domingo, novembro 27, 2005

A Taxa de Não-Cidadania e a Democracia (I)

A manutenção da vida exige a cada um de nós que coma, se vista, se abrigue, se defenda, procrie, que assegure a vida das respectivas crias, etc; só deste modo se assegura a sobrevivência e preservação de uma espécie ou de uma comunidade.

Tudo isso tem de ser assegurado com recursos; recursos próprios (intrínsecos a cada um) e recursos retirados ao ambiente físico e humano, envolventes.

A capacidade de cada um (que pode ser melhorada e complementada pela colectividade aonde se insere), o tempo disponível (porque “tudo” é realizado no tempo) e os meios disponíveis (ferramentas, materiais, instalações, etc.), constituem recursos essenciais à sobrevida; todos esses recursos são limitados e escassos.

Por exemplo, é essencial assegurar que os alimentos estejam disponíveis, o mais tardar, quando a fome apertar; o recurso tempo é escasso quer quanto à capacidade de colectar os alimentos como de os produzir – tudo ocorre “no tempo”.

No sentido estrito de gestão de recursos que são escassos (a capacidade, o tempo e os meios), olhar e interpretar a forma como o homem e a sociedade se organizam para levar a cabo a preservação da vida constitui uma disciplina da área da economia.

Isso não significa que a actividade humana e suas consequências se possam medir única e plenamente por parâmetros da economia, longe disso; contudo a compreensão dos mecanismos de base que fundamentam tal actividade são bastante bem interpretados segundo essa perspectiva.

De certo modo podemos afirmar que a “economia” é a “base” da vida (aliás, da vida biológica) na medida em que todos temos de comer, abrigar-nos, vestir, procriar e cuidar das crias, etc. e temos de gerir equilibradamente o nosso tempo, as nossas capacidades e os recursos disponíveis ou por nós criados (todos eles escassos, pelo menos no tempo), de modo a assegurar a sobrevivência e optimizar a nossa qualidade de vida.

Não é à toa que Marx afirmou que a economia é a base das sociedades humanas e, consequentemente, da sua História.

Como interpretação ainda mais básica (primária) da organização e funcionamento das sociedades humanas, é a relação entre os dois sexos e a “necessidade” (biológica) de preservação da espécie.

Aliás, há muitos estudos sobre o papel da sexualidade não só a nível individual como colectivo, nomeadamente como ela explica comportamentos e estrutura os nossos valores e as nossas sociedades – olhem à vossa volta (publicidade, literatura, cinema, televisão, arte, etc.) e verão como o “sexo” (as relações entre sexos) impregna os nossos comportamentos, valores, sociedades; enfim, grande parte (senão todas) as nossas criações culturais.

Na “economia da vida”, a componente remuneração (o que fica na posse de cada um, para seu próprio usufruto) assume uma dimensão muito importante, ou mesmo decisiva, porque intimamente ligada às condições de sobrevivência do indivíduo e da respectiva prole; portanto, da sobrevivência e preservação (sobrevida) das comunidades humanas.

A remuneração na “origem”

Primitivamente, a produtividade de cada indivíduo era muitíssimo baixa; isso exigia que parte significativa do tempo disponível fosse ocupada na procura de bens (incluindo, alimentos) e em tarefas com vista a assegurar a respectiva sobrevivência e a da prole (sobrevida).

Diria que algo de muito parecido nos tempos actuais seria o que ocorre com os primatas superiores, como chimpanzés, orangotangos e gorilas; estes primatas passam grande parte do seu tempo à procura de alimentos e a alimentarem-se – eles não conseguem criar excedentes.

É provável em que determinadas épocas do ano e em determinados locais, particularmente ricos em alguns recursos (caça, pesca, frutos, etc.), a Natureza proporcionasse aos humanos condições de existência mais amenas; nesses locais ou nessas alturas do ano, os humanos disporiam de tempos livres maiores (da procura ou produção de alimentos).

Numa sociedade em que praticamente todo o tempo disponível é dedicado ao trabalho necessário a assegurar a sobrevida, nomeadamente dedicado à colecta e à caça (não há tempos livres, a não ser esporadicamente), podemos afirmar que tudo o que era produzido (ou apanhado) por cada um era para si próprio e para as suas crias – nessas comunidades, praticamente, não havia excedentes (a guardar para o “amanhã”).

Apesar de tudo, mesmo nesses tempos, já deveria haver alguma especialização entre os humanos; o género (mulher ou homem), a idade (criança, jovem, adulto ou velho) e a capacidade e “estado” físico e mental de cada um, já deveriam determinar alguma especialização de tarefas no seio da família e das pequenas comunidades, então existentes.

Ou seja, é provável que já nesses tempos primeiros o trabalho, de cada um, não coincidisse com o que podia consumir, ou seja, com a remuneração.

Contudo a diferença, de então, entre trabalho realizado e remuneração (tudo o que alguém detém em seu poder e que possa ser usado plenamente por si para assegurar a sua vida ou de quem queira) deveria ser muito pequena.

Por outro lado, com a baixíssima produtividade existente, a comunidade não se conseguiria preservar se uma parte dela absorvesse parte desproporcionada do trabalho dos outros; se houve comunidades humanas que o fizeram, pereceram e não terão chegado aos nossos dias.

Nesses tempos, a própria escravatura não tinha razão de ser; o escravo dificilmente poderia assegurar excedentes para serem usufruídos por terceiros – nesses tempos, praticamente tudo o que é capaz de ser produzido (ou colectado) só permite assegurar a sobrevivência de quem o faz.

segunda-feira, novembro 14, 2005

Os novos párias

No Público de 11 de Novembro, Esther Mucznik, faz uma breve reflexão sobre os motins em França, associando as suas motivações ao modelo societário francês.

Merece atenção o que Esther Mucznik nos diz nesse breve artigo.

Pascal Perrineau, salienta Esther Mucznik, já afirmava que a França “é o país da Europa mais centralizado, onde a cidadão se encontra sozinho face ao Estado, a quem exige tudo e a quem culpa de tudo: a Revolução Francesa, a comuna de Paris, a separação do Estrado da Igreja em 1905, o movimento de Maio de 68, todos estes movimentos políticos assumiram, em França, um carácter revolucionário, violento, igualitarista e antiliberal”.

Os recentes motins “reflectem não tanto o colapso do sistema francês de integração dos imigrantes, mas muito mais a crise do modelo económico e social europeu que em França assume características extremas”.

“Assim, é de prever que a onda de violência que varre a França permaneça em estado latente, como aliás tem estado há várias décadas, até porque, particularmente neste país, algumas convicções solidamente estabelecidas contribuem para o impasse: o igualitarismo acima das liberdades individuais, a democracia entendida sobretudo como a imposição da vontade da maioria, o menosprezo da propriedade privada, uma certa condenação hipócrita da riqueza e em consequência a vitimação da pobreza, a detestação das forças da ordem, à partida consideradas como inimigos e repressivas, tudo isso acompanhado de uma rígida estratificação social, é causa de imobilismo e bloqueio”.

Esther Mucznik não “vê o Sol andar à volta da Terra” (“justificação” pela, aparente, “causa próxima” - típica do raciocínio primário) como parece acontecer com grande parte dos “peritos” e comentadores que vem a público tentar explicar esses motins.

Como Esther Mucznik penso que a causa dos motins não está na forma de integração dos imigrantes mas sim nas consequências que derivam do modelo político e social francês.

Contudo, mais adiante, Esther Mucznik considera que os “únicos países capazes de integrar plenamente imigrantes e minorias étnicas e religiosas, são os que, como a América ou Israel, têm eles próprios uma origem imigrante e cuja vocação é a abertura e o respeito pela diversidade de culturas”.

Não concordo que só os países de imigração possam integrar plenamente os imigrantes, embora admita que países de imigração com populações autóctones diminutas (por motivos vários) proporcionem uma integração mais fácil (no fundo, “todos” são imigrantes) – mas, esse não é, propriamente, o caso de Israel e tenho dúvidas da capacidade de integração “plena” das “minorias” neste país (admito que conheço muito pouco de Israel e do seu sistema politico e social)!

O que concordo com Esther Mucznik é que sociedades liberais, isto é, sociedades “centradas nos cidadãos” (ou seja, estruturadas no exercício, pleno e generalizado, de uma cidadania independente do Estado) têm mais capacidade de integrar imigrantes (porque “olhados”, afinal, como “mais” alguns cidadãos e não como estrangeiros) do que nos países em que os próprios cidadãos e as suas iniciativas “independentes” são olhadas com desconfiança pelos respectivos Estado.

Por isso, por exemplo, é tão frequente ver-se no Governo dos EUA ou nas altas Chefias das suas Forças Armadas, americanos não nascidos nos EUA, ou seja, “recém chegados” ; segundo os padrões europeus nunca teriam essas oportunidades por mais competentes que fossem.

De facto, as sociedades “centradas na cidadania” não têm necessidade de integrar imigrantes; estes sentem-se imediatamente integrados face à forma como estas sociedades os vêem e como lhes é facilitada a vida – bem …, de facto quem vai para esses países vai à procura da “oportunidade de fazer …” e esta é-lhes colocada nas suas próprias mãos.

Aliás, parece-me que muitas das elites intelectuais das sociedades “centradas no Estado” dificilmente conseguem entender (compreender) o funcionamento das Sociedades “centrados nos cidadãos”.

Nestas sociedades, o País são os cidadãos (a Nação) e não o respectivo Estado; os cidadãos controlam efectivamente o Estado (e os políticos) e este serve-os; os cidadãos são olhados como a força motriz determinante do desenvolvimento económico, social e cultural do respectivo País; os cidadãos têm capacidade de intervenção socialmente significativa mesmo com pequena riqueza pessoal e baixo estatuto social e o Estado não só facilita como favorece e promove essa intervenção – o self made man é o herói nacional; a dimensão do Estado deve ser o mínimo necessário ao exercício do papel que lhe está acometido e o próprio Estado se preocupa por sobrecarregar o menos possível os cidadãos.

Nestas sociedades, o “mercado” não é apenas “espaço” de transacção de bens e serviços mas é, essencialmente, espaço de encontro do exercício da cidadania independente dos cidadãos e como tal indutor de confronto e transparência cultural, social e económica, de promoção ao desenvolvimento e à inovação e, mesmo, de gestão de conflitos.

Nestas sociedades, a solidariedade social é um dever de todos os cidadãos e não só do Estado; daí a enorme actividade de mecenato existente nesses países e o importante e significativo papel social que a sociedade e os lideres empresariais reconhecem à actividade das empresas e demais instituições privadas.

Nestas sociedades, os cidadãos são “cidadãos respeitados”, nomeadamente sendo-lhes reconhecida capacidade para gerir as suas próprias vidas, capacidade para promoverem o desenvolvimento e o bem comum e para (auto -) governarem a Nação – Sistema, verdadeiramente, Democrático.

Como diz José Manuel Fernandes, no Público, a democracia é o governo dos homens comuns com as virtudes e defeitos dos homens comuns e não dos “iluminados” ou das “vanguardas”, ou seja, a Democracia é o governo centrado na Nação.

De facto, as sociedades “centradas no Estado” são sociedades elitistas e, apesar do “igualitarismo” que algumas defendem, a sua aplicação é muito mais eficaz na “igualização” (e sempre “por baixo”) das não - elites ; as elites não aceitam essa “igualização por baixo”, pelo que os escapes legais das elites à “igualização” são múltiplos e assegurados pelo próprio Estado (o direito de usufruto do bem público é um desses privilégios). Essas sociedades têm a tendência à criação de uma poderosa Nomenclatura pública e privada.

A Europa, na generalidade, acha que a Democracia continua a ser o governo centrado no Estado, apenas mudando a forma como este é “ocupado”; bem …, a democracia europeia (diga-se as da Europa Continental) é muitíssimo recente (pós segunda guerra mundial) e acabou por ser uma importação (dos países anglo-saxónicos) “formatada” na sua velha tradição de Estado: centralizador e autocrático. Ainda temos muito que aprender em termos de Democracia; oxalá o consigamos e que não o seja em condições demasiado dolorosas!

As sociedades cujos governos estão centrados na Nação integram com naturalidade e sem dificuldade os imigrantes, porque essa integração emerge do seu conceito de sociedade e, como tal, do papel que está acometido a todo o cidadão nessa sociedade, seja ele ou não recém-chegado.

As sociedades cujo governo é centrado no Estado desenvolvem (consciente ou inconscientemente) uma relação societária estruturada entre “elites que governam” (o Estado) e súbditos; os imigrantes são entidades estranhas ao sistema e são encarados pela sua utilidade conjuntural – se é investimento estrangeiro, é sempre bem-vindo; se é para “trabalhar”, depende!

Em qualquer dos casos, têm tratamento diferenciado dos “nacionais” e mesmo quando “integrados” e nacionalizados, continuam a ser olhados como “estranhos” e, como tal, diferenciados no acesso à “capacidade de fazer” e de usufruir da riqueza nacional (o Estado é o Grande Patrão) – aliás, dizendo-se “igualitaristas”, estas sociedades são fortemente estratificadas, imobilizadoras e geradoras de desigualdades significativas, induzidas pela própria acção dos respectivos Estados.

As sociedades centralizadas no Estado estão constantemente a dizer “aos imigrantes” como aos seus cidadãos: esperem - “nós fazemos”, “nós arranjamos emprego”, “nós integramos”, “nós etc.”; evidentemente, quando não fazem nem deixam fazer encurralam as pessoas e estas, mais cedo ou mais tarde, têm de explodir – é uma questão de esperar.

Os imigrantes serão porventura os primeiros porque mais desprotegidos e a revolta destes, um eventual “desvio de atenção” conveniente ao “defensores do sistema”, mas (esperem) os cidadãos “nacionais” irão seguir-lhes os passos - hoje, a globalização não pára, não permite “fechar” os países e os seus efeitos continuarão a “corroer” as sociedades ineficazes!

quarta-feira, novembro 02, 2005

Transformaram-nos, a todos, em “fora-da-lei”

O Estado português criou um sistema de impostos que transformou todos os portugueses em criminosos fiscais; quem não contratou um serviço sem IVA? Quem não teve um ou uma empregada, durante pouco tempo que fosse, sem declaração à Segurança Social? Quem não integrou despesas pessoais como despesas de alguma empresa? Etc.

O peso dos impostos é tão grande e significativo na qualidade de vida dos portugueses que a “gestão”, familiar ou empresarial, ganha mais a estudar o “como fugir aos impostos” do que a estudar o “como ganhar mais”.

Mas a questão que aqui quero salientar é o aspecto e as consequências éticas desse comportamento; quando uma sociedade inteira é “empurrada” (pelo peso dos impostos, como estes são utilizados e pela impunidade de quem os utiliza) para posturas que são legalmente criminosas, essa sociedade perde referências (valores) essenciais de “vida em sociedade”.

As sociedades humanas são sistemas complexos adaptativos; as pessoas têm de sobreviver e não são papalvos, pelo menos durante muito tempo, pelo que rapidamente se adaptam às situações que se lhes impõem.

Se a sobrevivência da sociedade se realiza por comportamentos fora-da-lei, não duvidemos que é isso que ocorre – e, não duvidemos, que esse comportamento não só envolverá os cidadãos da sociedade civil como envolverá o próprio Estado e os que aí se acantonam (políticos e funcionários públicos).

Isso ocorreu nas sociedades comunistas (para referir um “sociedade moderna”); nessas sociedades “tudo” era para a respectiva “sociedade”, representada “no” Estado – em massa, os cidadãos foram empurrados para o “esquema”, desde o pequeno roubo ou “negócio” (aí ilegalizado) até à habilidade de ascender aos cargos que permitiam o usufruto do bem público em favor pessoal.

Os valores morais “antigos” deixaram de poder assegurar a sobrevivência e a vida em comum em tal sociedade, tiveram de ser substituídos por valores “pragmáticos” ajustados ao sistema existente; o resultado está à vista de todos: desmantelado o sistema comunista, faz-se hoje abertamente o que já antes se fazia, ou seja, políticos, funcionários e cidadãos em geral actuam com a maior das facilidades à margem da lei - é o resultado da "nova" ética, interiorizada durante o comunismo.

As consequências de tal comportamento são terríveis, pois a respectiva sociedade interioriza esses comportamentos (e esses novos “valores”) e torna-se difícil ou mesmo impossível “corrigir”, no futuro, tais “valores”; a forte capacidade de adaptação dos sistemas humanos não só gera rapidamente sistemas adaptados às novas condições, neste caso à corrupção e à criminalidade (fiscal, por exemplo) como também os sistemas assim gerados tudo fazem para se continuarem a auto-reproduzir (dentro da corrupção e da criminalidade em que se estruturaram).

Por isso, há quem considere que a diminuição dos impostos em Portugal não iria diminuir a fuga aos impostos; porque, há muitos anos são “empurrados” pelo Estado, os cidadãos portugueses “habituaram-se” a ser criminosos fiscais e, culturalmente (o hábito faz o monge) deixaram de considerar tal prática uma crime.

Penso que é verdade …
Contudo é por aí que passa a reposição de um valor essencial a qualquer sociedade moderna (e à cidadania): a honestidade; a “legalidade” deve estar intimamente co-relacionada com os valores morais da sociedade e deve "favorecê-los" - nomeadamente é essencial que haja unicidade entre o conceito social de honestidade e do que é legal.

Quando um Governo considera uma "vitória" perdoar dívidas fiscais a quem não paga os impostos desde que estes lhe paguem “alguma coisa”, mostra bem a (pouca) “moral” detida por tal Estado e o tipo de “ética” (nova) que induz nos cidadãos portugueses – de facto, tal atitude só reafirma aos cidadãos portugueses o que já sabiam do seu Estado e da sua “moral”; numa sociedade democrática, na qual a cidadania deve poder-se exercer com alguma liberdade, é muito perigoso esta clara dicotomia entre “ética” e “legalidade”.

Enquanto os políticos portugueses (e os portugueses em geral) não entenderem que é essencial repor a “honestidade” e a correspondente “legalidade” como valor essencial à sobrevivência do País, ou seja, como essencial à sobrevivência desta comunidade humana, enquanto “comunidade”, não só não sairemos da actual crise como colocamos em causa a nossa continuidade como Nação.

Inclusive o sentimento, generalizado, de forte descrédito para com o Estado (que é encarado como “não - pessoa de bem”) e o forte sentimento a favor da pró-ilegalidade (fiscal ou da pequena ilegalidade), existente nos portugueses e, até, na actuação concreta do Estado, podem conduzir Portugal, sem disso se aperceber, para um “eldorado” da criminalidade internacional moderna (e sofisticada, nomeadamente na lavagem de dinheiro, pedofilia, droga, tráfego de órgãos, etc.), com o apoio e envolvimento (inconsciente!) do próprio poder público – já tem havido alertas, na comunicação social, para esse risco por pessoas que têm informação rigorosa.

O arrastamento (forçado) do cidadão português para a criminalidade fiscal e para a corrupção, tornando esse tipo de envolvimento generalizado a todos os portugueses e destruindo valores éticos essenciais à vida em sociedade, criou não só uma forte permissividade à ilegalidade em Portugal como está a abrir uma “caixa de pandora” de consequenciais imprevisíveis, mas necessariamente muito perigosas.

Relativamente à África, estou convicto que dificilmente sem a intervenção da Igreja será possível repor os valores humanos de referência que, entretanto, foram generalizadamente destruídos sob a “pata” das guerras fratricidas que aí têm decorrido e dos seus governos, marcadamente corruptos; sem esses “valores”, essenciais à vida em “comunidades” humanas, não será possível corrigir a situação aí existente e, muito menos, esperar que aí ocorra alguma “modernidade” e “desenvolvimento”, sustentados.

Relativamente a Portugal a situação está longe de ser tão grave como a que ocorre em parte significativa da África (perda generalizada de “valores”) e a nossa “tradição” está fortemente marcada na nossa psico e cultura social (aliás, para o bem e para o mal); contudo estamos num caminho muitíssimo perigoso - caminho no qual o “criminoso” é olhado pela população portuguesa como o “desgraçadinho caído nas garras da justiça”, nas garras de uma justiça em quem se não confia, nas garras de um Estado que não é pessoa de bem e, acima de tudo, num país aonde “todos” sabemos que somos “todos”, mais ou menos, criminosos (criminosos fiscais) - embora não só, não nos consideremos como tal, como tenhamos “justificação moral” (e de sobra!) para isso.

Essa situação criou, em Portugal, uma grave promiscuidade na valorização moral entre diferentes tipos de “delitos” e, porque se está no âmbito da “moral”, não é difícil chegar-se ao ponto em quase tudo é desculpável – o ar de “não - envergonhado”, e até altaneiro, de quem já foi julgado como criminoso mostra bem aonde os nossos “valores” já chegaram.

Não nos admiremos pois que “este” povo português eleja pessoas a contas com “essa” justiça (também, moral) portuguesa!

Se há algum culpado nisto é sem dúvida o Estado Português que lançou todos os portugueses para um “atoleiro legal” ao obrigar os portugueses à ilegalidade fiscal generalizada e ao gerir a "fiscalidade" e os bens daí provenientes da forma como o faz.

As consequências de tal situação são semelhantes às produzidas nos EUA com a lei anti – álcool; ainda, hoje, há quem diga que a polícia de Nova York sofre os efeitos da corrupção que então aí se instalou!

É preciso urgentemente repor valores de honestidade na sociedade portuguesa, é urgente assegurar a unicidade entre ética e legalidade.

Não será possível repor valores de honestidade e assegurar a unicidade (correlação) entre ética e legalidade na sociedade portuguesa senão através da prévia diminuição dos impostos para níveis suportáveis e através de uma gestão transparente do erário público (constituído pelos impostos); os contribuintes líquidos dos impostos têm de saber para quê e como o seu dinheiro é gasto pelo Estado Português.