segunda-feira, novembro 15, 2004

Quando a Solidariedade se torna Autófago da Democracia: Parte três - Solidariedade dês estruturante

A redistribuição do conteúdo da “manjedoura” alimentada pelos Impostos (em espécie, trabalho ou dinheiro) constituiu objectivo central para a tomada do Poder e constitui, ainda hoje, uma importante fonte de subsistência e poder das elites.
Nas sociedades democráticas a legitimidade dos impostos é-lhe conferida pela governação ao serviço de todos os cidadãos, nomeadamente pela solidariedade alargada à Nação, que deve ser promovida.
A solidariedade, que representa um alargamento da primária solidariedade Familiar a colectivos amplos como a Nação ou mesmo o planeta, não pode evitar contudo a competição (inter grupos), inclusive no sentido da colheita de uma maior fatia nessa redistribuição. Aliás nem é mesmo desejável que a solidariedade alargada anule a competição inter grupos (se é que de algum modo isso fosse possível!).
No entanto o desenvolvimento dessa solidariedade tem os seus perigos, nomeadamente se não for assegurado um adequado equilíbrio de interesses.

Ora a única maneira, relativamente estável, disso ser assegurado é um equilíbrio de poderes: dentro do próprio Estado e entre este a sociedade civil.
A limitação do poder dos reis e a institucionalizado da República, com o respectivo equilíbrio de poder entre executivo, legislativo e judicial, foram sem dúvida passos determinantes nesse caminho: no aumento do poder da sociedade civil face ao Estado.
Ora isso exige, pelo menos, uma classe média rica, independente do Estado e capaz de se fazer ouvir.

Ora o que se pode passar é que a Solidariedade pode estender-se de tal modo que o custo em impostos pese excessivamente ao cidadão e consequentemente este deixe de poder manter a força e independência necessária para contra balançar o Estado. E o Estado passa a estar omnipresente na vida da Nação e dos cidadãos.

Outro aspecto é que o alargamento da Solidariedade e a correspondente justificação para uma cada vez maior intervenção sobre a sociedade conduz impreterivelmente à elevação de impostos e à crescente ineficácia do Estado.
Quantos euros são precisos injectar no Estado para se receber um euro da dita “solidariedade”?
Qual a eficiência do investimento do Estado face à média alcançada por correspondente investimento privado? E quando é que este investimento não passa a ser uma forma encoberta de redistribuição da riqueza nacional?

Também os efeitos no comportamento social dos cidadãos conduzem frequentemente à desresponsabilização e desincentivo à sua própria iniciativa.
O Estado passa a ter de “resolver tudo”, é destruído o espírito de iniciativa dos cidadãos inclusive de solidariedade para com o próximo (é tudo responsabilidade do Estado, e de facto este fica-lhe com “todo” o dinheiro!), o bom negócio passa a ser obter colocação como funcionário público, politico, etc. ou é ser subvencionado ou cliente do Estado (de facto, o grande patrão), etc.

A concentração de elevados meios financeiros nas mãos do Estado versus uma sociedade civil pobre ou incapaz de contra poder aumenta a possibilidade de corrupção e o apetite de domínio e partilha do Poder entre alguns (os iguais).

Muitos dos cidadãos mais competentes, com espírito de iniciativa e desejo de independência (e de não se deixarem espoliar) abandonam o País.

Se a isso se acrescentar um Estado aonde os poderes executivo, judicial e legislativo não se conseguem contra balançar, estar-se-á a um passo da “Democracia” se transformar em Demagogia.

O desejo de igualdade que conduziu à Democracia e correspondente alargamento da solidariedade induz a desigualdade. De facto com consequências muitíssimo semelhantes ao que se passou nos países do Leste Europeu, sob o comunismo.

Ou seja a solidariedade alargada pode tornar-se autófago da Democracia.
O contínuo alargamento da igualdade (inter grupo) começa a retroceder assim como a solidariedade efectiva e a competição (entre grupos) concentra-se no domínio do Estado e no acesso às suas benesses. A própria competição, que deveria ser positiva à sociedade, passa a ser negativa.
Em nome da solidariedade pode pois diminuir-se seriamente o contra poder dos cidadãos (os outros) e induzir (mesmo que inconscientemente) o direito (legalizado) à exploração (encoberta) pelas elites detentoras do poder do Estado.

No entanto concluir que é bom para todos, cidadãos e elites, que os cidadãos devem ter poder para contra balançar o Estado não é uma verdade com interesse para muitos. E muito menos que esse poder só existe se parte significativa da riqueza nacional ficar nas mãos de quem a cria (dos cidadãos e respectivas associações) e não do Estado (e das elites que o controlam).

Ou seja, mesmo havendo consciência da importância em limitar seriamente o poder do Estado face ao cidadão, é muito difícil fazê-lo porque é dominante a tradição do “predador – paizinho” e do “espoliado – filho” (a chave e a fechadura que se auto construíram, uma à outra).
Apesar das Igrejas Cristãs terem tido um papel central no alargamento da solidariedade humana, a Igreja Católica (de certo modo em oposição às igrejas protestantes) tem sido bastante favorável ao conceito de cidadão “coitadinho” ou seja à preservação da relação “pai – filho” que encobre, infelizmente, muitas vezes uma relação “predador - espoliado”.

De facto só a sociedade americana tem a tradição (muito curta, aliás) de que ninguém tem de ser pai ou filho. Todos os cidadãos têm de tomar conta de si como adultos e iguais que são.
E por isso também, o poder do Estado tem de ser limitado. O sistema de contra poderes existente nos EUA visa esse objectivo e a Democracia aberta, iliberal, foi vista como “tendente” à Demagogia pelos “fundadores” do Estado americano.

1 comentário:

Anónimo disse...

Estes textos estao muito bons!
Continue a escrever e a desenvolver esta teoria!
David