quinta-feira, setembro 29, 2005

O “primário - ismo” na decisão política, em Portugal

Sinopse: Às decisões políticas mal fundamentadas e às, eventualmente, determinadas por interesses “estranhos” à res pública, associam-se as decisões sustentadas em causas “imediatas” (primárias); causas, normalmente, incorrectas. Por isso, as observações e comentários dos políticos e as suas acções pouco ou nada diferem das do “homem da rua”.

Já vimos que as decisões políticas em Portugal raramente são sustentadas tecnicamente e já vimos como a não - independência ou o escasso poder dos órgãos técnicos permite que qualquer “eleito” passe, de um dia para o outro, a ser não especialista “em tudo” como passa a ter poder (não controlável e não -responsabilizável) para fazer o que quer (autocrata).

Pelos mesmos motivos, grande parte das decisões políticas é sustentada por raciocínios imediatistas e primários, do tipo de raciocínio que conclui que: “o Sol anda em volta da Terra”.

Aliás, seria de admirar que um qualquer “eleito”, eleito sem obedecer a quaisquer critérios de competência científica, pudesse “acertar” nas decisões que tomasse em áreas que não sejam da sua, eventual, especialidade – se isso ocorresse não seriam precisas universidades e organizações técnico-científicas especializadas; a ciência, o conhecimento científico e o seu método, não seriam necessários.

Por exemplo:

Lisboa está congestionada de trânsito; para os nossos políticos, a solução é diminuir o número de carros, impedir a entrada de viaturas em Lisboa.

Ou seja, a solução é não fazer mais vias de acesso a Lisboa, criar impostos de acesso à cidade (aliás, a via Sul – Norte já tem impostos: o que se paga nas duas pontes!), etc.

Paris não está saturada com 12 milhões de habitantes e Londres, com mais de 12 milhões de habitantes, só agora, colocou impostos nos acessos à parte baixa da cidade. A grande metrópole Nova Iorque – Filadélfia, com cerca de 50 milhões de habitantes, não está saturada!

Mas, Lisboa está saturada com 3 milhões de habitantes – apetece dizer: “somos mesmo pequeninos!”

Como, habitualmente, os políticos portugueses vêm (ou querem ver!) “o Sol andar à volta da Terra” (deve ser o tipo de raciocino que aprenderam nas nossas “boas” escolas).

Lisboa não pode estar congestionada por excesso de viaturas; isso é exemplo de um conhecimento aparente.

As pessoas têm de se deslocar a Lisboa - elas avaliam as possibilidades de deslocamento existentes, suas vantagens e desvantagens; não são estúpidas quando o fazem na sua viatura. Também não são estúpidas quando, no dia sem carros, enchem os hotéis de Lisboa!

De facto, Lisboa não tem transportes públicos (estou a dizer: “públicos” e não a dizer “transportes do Estado”!); e não os tem por motivos vários!

Porque é que os políticos portugueses andam de transportes públicos em Londres e, porque, em Lisboa, não fazem o mesmo?

Porque, em Londres, esperasse 5 a 10 minutos por um autocarro e aqui não se sabe quando ele “passa”.

Em Londres, os transportes públicos estão sujeitos a uma concorrência aberta e feroz entre múltiplas empresas (privadas) que operam em paralelo para os mesmos destinos; aqui, em Portugal, os transportes públicos rodoviários são “concessionados”, em exclusivo, a uma empresa – ou seja, a concorrência é bloqueada pelo próprio Estado, e diga-se: em prejuízo dos cidadãos.

O metro de Lisboa é pequeno e “bonito”; quem terá descoberto que os seus passageiros se “passeiam” como se num “museu” estivessem (deve ter sido alguém “apaixonado” pelo metro de Moscovo e pela sua semelhante ineficácia!)

O metro de Londres é horrível de feio – mas é altamente eficiente; é isso que os cidadãos querem e foi para isso que foi feito e se gasta tanto dinheiro na sua construção. O metro de Londres estende-se por toda a cidade e arredores, enquanto que o de Lisboa serve, praticamente, o centro da cidade e muito mal; nem estações inter modais se conseguiram construir.

O aeroporto só é servido por táxis e, só agora, começam a aparecer, em Lisboa, algumas, muitíssimo poucas, estações inter modais (entre metro, autocarros, comboios e táxis); isso mostra que o fascismo, enquanto ideologia protectora de corporações (públicas e privadas), continua bem presente em Portugal e nas decisões políticas, quer, ditas, de esquerda como de direita.

Desbarata-se dinheiro por todo o lado mas não se conclui a CRIL, não se melhora os acessos a Sintra e não se resolve o acesso às cidades do Sul de Lisboa – milhões de horas de trabalho são perdidas diariamente nos acessos a Lisboa, os custos empresarias (e nacionais) e a ineficiência elevam-se significativamente, mas não há decisões e acções politicas em conformidade -ninguém se parece preocupar; somos pobres, porque fazemos tudo para continuarmos a ser pobres!

O congestionamento de tráfego em Lisboa não se resolve olhando para o tráfego, em si (isso é um raciocínio primário); resolve-se olhando as causas do tráfego (ou seja, a sua finalidade), olhando o que ele serve e as respectivas consequências para os cidadãos, para a cidade e para o País quer em termos económicos como de comodidade e eficiência, olhando para o tipo crescimento urbano que se lhe adequa, etc.

Outro exemplo:

Portugal tem os índices mais elevados da Europa em acidentes rodoviários.

Raciocínio primário dos políticos portugueses: diminua-se a velocidade permitida!!!

Pelo menos, poderiam perguntar-se porque em França o limite de velocidade nas auto-estradas é de 130 Km (120 Km com chuva) e na Alemanha não há limite; será que os portugueses têm um problema genético que os torna mais incompetentes na condução de viaturas ou será que se querem suicidar?

O Público, no dia 22 de Setembro, apresenta um breve estudo sobre as estradas com mais acidentes em Portugal; como eu constatei, grande parte dos acidentes são nas estradas nacionais e numas IP’s (4 e 5) com traçado similar ao das estradas nacionais.

Ou seja, o Público vem mostrar, com seu trabalho, que os acidentes rodoviários não são o resultado da velocidade permitida (raciocínio primário).

Uma velocidade de 50 Km por hora pode ser excessiva e uma de 130 Km por hora pode não ser excessiva; uma e outra dependem do tipo de via e do estado da via.

Todos nós sabemos que as estradas portuguesas são mal assinaladas, estão em mau estado de conservação, não possuem vias de ultrapassagem suficientes (quem terá sido a “inteligência” que descobriu que as zonas de ultrapassagem só devem existir nas subidas?), etc.

As IP’s 4 e 5, há anos que são apontadas como as mais mortíferas do País (a IP5 é a mais importante via de acesso do país à Europa); contudo, uma e outra, continuam sem perfil de auto-estrada.

A EN1 não é uma estrada, mas sim uma rua de Lisboa ao Porto; Portugal tem a rua mais comprida do mundo: 300 Km!

É evidente que aqui os acidentes são mais que muitos; contudo ainda não foi equacionado o grave problema dessa via – e também aqui o problema não é velocidade (bem, para os nossos “eleitos” parece que sim!!!).

Ou seja, numa primeira análise a velocidade nas auto-estradas até podia aumentar enquanto que a das estradas nacionais deveria descer em função do seu estado.

Mas, porque não trazer o tráfego das estradas nacionais para as auto-estradas? Porque não trazer os camiões para as auto-estradas?

Será que a necessária diminuição das portagens não seria compensada pelo aumento de tráfego nas auto-estradas e pela diminuição do número de acidentes?

Bem …, entreguem isso aos técnicos; foi para isso que eles estudaram e deixem de pensar (vocês, os políticos) que por terem sido eleitos passaram a saber tudo (especialistas “em tudo”) e a poder fazer tudo (autocratas).

Portugal tem uma característica cultural que o difere significativamente dos restantes países europeus: temos o maior consumo de álcool da Europa e um dos maiores do mundo. Isso afecta a qualidade dos nossos motoristas, inclusive porque o consumo de álcool é habitual ao longo do dia e às refeições; mas nisso, mais uma vez o carácter fascista da política pública portuguesa (protecção às corporações) permitiu que as corporações vinícolas sobrepusessem os seus interesses aos interesses dos cidadãos.

Outro exemplo:

Portugal tinha a maia alta taxa de analfabetos e a mais baixa taxa de licenciados, da Europa, e hoje tem a maior taxa de desistências.

Raciocínio primários dos políticos portugueses: abram-se escolas e universidade por todo o lado, “passe-se” todos os alunos e desse-lhes acesso à universidade em função do número de vagas “nas suas salas”.

Resultado desse “tipo de conhecimento” (o primário): temos a maior taxa de iletrados de Europa quer nos sem - licenciatura como nos licenciados; imagine-se que um prestigiado Professor (numa ciência exacta) vem afirmar, em público, que uma passagem de nível caiu porque um “borboleta bateu as asas na China” – ou seja, ele não entendeu “nada” ou ensinaram-lhe tudo errado!

Outro exemplo:

É preciso “descentralizar” a administração pública.

Raciocínio primário dos políticos portugueses: mude-se as sedes das secretarias de estado ou ministérios para as “províncias”.

Bem … isto é o resultado da iletracia, neste caso dos “eleitos” especialistas “em tudo”!

“Des - centralizar” não é fazer com que os cidadãos, em vez de virem todos a Lisboa, agora passem a ir a Faro; quando muito isso será a deslocalização de “centro”.

“Descentralizar” é repartir a capacidade de decisão administrativa para níveis mais baixos da cadeia hierárquica ou eliminar, mesmo, algumas “necessidades de decisão” actualmente existentes.

Outro exemplo:

Temos dos medicamentos mais caros da Europa.

Raciocínio, agora mais elaborado, dos políticos portugueses: introduza-se os genéricos.

Em qualquer cadeira básica de economia se aprende que o preço é fixado pela lei da oferta e da procura (é uma “lei” como a lei da gravidade; não é uma “teoria” como é a teoria newtoniana).

As empresas, sabedoras disso, associam-se, sempre que possível, para controlar essa oferta e deste modo elevar artificialmente os preços. Nos países fascistas, o próprio Estado promove essas associações e protege-as (licenciamento comercial e industrial, legislação de “acesso” limitado à actividade, etc.).

Os políticos introduziram os genéricos, mas estes operam nas mesmas condições de não concorrência em que operam os medicamentos tradicionais.

Ou seja, continua tudo, praticamente, na mesma: a protecção corporativa das empresas “farmacêuticas tradicionais” transferiu-se para as (a) empresas (empresa) de genéricos.