Tudo isso tem de ser assegurado com recursos; recursos próprios (intrínsecos a cada um) e recursos retirados ao ambiente físico e humano, envolventes.
A capacidade de cada um (que pode ser melhorada e complementada pela colectividade aonde se insere), o tempo disponível (porque “tudo” é realizado no tempo) e os meios disponíveis (ferramentas, materiais, instalações, etc.), constituem recursos essenciais à sobrevida; todos esses recursos são limitados e escassos.
Por exemplo, é essencial assegurar que os alimentos estejam disponíveis, o mais tardar, quando a fome apertar; o recurso tempo é escasso quer quanto à capacidade de colectar os alimentos como de os produzir – tudo ocorre “no tempo”.
No sentido estrito de gestão de recursos que são escassos (a capacidade, o tempo e os meios), olhar e interpretar a forma como o homem e a sociedade se organizam para levar a cabo a preservação da vida constitui uma disciplina da área da economia.
Isso não significa que a actividade humana e suas consequências se possam medir única e plenamente por parâmetros da economia, longe disso; contudo a compreensão dos mecanismos de base que fundamentam tal actividade são bastante bem interpretados segundo essa perspectiva.
De certo modo podemos afirmar que a “economia” é a “base” da vida (aliás, da vida biológica) na medida em que todos temos de comer, abrigar-nos, vestir, procriar e cuidar das crias, etc. e temos de gerir equilibradamente o nosso tempo, as nossas capacidades e os recursos disponíveis ou por nós criados (todos eles escassos, pelo menos no tempo), de modo a assegurar a sobrevivência e optimizar a nossa qualidade de vida.
Não é à toa que Marx afirmou que a economia é a base das sociedades humanas e, consequentemente, da sua História.
Como interpretação ainda mais básica (primária) da organização e funcionamento das sociedades humanas, é a relação entre os dois sexos e a “necessidade” (biológica) de preservação da espécie.
Aliás, há muitos estudos sobre o papel da sexualidade não só a nível individual como colectivo, nomeadamente como ela explica comportamentos e estrutura os nossos valores e as nossas sociedades – olhem à vossa volta (publicidade, literatura, cinema, televisão, arte, etc.) e verão como o “sexo” (as relações entre sexos) impregna os nossos comportamentos, valores, sociedades; enfim, grande parte (senão todas) as nossas criações culturais.
Na “economia da vida”, a componente remuneração (o que fica na posse de cada um, para seu próprio usufruto) assume uma dimensão muito importante, ou mesmo decisiva, porque intimamente ligada às condições de sobrevivência do indivíduo e da respectiva prole; portanto, da sobrevivência e preservação (sobrevida) das comunidades humanas.
A remuneração na “origem”
Primitivamente, a produtividade de cada indivíduo era muitíssimo baixa; isso exigia que parte significativa do tempo disponível fosse ocupada na procura de bens (incluindo, alimentos) e em tarefas com vista a assegurar a respectiva sobrevivência e a da prole (sobrevida).
Diria que algo de muito parecido nos tempos actuais seria o que ocorre com os primatas superiores, como chimpanzés, orangotangos e gorilas; estes primatas passam grande parte do seu tempo à procura de alimentos e a alimentarem-se – eles não conseguem criar excedentes.
É provável em que determinadas épocas do ano e em determinados locais, particularmente ricos em alguns recursos (caça, pesca, frutos, etc.), a Natureza proporcionasse aos humanos condições de existência mais amenas; nesses locais ou nessas alturas do ano, os humanos disporiam de tempos livres maiores (da procura ou produção de alimentos).
Numa sociedade em que praticamente todo o tempo disponível é dedicado ao trabalho necessário a assegurar a sobrevida, nomeadamente dedicado à colecta e à caça (não há tempos livres, a não ser esporadicamente), podemos afirmar que tudo o que era produzido (ou apanhado) por cada um era para si próprio e para as suas crias – nessas comunidades, praticamente, não havia excedentes (a guardar para o “amanhã”).
Apesar de tudo, mesmo nesses tempos, já deveria haver alguma especialização entre os humanos; o género (mulher ou homem), a idade (criança, jovem, adulto ou velho) e a capacidade e “estado” físico e mental de cada um, já deveriam determinar alguma especialização de tarefas no seio da família e das pequenas comunidades, então existentes.
Ou seja, é provável que já nesses tempos primeiros o trabalho, de cada um, não coincidisse com o que podia consumir, ou seja, com a remuneração.
Contudo a diferença, de então, entre trabalho realizado e remuneração (tudo o que alguém detém em seu poder e que possa ser usado plenamente por si para assegurar a sua vida ou de quem queira) deveria ser muito pequena.
Por outro lado, com a baixíssima produtividade existente, a comunidade não se conseguiria preservar se uma parte dela absorvesse parte desproporcionada do trabalho dos outros; se houve comunidades humanas que o fizeram, pereceram e não terão chegado aos nossos dias.
Nesses tempos, a própria escravatura não tinha razão de ser; o escravo dificilmente poderia assegurar excedentes para serem usufruídos por terceiros – nesses tempos, praticamente tudo o que é capaz de ser produzido (ou colectado) só permite assegurar a sobrevivência de quem o faz.