhecimento, em si, e a capacidade de o obter é secundarizado face à capacidade de memorizar o que o professor ensina.

Portugal tem um sistema educativo monolítico. As políticas e sistemas pedagógicos são definidos pelo Estado e é da sua, quase exclusiva, responsabilidade a respectiva execução. Mas não só, o ensino é centrado no professor e no seu saber.

Ou seja, estamos perante um sistema que é monolítico quanto à sua organização e quanto à sua forma de operar.

As poucas entidades não estatais que intervêm no sistema (sociedade civil) têm de seguir de forma restrita toda uma regulamentação, amplamente detalhada, que não lhes dá “margem de manobra” (com excepção do ensino superior).

Um pequeno exemplo: um colégio privado teve problemas com o Ministério da Educação porque decidiu manter os alunos em aulas durante umas férias de alguns dias, apesar do acordo previo dos pais e destes não pagarem mais por isso. A justificação do Ministério era que não estava regulamentada tal postura e representava procedimento desigual entre escolas!

O sistema educativo português é, pois, um “sistema fechado”.

Todos os sistemas fechados tendem a “desligar-se” do exterior e tendem à “degradação” (à auto - degradação).

As renovações (reformas) de “sistemas fechados” permitem “actualizar” esses sistemas. Contudo eles tenderão, a prazo, sempre para a degradação, porque se trata de sistemas fechados.

Aliás, a grande vantagem das democracias é precisamente o facto de terem permitido que as sociedades humanas pudessem funcionar em “sistemas abertos”, portanto sistemas com elevada relação com o ambiente envolvente e com elevada capacidade de auto - adaptação.

O sistema educativo deveria ser semelhante, ou seja, deveria ser estruturado como um sistema aberto.

Os sistemas educativos dos países anglo-saxónicos e dos países de norte da Europa são significativamente mais abertos que o Português.

Contudo, não é fácil implementá-lo, em Portugal.

Portugal tem uma cultura absolutamente contrária a isso. Inclusive, a forma como funciona (e se estruturou) a sua “democracia” revela claramente essa característica cultural.

Segundo Geert Hofstede (em Culturas e Organizações, edições sílabo), Portugal possui um elevado Índice de Distância Hierárquica (definido como a medida do grau de aceitação de uma repartição desigual do poder por aqueles que têm menos poder nas instituições e organizações. O Índice de Distância Hierárquica – IDH – procura medir essa distância hierárquica. No fundo, informa-nos sobre as relações de dependência num determinado país).

Nos países onde a distância hierárquica é baixa (países anglo-saxónicos e do norte da Europa), a dependência dos subordinados relativamente às suas chefias é “limitada”: trata-se mais de uma interdependência entre chefe e subordinado.

Nos países onde o índice é elevado, existe uma dependência considerável dos subordinados face às suas chefias. Aqueles (subordinados) reagem a este estado, quer preferindo essa dependência (na forma de um chefe autárquico ou paternalista), ou rejeitando-a inteiramente, adoptando uma atitude que em psicologia é conhecida como contra – dependência.

Assim, os países de elevada distância hierárquica evidenciam uma polarização entre dependência e contra - dependência.

As relações pais - filhos, professores - alunos, chefes - subordinados e lideres políticos – cidadãos; reflectem o IDH que marca a cultura no respectivo país ou região. As formas preferidas para as suas organizações e instituições reflectem essa maneira de pensar e estar.

A desconfiança do Estado Português relativamente aos cidadãos (e mesmo entre estes) reflecte esse elevado índice de distância hierárquica que caracteriza a nossa cultura e, segundo a minha opinião, torna difícil estruturar um “sistema aberto” na Educação em Portugal.

A estruturação do sistema educativo como “sistema aberto” exige a intervenção activa da sociedade civil quer na definição e implantação de politicas e pedagogias educativas, como na avaliação destas; exige que as “escolas” públicas tenham suficiente autonomia de gestão não só relativamente à educação que ministram (e de que são responsabilizáveis) como dos meios necessários para atingirem esses fins, inclusive a contratação e demissão de professores; exige que as escolas possam poder “negociar” com os utentes (pais, alunos, autarquias, empresas, etc.) objectivos e programas específicos; exige que os alunos possam escolher livremente as suas escolas e não obrigatoriamente a escola do bairro; exige que o financiamento do Estado se dirija preferencialmente aos alunos (cheques educação) e não às escolas; exige que o Estado defina (apenas) as grandes linhas educativas e pedagógicos nomeadamente os objectivos a atingir (afinal, trata-se de educar e ensinar) e que os avalie de forma eficaz (escolas e alunos), inclusive com exames nacionais.

Exige que se centre a educação no aluno e não no professor, ou seja que o aluno seja olhado como agente activo do processo educativo e o professor como “orientador” desse processo.

Independentemente de se estar mais ou menos em desacordo com o que penso ser necessário para tornar o sistema educativo mais eficaz em Portugal e deste (sistema) adquirir capacidade de se ir auto - adequando às necessidades nacionais e à evolução das ciências da educação (sistema aberto), penso que só um nova concepção do sistema educativo dará resposta às preocupações dos cidadãos portugueses.

Segundo a minha opinião, o sistema educativo português não precisa de reformas; precisa de uma nova concepção.

terça-feira, maio 03, 2005

PORTUGAL E A CRISE:O retorno dos Impostos - a educação (VI)


A ineficiência, a incompetência e a indução à desigualdade social resultantes do sistema educacional definido e ministrado pelo Estado Português é o primeiro exemplo que aqui abordo do “tipo” de retorno que este Estado nos oferece (?) dos impostos que temos de pagar.

Há semelhança do sistema de impostos existente em Portugal (como vimos atrás), também o sistema educativo é intrinsecamente antidemocrático, na medida em que promove realmente a desigualdade e preserva essa desigualdade (não falando já da incompetência que promove e na desadequação às necessidades nacionais).

Quer numa situação como noutra (o sistema de impostos e o sistema educativo), a causa profunda de tal estado de coisas resulta do sistema político português “desconfiar” de um exercício de cidadania por parte dos cidadãos que seja independente do Estado e capaz de tomar iniciativas socialmente significativas (e deste modo poder, nomeadamente, “confrontar” o Estado).

Neste quadro, o Estado português estrutura-se não só no sentido de ser ele a assumir grande parte das decisões e das iniciativas nacionais socialmente significativas como também se estrutura no sentido de “bloquear” o exercício da cidadania por parte dos cidadãos.
Para tal o Estado Português não só lhes impõe pesados impostos (cerca de 70% dos seus rendimentos) o que transforma os cidadãos portugueses nos mais pobres da Europa e portanto incapazes de tomar “iniciativas” como também lhes impõe uma administração pública que “emperra” as poucas iniciativas ainda tentadas pelos cidadãos e faz depender a respectiva aprovação de decisões administrativas fortemente discricionárias.

Ao longo da sua História, o Estado Português sempre se deu mal com a “pluralidade” da iniciativa educacional.

Como desde muito cedo o Estado português (quer na Monarquia como na Republica) se pôde assumir como um “estado absolutista” (dos mais “absolutistas” da Europa), nunca lhe bastou regulamentar e fiscalizar o sistema educativo.

O Estado Português assumiu-se sempre como praticamente o único agente autorizado a executar a politica educativo em Portugal (quer “fazendo” quer “não fazendo”).

As “guerras” com a Igreja são mais que muitas ao longo da História de Portugal apesar de ainda em meados do século XX muitos jovens portugueses e das ex- colónias só poderem ter tido acesso à educação através dos Seminários e das Missões.

O papel extraordinário da Gulbenkian na educação, em meados do século XX, é uma excepção - talvez só possível, por ter sido uma iniciativa de um cidadão não - nacional!

Os países anglo-saxónicos e os do centro e norte da Europa, que desenvolveram uma intensa guerra contra a Igreja aquando da implantação do protestantismo, nunca deixaram de incentivar o papel das igrejas (e de muitos outros agentes independentes) no processo educativo, inclusive na instalação e desenvolvimento de Universidades.

Se “antes” o Estado Português “limitava” a educação ou impedia a sua massificação, “agora” massifica a não – educação (massifica a iletracia).

A quase exclusiva “iniciativa” educacional no Estado Português cria um “sistema monolítico” quer quanto às concepções educacionais (filosofias educacionais) quer quanto à respectiva execução (sistemas pedagógicos).

Por exemplo, nos países em que as "escolas" podem ser iniciativa de muitíssimas entidades, nomeadamente do Estado, não só a pedagogia é uma ciência “viva” como há uma invasão da educação (e da pedagogia) em domínios cada vez mais amplos da intervenção humana.

O “confronto” entre os múltiplos agentes educacionais (e pedagogias) é intenso e fonte de inovação.

A “pedagogia”, em Portugal, ficou refém do Estado e, neste, do Ministério de Educação (e dos interesses das Corporações sindicais dos professores) que é praticamente a única entidade capaz de assumir iniciativas educacionais e pedagógicas.

Pior ainda, essas iniciativas (inclusive pedagógicas) são obrigatórias para todo o País, pelo que qualquer erro é multiplicado de forma absolutamente desastrosa para toda a comunidade. E, o “confronto” com outras iniciativas e experiências, nacionais, não é possível.

Os resultados que “vemos” são o resultado do “sistema monolítico” que sempre imperou, em Portugal, na educação e que, depois do 25 de Abril, foi ainda mais reforçado.

Só a integração da livre iniciativa dos cidadãos no sistema de educação nacional (para além do ensino superior) e a correspondente desburocratização (e alguma desregulamentação), poderá alterar significativamente o actual estado de coisas na educação.

Estar-se à espera de um reformador clarividente (e de uma reforma eficaz), manterá o sistema educativo refém do surgimento de um “milagreiro”.

Só a “proliferação” de iniciativas independentes e o “confronto” entre elas poderá minorar o risco aos erros e à sua propagação (desastrosa, se alargada a uma vasta comunidade) e aumentará a probabilidade de surgirem inovações (experimentadas e avaliadas previamente), que se “imporão” aos vários agentes educacionais (inclusive ao Estado) pelos seus “resultados” e não porque um qualquer “burocrata do Estado” ache que são boas para o País.