segunda-feira, novembro 14, 2005

Os novos párias

No Público de 11 de Novembro, Esther Mucznik, faz uma breve reflexão sobre os motins em França, associando as suas motivações ao modelo societário francês.

Merece atenção o que Esther Mucznik nos diz nesse breve artigo.

Pascal Perrineau, salienta Esther Mucznik, já afirmava que a França “é o país da Europa mais centralizado, onde a cidadão se encontra sozinho face ao Estado, a quem exige tudo e a quem culpa de tudo: a Revolução Francesa, a comuna de Paris, a separação do Estrado da Igreja em 1905, o movimento de Maio de 68, todos estes movimentos políticos assumiram, em França, um carácter revolucionário, violento, igualitarista e antiliberal”.

Os recentes motins “reflectem não tanto o colapso do sistema francês de integração dos imigrantes, mas muito mais a crise do modelo económico e social europeu que em França assume características extremas”.

“Assim, é de prever que a onda de violência que varre a França permaneça em estado latente, como aliás tem estado há várias décadas, até porque, particularmente neste país, algumas convicções solidamente estabelecidas contribuem para o impasse: o igualitarismo acima das liberdades individuais, a democracia entendida sobretudo como a imposição da vontade da maioria, o menosprezo da propriedade privada, uma certa condenação hipócrita da riqueza e em consequência a vitimação da pobreza, a detestação das forças da ordem, à partida consideradas como inimigos e repressivas, tudo isso acompanhado de uma rígida estratificação social, é causa de imobilismo e bloqueio”.

Esther Mucznik não “vê o Sol andar à volta da Terra” (“justificação” pela, aparente, “causa próxima” - típica do raciocínio primário) como parece acontecer com grande parte dos “peritos” e comentadores que vem a público tentar explicar esses motins.

Como Esther Mucznik penso que a causa dos motins não está na forma de integração dos imigrantes mas sim nas consequências que derivam do modelo político e social francês.

Contudo, mais adiante, Esther Mucznik considera que os “únicos países capazes de integrar plenamente imigrantes e minorias étnicas e religiosas, são os que, como a América ou Israel, têm eles próprios uma origem imigrante e cuja vocação é a abertura e o respeito pela diversidade de culturas”.

Não concordo que só os países de imigração possam integrar plenamente os imigrantes, embora admita que países de imigração com populações autóctones diminutas (por motivos vários) proporcionem uma integração mais fácil (no fundo, “todos” são imigrantes) – mas, esse não é, propriamente, o caso de Israel e tenho dúvidas da capacidade de integração “plena” das “minorias” neste país (admito que conheço muito pouco de Israel e do seu sistema politico e social)!

O que concordo com Esther Mucznik é que sociedades liberais, isto é, sociedades “centradas nos cidadãos” (ou seja, estruturadas no exercício, pleno e generalizado, de uma cidadania independente do Estado) têm mais capacidade de integrar imigrantes (porque “olhados”, afinal, como “mais” alguns cidadãos e não como estrangeiros) do que nos países em que os próprios cidadãos e as suas iniciativas “independentes” são olhadas com desconfiança pelos respectivos Estado.

Por isso, por exemplo, é tão frequente ver-se no Governo dos EUA ou nas altas Chefias das suas Forças Armadas, americanos não nascidos nos EUA, ou seja, “recém chegados” ; segundo os padrões europeus nunca teriam essas oportunidades por mais competentes que fossem.

De facto, as sociedades “centradas na cidadania” não têm necessidade de integrar imigrantes; estes sentem-se imediatamente integrados face à forma como estas sociedades os vêem e como lhes é facilitada a vida – bem …, de facto quem vai para esses países vai à procura da “oportunidade de fazer …” e esta é-lhes colocada nas suas próprias mãos.

Aliás, parece-me que muitas das elites intelectuais das sociedades “centradas no Estado” dificilmente conseguem entender (compreender) o funcionamento das Sociedades “centrados nos cidadãos”.

Nestas sociedades, o País são os cidadãos (a Nação) e não o respectivo Estado; os cidadãos controlam efectivamente o Estado (e os políticos) e este serve-os; os cidadãos são olhados como a força motriz determinante do desenvolvimento económico, social e cultural do respectivo País; os cidadãos têm capacidade de intervenção socialmente significativa mesmo com pequena riqueza pessoal e baixo estatuto social e o Estado não só facilita como favorece e promove essa intervenção – o self made man é o herói nacional; a dimensão do Estado deve ser o mínimo necessário ao exercício do papel que lhe está acometido e o próprio Estado se preocupa por sobrecarregar o menos possível os cidadãos.

Nestas sociedades, o “mercado” não é apenas “espaço” de transacção de bens e serviços mas é, essencialmente, espaço de encontro do exercício da cidadania independente dos cidadãos e como tal indutor de confronto e transparência cultural, social e económica, de promoção ao desenvolvimento e à inovação e, mesmo, de gestão de conflitos.

Nestas sociedades, a solidariedade social é um dever de todos os cidadãos e não só do Estado; daí a enorme actividade de mecenato existente nesses países e o importante e significativo papel social que a sociedade e os lideres empresariais reconhecem à actividade das empresas e demais instituições privadas.

Nestas sociedades, os cidadãos são “cidadãos respeitados”, nomeadamente sendo-lhes reconhecida capacidade para gerir as suas próprias vidas, capacidade para promoverem o desenvolvimento e o bem comum e para (auto -) governarem a Nação – Sistema, verdadeiramente, Democrático.

Como diz José Manuel Fernandes, no Público, a democracia é o governo dos homens comuns com as virtudes e defeitos dos homens comuns e não dos “iluminados” ou das “vanguardas”, ou seja, a Democracia é o governo centrado na Nação.

De facto, as sociedades “centradas no Estado” são sociedades elitistas e, apesar do “igualitarismo” que algumas defendem, a sua aplicação é muito mais eficaz na “igualização” (e sempre “por baixo”) das não - elites ; as elites não aceitam essa “igualização por baixo”, pelo que os escapes legais das elites à “igualização” são múltiplos e assegurados pelo próprio Estado (o direito de usufruto do bem público é um desses privilégios). Essas sociedades têm a tendência à criação de uma poderosa Nomenclatura pública e privada.

A Europa, na generalidade, acha que a Democracia continua a ser o governo centrado no Estado, apenas mudando a forma como este é “ocupado”; bem …, a democracia europeia (diga-se as da Europa Continental) é muitíssimo recente (pós segunda guerra mundial) e acabou por ser uma importação (dos países anglo-saxónicos) “formatada” na sua velha tradição de Estado: centralizador e autocrático. Ainda temos muito que aprender em termos de Democracia; oxalá o consigamos e que não o seja em condições demasiado dolorosas!

As sociedades cujos governos estão centrados na Nação integram com naturalidade e sem dificuldade os imigrantes, porque essa integração emerge do seu conceito de sociedade e, como tal, do papel que está acometido a todo o cidadão nessa sociedade, seja ele ou não recém-chegado.

As sociedades cujo governo é centrado no Estado desenvolvem (consciente ou inconscientemente) uma relação societária estruturada entre “elites que governam” (o Estado) e súbditos; os imigrantes são entidades estranhas ao sistema e são encarados pela sua utilidade conjuntural – se é investimento estrangeiro, é sempre bem-vindo; se é para “trabalhar”, depende!

Em qualquer dos casos, têm tratamento diferenciado dos “nacionais” e mesmo quando “integrados” e nacionalizados, continuam a ser olhados como “estranhos” e, como tal, diferenciados no acesso à “capacidade de fazer” e de usufruir da riqueza nacional (o Estado é o Grande Patrão) – aliás, dizendo-se “igualitaristas”, estas sociedades são fortemente estratificadas, imobilizadoras e geradoras de desigualdades significativas, induzidas pela própria acção dos respectivos Estados.

As sociedades centralizadas no Estado estão constantemente a dizer “aos imigrantes” como aos seus cidadãos: esperem - “nós fazemos”, “nós arranjamos emprego”, “nós integramos”, “nós etc.”; evidentemente, quando não fazem nem deixam fazer encurralam as pessoas e estas, mais cedo ou mais tarde, têm de explodir – é uma questão de esperar.

Os imigrantes serão porventura os primeiros porque mais desprotegidos e a revolta destes, um eventual “desvio de atenção” conveniente ao “defensores do sistema”, mas (esperem) os cidadãos “nacionais” irão seguir-lhes os passos - hoje, a globalização não pára, não permite “fechar” os países e os seus efeitos continuarão a “corroer” as sociedades ineficazes!

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