quarta-feira, novembro 02, 2005

Transformaram-nos, a todos, em “fora-da-lei”

O Estado português criou um sistema de impostos que transformou todos os portugueses em criminosos fiscais; quem não contratou um serviço sem IVA? Quem não teve um ou uma empregada, durante pouco tempo que fosse, sem declaração à Segurança Social? Quem não integrou despesas pessoais como despesas de alguma empresa? Etc.

O peso dos impostos é tão grande e significativo na qualidade de vida dos portugueses que a “gestão”, familiar ou empresarial, ganha mais a estudar o “como fugir aos impostos” do que a estudar o “como ganhar mais”.

Mas a questão que aqui quero salientar é o aspecto e as consequências éticas desse comportamento; quando uma sociedade inteira é “empurrada” (pelo peso dos impostos, como estes são utilizados e pela impunidade de quem os utiliza) para posturas que são legalmente criminosas, essa sociedade perde referências (valores) essenciais de “vida em sociedade”.

As sociedades humanas são sistemas complexos adaptativos; as pessoas têm de sobreviver e não são papalvos, pelo menos durante muito tempo, pelo que rapidamente se adaptam às situações que se lhes impõem.

Se a sobrevivência da sociedade se realiza por comportamentos fora-da-lei, não duvidemos que é isso que ocorre – e, não duvidemos, que esse comportamento não só envolverá os cidadãos da sociedade civil como envolverá o próprio Estado e os que aí se acantonam (políticos e funcionários públicos).

Isso ocorreu nas sociedades comunistas (para referir um “sociedade moderna”); nessas sociedades “tudo” era para a respectiva “sociedade”, representada “no” Estado – em massa, os cidadãos foram empurrados para o “esquema”, desde o pequeno roubo ou “negócio” (aí ilegalizado) até à habilidade de ascender aos cargos que permitiam o usufruto do bem público em favor pessoal.

Os valores morais “antigos” deixaram de poder assegurar a sobrevivência e a vida em comum em tal sociedade, tiveram de ser substituídos por valores “pragmáticos” ajustados ao sistema existente; o resultado está à vista de todos: desmantelado o sistema comunista, faz-se hoje abertamente o que já antes se fazia, ou seja, políticos, funcionários e cidadãos em geral actuam com a maior das facilidades à margem da lei - é o resultado da "nova" ética, interiorizada durante o comunismo.

As consequências de tal comportamento são terríveis, pois a respectiva sociedade interioriza esses comportamentos (e esses novos “valores”) e torna-se difícil ou mesmo impossível “corrigir”, no futuro, tais “valores”; a forte capacidade de adaptação dos sistemas humanos não só gera rapidamente sistemas adaptados às novas condições, neste caso à corrupção e à criminalidade (fiscal, por exemplo) como também os sistemas assim gerados tudo fazem para se continuarem a auto-reproduzir (dentro da corrupção e da criminalidade em que se estruturaram).

Por isso, há quem considere que a diminuição dos impostos em Portugal não iria diminuir a fuga aos impostos; porque, há muitos anos são “empurrados” pelo Estado, os cidadãos portugueses “habituaram-se” a ser criminosos fiscais e, culturalmente (o hábito faz o monge) deixaram de considerar tal prática uma crime.

Penso que é verdade …
Contudo é por aí que passa a reposição de um valor essencial a qualquer sociedade moderna (e à cidadania): a honestidade; a “legalidade” deve estar intimamente co-relacionada com os valores morais da sociedade e deve "favorecê-los" - nomeadamente é essencial que haja unicidade entre o conceito social de honestidade e do que é legal.

Quando um Governo considera uma "vitória" perdoar dívidas fiscais a quem não paga os impostos desde que estes lhe paguem “alguma coisa”, mostra bem a (pouca) “moral” detida por tal Estado e o tipo de “ética” (nova) que induz nos cidadãos portugueses – de facto, tal atitude só reafirma aos cidadãos portugueses o que já sabiam do seu Estado e da sua “moral”; numa sociedade democrática, na qual a cidadania deve poder-se exercer com alguma liberdade, é muito perigoso esta clara dicotomia entre “ética” e “legalidade”.

Enquanto os políticos portugueses (e os portugueses em geral) não entenderem que é essencial repor a “honestidade” e a correspondente “legalidade” como valor essencial à sobrevivência do País, ou seja, como essencial à sobrevivência desta comunidade humana, enquanto “comunidade”, não só não sairemos da actual crise como colocamos em causa a nossa continuidade como Nação.

Inclusive o sentimento, generalizado, de forte descrédito para com o Estado (que é encarado como “não - pessoa de bem”) e o forte sentimento a favor da pró-ilegalidade (fiscal ou da pequena ilegalidade), existente nos portugueses e, até, na actuação concreta do Estado, podem conduzir Portugal, sem disso se aperceber, para um “eldorado” da criminalidade internacional moderna (e sofisticada, nomeadamente na lavagem de dinheiro, pedofilia, droga, tráfego de órgãos, etc.), com o apoio e envolvimento (inconsciente!) do próprio poder público – já tem havido alertas, na comunicação social, para esse risco por pessoas que têm informação rigorosa.

O arrastamento (forçado) do cidadão português para a criminalidade fiscal e para a corrupção, tornando esse tipo de envolvimento generalizado a todos os portugueses e destruindo valores éticos essenciais à vida em sociedade, criou não só uma forte permissividade à ilegalidade em Portugal como está a abrir uma “caixa de pandora” de consequenciais imprevisíveis, mas necessariamente muito perigosas.

Relativamente à África, estou convicto que dificilmente sem a intervenção da Igreja será possível repor os valores humanos de referência que, entretanto, foram generalizadamente destruídos sob a “pata” das guerras fratricidas que aí têm decorrido e dos seus governos, marcadamente corruptos; sem esses “valores”, essenciais à vida em “comunidades” humanas, não será possível corrigir a situação aí existente e, muito menos, esperar que aí ocorra alguma “modernidade” e “desenvolvimento”, sustentados.

Relativamente a Portugal a situação está longe de ser tão grave como a que ocorre em parte significativa da África (perda generalizada de “valores”) e a nossa “tradição” está fortemente marcada na nossa psico e cultura social (aliás, para o bem e para o mal); contudo estamos num caminho muitíssimo perigoso - caminho no qual o “criminoso” é olhado pela população portuguesa como o “desgraçadinho caído nas garras da justiça”, nas garras de uma justiça em quem se não confia, nas garras de um Estado que não é pessoa de bem e, acima de tudo, num país aonde “todos” sabemos que somos “todos”, mais ou menos, criminosos (criminosos fiscais) - embora não só, não nos consideremos como tal, como tenhamos “justificação moral” (e de sobra!) para isso.

Essa situação criou, em Portugal, uma grave promiscuidade na valorização moral entre diferentes tipos de “delitos” e, porque se está no âmbito da “moral”, não é difícil chegar-se ao ponto em quase tudo é desculpável – o ar de “não - envergonhado”, e até altaneiro, de quem já foi julgado como criminoso mostra bem aonde os nossos “valores” já chegaram.

Não nos admiremos pois que “este” povo português eleja pessoas a contas com “essa” justiça (também, moral) portuguesa!

Se há algum culpado nisto é sem dúvida o Estado Português que lançou todos os portugueses para um “atoleiro legal” ao obrigar os portugueses à ilegalidade fiscal generalizada e ao gerir a "fiscalidade" e os bens daí provenientes da forma como o faz.

As consequências de tal situação são semelhantes às produzidas nos EUA com a lei anti – álcool; ainda, hoje, há quem diga que a polícia de Nova York sofre os efeitos da corrupção que então aí se instalou!

É preciso urgentemente repor valores de honestidade na sociedade portuguesa, é urgente assegurar a unicidade entre ética e legalidade.

Não será possível repor valores de honestidade e assegurar a unicidade (correlação) entre ética e legalidade na sociedade portuguesa senão através da prévia diminuição dos impostos para níveis suportáveis e através de uma gestão transparente do erário público (constituído pelos impostos); os contribuintes líquidos dos impostos têm de saber para quê e como o seu dinheiro é gasto pelo Estado Português.


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