Até aqui procurei centrar-me, em grandes traços, na evolução histórica do conceito de cidadania e do seu exercício (ou não exercício), mais ou menos alargado às respectivas sociedades.
Para tal tive de “simplificar” e “uniformizar “ realidades históricas que são muitíssimo mais complexas e diferenciáveis, aonde inclusive, os agentes dinâmicos da transformação social são múltiplos e sobre - determinam-se (interactuando activamente uns sobre os outros), eventualmente até operando de forma contraditória.
A escolha da cidadania como fio condutor desta reflexão não foi, contudo, por se tratar de apenas mais uma componente da Democracia ou de mais um dos agentes dinamizadores do social.
A cidadania e o seu exercício (ou não exercício), não só constitui o pilar essencial da Democracia, como constituiu (e continua a constituir) um dos pilares em que se baseou e se estruturou a evolução das sociedades humanas no seu caminho para a Civilização, ou seja, para a sua crescente complexificação (especialização e inter dependência, culturais).
Ou seja, o meu debruçar sobre a cidadania, em si, e seu exercício (ou não exercício) não exclui a reflexão sobre os, múltiplos, outros aspectos do funcionamento das organizações humanas nem os pretende minorar.
Continuando pois.
Como vimos, as condições iniciais e os percursos seguidos nos vários países para se chegar ao que denominam de democracia e de cidadania, não são os mesmos.
Seria pois invulgar que se estivesse a falar da mesma democracia e da mesma cidadania em todos esses países, uma vez que, sendo as sociedades humanas sistemas complexos adaptativos, as condições iniciais (história e cultura) e o percurso seguido desenvolvem, necessariamente, simbioses societárias especificas a cada país.
Para além das diferenças relativas ao exercício da cidadania alargada (associada à capacidade efectiva de iniciativa socialmente significativa, independente do estado), há aspectos do exercício da cidadania que são, esses sim, considerados mais comuns a todos os países “ditos” democráticos.
Na generalidade dos países democráticos desenvolvidos, o conceito de cidadão está associado não só à participação de cada um no poder de estado através dos seus directos representantes (portanto, livremente eleitos) como também ao direito a ser-se adulto (capacidade de responder integralmente por si) e ser-se igual aos demais em direitos e deveres, nomeadamente perante a Lei.
Também, na generalidade dos países democráticos, há valores razoavelmente bem implementados, pelo menos formalmente, como as liberdades de expressão, de associação, etc.
Contudo, olhando mais detidamente os sistemas políticos e o respectivo exercício (ou não exercício) da cidadania, mesmo naquilo que deveria de ser comum entre eles, facilmente se apercebe que há sistemas que induzem cidadanias verdadeiramente menores que outros.
Vamos pois tentar aprofundar mais sobre alguns desses aspectos relativos à cidadania, agora, mais no quadro do seu exercício (ou não exercício).
Apesar das maiores ou menores diferenças, as sociedades democráticas pretendem ser (pelo menos formalmente) sociedades de cidadãos; cidadãos esses que constituem a essência (o centro) dessas sociedades e que, como tal, sejam o factor de desenvolvimento de si próprios e da sociedade aonde estão integrados.
Pretende-se pois que os cidadãos (e a sociedade civil que criam) sejam os agentes activos e que não seja, apenas, o estado a sê-lo. Mesmo quando a iniciativa é do estado, deve sê-la como representando a vontade soberana dos cidadãos.
As próprias elites governantes só o são (como elites politicas e governantes), enquanto representantes dos cidadãos e enquanto estes as acharem capazes para as manter nos lugares para que foram eleitas ou designadas. O predomínio (centralismo) do estado deve pois ceder de algum modo à cidadania, e o controlo e a criação de contra poderes limitativos do “abuso” daquele, assume importância relevante nas democracias maduras.
Mas o cidadão, agente activo primordial da sociedade, só o poderá ser, efectivamente, se tiver capacidade real de assumir esse papel. E isso só ocorre se tiver não só os necessários direitos, inclusive de liberdade e de participação social, mas também os meios de os exercer.
Ora o direito à cidadania começa, desde logo, pela necessidade de pôr fim à causa primeira (enquanto histórica) que a coarctou (a cidadania), ou seja, o direito a não ser explorado e espoliado pelo estado (pelas elites que o controlam).
Independentemente de quaisquer questões éticas, hoje, as sociedades humanas têm instrumentos de evolução societária que não só, já não necessitam de se socorrer dessa (tradicional) exploração como, inclusive, a tornam, agora, nefasta à eficácia do seu desenvolvimento.
A contribuição do cidadão para o estado deve, pois, resultar do próprio exercício da cidadania, ou seja, da capacidade efectiva de participar na escolha de quem define e aprova as leis, na escolha de quem as executa e deve, também, deter os necessários meios para assegurar a respectiva fiscalização e controlo e, a capacidade de sancionar devidamente os desvios que ocorram.
Deste modo, se o carácter e qualidade parlamentar e executiva são essenciais à democracia não é menos importante o sistema judicial e demais instituições de fiscalização, controlo e responsabilização.
Em muitas situações de “democracia”, estes direitos podem não existir de facto, na medida em que a espoliação do cidadão pode, efectivamente, continuar a existir sob outras “roupagens”. Assim sendo, a capacidade do cidadão agir sobre a sociedade, pode ser severamente punida, inclusive pela falta de liberdade e independência provocada pelo seu “empobrecimento forçado”.
Não há liberdade nem possibilidade de exercer a cidadania, se a riqueza criada por cada um, for maioritariamente parar às mãos de um estado que não se tem capacidade de controlar e de se responsabilizar, mesmo se esse estado for, formalmente, eleito pelos cidadãos.
O risco (consciente ou inconsciente) mais imediato à cidadania, para as velhas e novas Nações, continua a ser, sem dúvida, as novas roupagens que a forte “tradição” de espoliação pode assumir.
As democracias não estão incólumes a isso, embora admita que o sejam menos que as não - democracias.
Grande parte das recentes democracias de África, América Latina e Ásia e até, de algumas, na Europa são, infelizmente, um bom exemplo disso.
Contudo, entre essas “democracias” e as democracias – referência, há muitas outras democracias em que não é tão evidente o que aí ocorre. Por exemplo: Portugal.
Como dissemos, não estamos, de facto, perante uma Democracia quando a maior parte da riqueza produzida pela sociedade civil (os cidadãos) flúi para os cofres do estado de tal modo que os cidadãos são mantidos num nível perto da pobreza por força dos elevadíssimos impostos que têm de pagar e quando o estado não é participado, controlado (e responsabilizado), efectivamente, pelos cidadãos (inclusive relativamente à forma como decide redistribuir a riqueza nacional, aí concentrada).
Os impostos ascendem, em Portugal, a cerca de 70% do rendimento médio do cidadão – pagador de impostos, ao longo de toda a sua vida.
Se este valor já é elevadíssimo, ele torna-se uma enormidade porque se trata de um país de rendimentos reais médios baixos, aonde cerca de 20% da população ainda vive abaixo do limiar da pobreza.
Essa taxa de extracção da riqueza nacional torna-se, mesmo, “indecorosa” quando as suas elites políticas e funcionários públicos superiores auferem salários e benesses das mais altas da Europa (e, ainda, acham que ganham pouco e é desmotivante ser “servidor” do estado!).
Em virtude dos mecanismos de controlo existentes (ou falta deles), a sociedade civil portuguesa não consegue assegurar um controlo efectivo sobre as leis aprovadas e sua execução, nomeadamente não controla a fixação dessas elevadíssimas taxas de extracção da riqueza criada pelos cidadãos (impostos) e muito menos a forma de redistribuição da riqueza nacional concentrada, por este processo, nas mãos do estado.
As causas são múltiplas. A excessiva centralização governativa e administrativa, associada a um sistema judicial ineficaz e, até, certo ponto, dependente do executivo, poderão, genericamente, sintetizá-los.
Os membros do parlamento dependem mais do respectivo partido e do respectivo Chefe do que dos cidadãos que, apesar de os elegerem, não têm de responder perante si (aliás, nem os conhecem!).
De facto, os deputados dependem directamente do seu Chefe, que os escolhe e coloca em lugares elegíveis nas listas eleitorais. Se a isso se acrescentar o direito “à disciplina de voto” que obriga os parlamentares a votar no que o seu Chefe indicar, então temos formado o quadro da sua total dependência a este.
Como é natural, neste quadro, o executivo não é controlado por ninguém pois o parlamento, que tem esse papel, não o consegue assumir. Por exemplo, as comissões de inquérito parlamentares nunca, na história da “democracia” portuguesa, assumiram conclusões contra o executivo.
Os Tribunais só excepcionalmente são chamados a colocar “tento” no executivo (quando o podem!). O que não se passa, por exemplo, com o Tribunal de Contas, numa matéria de suma importância para a cidadania: o uso, correctamente legal, do seu dinheiro (já não se fala de como se define a sua redistribuição e a que interesses serve).
Teoricamente, a Soberania (centrada no executivo) só é controlada pelos cidadãos na medida que podem ou não reconduzir o partido no poder, a cada quatro anos.
Evidentemente que este controlo é necessariamente débil e quando os “membros” dos partidos maioritários se unem ou acordam entre si em interesses comuns, acabou o (pouco) controlo dos cidadãos.
Como muitos gostam de apregoar, a alternância de poder, em si, não é Democracia como também não o é o direito ao protesto e à indignação, se com isso não se puder efectivamente mudar o estado das “coisas”, nomeadamente de quem exerce efectivamente a Soberania e se não se puder responsabilizá-los.
Ou seja, em Portugal, o parlamento e o executivo são extensões do mesmo poder: o chefe do partido que ganhou as eleições.
Não são extensões do mesmo poder enquanto doutrina, conceitos, princípios e programas (que aliás os portugueses não conhecem nem os chefes políticos se dignam publicitar, se os têm!). São extensões do mesmo poder enquanto pessoa, chefe do partido.
Em conclusão, o parlamento e o executivo não são órgãos de poder distintos, enquanto com papéis que podem, efectivamente, assumir de forma independente um do outro e responder, por quem os elege, de forma directa e independente um do outro.
Essa é, pois, mais uma das “componentes” que em nada contribui para o exercício da cidadania em Portugal.
O Presidente da República, embora eleito directamente pelos cidadãos, apenas tem um papel “presencial”, um pouco à semelhança dos monarcas, nas monarquias constitucionais.
Um papel, que na sua concepção constitucional, poderia, com certeza, ser assumido por um Tribunal Supremo, inclusive de forma, pelo menos, tão competente e tão eficaz (e mais barata para o erário público).
O sistema judicial é outra componente. O sistema judicial português não é transparente e é profundamente ineficaz. Dele não direi mais do que o quanto fica “aterrorizado” qualquer cidadão português com o que os seus próprios representantes (da justiça) dizem e escrevem a seu respeito.
Não penso que a questão esteja em melhorar o sistema existente, já com o maior número de juízes per capita da Europa e o maior número de processos por julgar (numa sociedade que se diz a mais pacífica da Europa!). É essencial pensar um novo sistema.
O poder autárquico é outra componente.
O seu papel é essencial para o fomento à cidadania e seu exercício (ou não exercício) e, não só, por estar mais perto do cidadão, mas porque a descentralização administrativa é, frequentemente, mais significativa e importante para o exercício da cidadania que uma maior ou menor centralização governativa.
Contudo não é o que se passa em Portugal. O poder autárquico exerce-se por normas que o torna intrinsecamente incontrolável e, praticamente, irresponsável perante tudo e todos.
Por exemplo, e é só mesmo um pequeno exemplo, é constrangedor ler, ouvir (e ver), através de todos os órgãos de comunicação social e durante anos a fio, sobre os “horrores” que o poder autárquico pratica com a urbanização das cidades e vilas, mas ninguém consegue por cobro a isso!
De que cidadania e de que “democracia” se está pois a falar, como existente em Portugal?
Mas, independentemente deste sistema político, de facto, o que se passa é que o cidadão português, não tem, em si, poder para mudar nada (eventualmente terá algum poder para imigrar!).
Mas que poder e independência pode ter uma cidadão (e a sociedade civil) a quem lhe é extraída a maior parte da riqueza que cria?
Qual o exercício de cidadania que se pode praticar no País, quando se entrega a este estado 70% da riqueza criada pelos cidadãos e estes são empurrados, por força disso, para uma pobreza forçada e para uma crescente incapacidade (efectiva) de intervenção social (para já não falar da sua quase total incapacidade para assumir iniciativas sociais significativas)?
O cidadão (e a sociedade civil), ao ser mantido numa pobreza relativa por força dos impostos (e não pelo seu rendimento real), é forçosamente conduzido, directa ou indirectamente, à subsídio - dependência do estado.
Mas o cidadão não fica só refém da subsídio - dependência. A essa subsidio - dependência junta-se a forte dependência ao poder discricionário do estado quer devido à excessiva centralização governativa como à excessiva centralização administrativa. Essa dependência ao excessivo poder discricionário do estado é agravada pela pobreza do cidadão (e da sociedade civil) e pela consequente incapacidade de recurso, frequentemente contornada com uma atitude de ainda maior subserviência àqueles poderes ou pela corrupção.
[E por favor, não se tome os cidadãos portugueses por imbecis, porque descentralização, governativa e administrativa, não se faz distribuindo ministérios e secretarias de estado pelo país.]
O cidadão e a correspondente sociedade civil não têm outro caminho que a subsídio dependência absoluta (ou a imigração).
Não se trata, pois, de subsidio dependência em sentido estrito do termo, mas no seu sentido lato. O estado e o poder autárquico não são só os grandes empregadores, compradores e distribuidores de subsídios de todo o tipo. A forte centralização governativa e administrativa e a correspondente falta de controlo e responsabilização dos seus actos, transforma as “autoridades” em autênticos (pequenos e grandes) ditadores devido ao seu fortíssimo poder discricionário, nem contra - balançado para se evitar que caíam no “abuso” e no arbítrio.
Não é pois surpresa que os cidadãos e a sociedade civil (inclusive as actividades empresarias “privadas”) deixem de poder ter independência e como tal deixem de poder tomar iniciativa livre, independente e significativa para o exercício da cidadania. “Todos” têm de esperar a intervenção do estado para resolver “tudo”.
Também uma das consequências mais dramáticas do empobrecimento (pobreza provocada) dos cidadãos pelos impostos é a sua capacidade, forçadamente limitada, de recurso, nomeadamente ao sistema judicial.
Se, aos “sem rendimentos”, o estado assegura apoio jurídico gratuito, a larga maioria da população tem de o pagar. Como essa população é empobrecida não lhe sobram rendimentos suficientes para pagar a advogados e demais custas judiciais e, muito menos, se os processos se arrastam por longos anos sem julgamento. Ou seja, a maior parte da população não pode, de facto, ter acesso ao sistema judicial para se defender; independentemente da sua eficácia, o que constitui uma outra questão.
O por si só, “pensar-se” que se vive em Democracia e que se é Cidadão, já constitui uma óptima roupagem para o encobrimento de eventual exploração e espoliação dos cidadãos. Por isso muitos ditadores já se dão ao trabalho de promover “eleições” e deste modo legitimar o seu poder e outras coisas….
Mas a justificação mais presente (e aceite) para a prática de elevados impostos e consequente concentração de grande parte da riqueza nacional, de origem autóctone, nas mãos do estado é a solidariedade social que o estado deve assegurar aos cidadãos.
Ou seja, conscientemente, o cidadão aceita abdicar de parte da sua liberdade e independência em nome não só de uma segurança pessoal colectivamente assegurada como também em nome da inter ajuda societária entre os seus membros.
Mas, pelo menos no caso português, essa solidariedade social está a ter um custo elevadíssimo e não só financeiro (porque está a corroer grande parte da riqueza nacional em aplicações com índices elevadíssimos de ineficácia) mas também está a bloquear, ou mesmo impedir, o exercício da cidadania, como vimos acima.
Contudo, porque não questionar sobre a solidariedade social e o papel do estado e dos cidadãos, como justificativos das elevadíssimas taxas de extracção da riqueza nacional das mãos de quem a cria?
Será que os cidadãos (e a sociedade civil) não são capazes de desenvolver e estruturar formas de solidariedade social independentes e tão eficazes como o estado?
Será que o cidadão é mais egoísta e menos competente a fazer solidariedade social que o estado?
Será que o cidadão é menos pessoa de “bem” que o estado?
Será que a qualidade média de vida dos países anglo-saxónicos é significativamente inferior à de Portugal?
[Aliás, os Países Europeus do Continente, que se orgulham tanto da sua ampla solidariedade social (incomparavelmente mais estruturante e eficaz que em Portugal, porque enquadrada em sistemas políticos efectivamente diferentes) estão a reequacioná-la com elevada urgência e a transferi-la, em parte, para a iniciativa dos cidadãos.]
E, será que é possível fiscalizar, controlar e responsabilizar o comportamento de um estado centralizador (e quem, por sua vez, o controla) com a mesma facilidade que o do cidadão?
Bem, cidadãos (e sociedade civil) empobrecidos e subsídio dependentes, não podem, de certeza, fazer solidariedade social e muito menos controlar e responsabilizar o estado (e quem o controla)!
Comparado com outros países, nomeadamente com os países anglo saxónicos, aonde o exercício da cidadania assume particular relevância; Portugal é um exemplo interessante de analisar mesmo em áreas de iniciativa com forte cunho privado e até pessoal, ou seja, em áreas tipicamente de iniciativa da sociedade civil.
A nível cultural, por exemplo, enquanto que naquelas sociedades muitas instituições e iniciativas culturais são maioritariamente iniciativa (independente) da sociedade civil, em Portugal, grande parte dessas iniciativas, são (têm de ser) do estado ou por ele suportados.
Até as ONG´s e grande parte das Fundações, privadas, têm de ser sustentadas a quase 100% pelos subsídios do estado (Não! Sustentados sim, pela riqueza que foi retirada aos cidadãos através dos impostos).
É provável que o conceito de “privado”, em Portugal, não seja, de facto, o mesmo que o utilizado em muitos outros países europeus!
Claro que essa intervenção do estado pode ter, com certeza, vantagens: por exemplo, o cinema português ganha imensos prémios nacionais e internacionais, mas os cidadãos não vão ver os filmes nacionais! Como os agentes culturais dependem do estado para produzir e não dos cidadãos, continuarão com certeza a ganhar prémios, mas a não ter a audiência dos cidadãos (com certeza, a cultura dos cidadãos não é a dos realizadores nem de quem decide a atribuição da subvenção; mas o dinheiro da subvenção, este sim, é o do cidadãos!). Talvez o exercício da cidadania, no tipo de Democracia à portuguesa, passe a ser “obrigar” os cidadãos a ver os filmes nacionais (aliás, a “tradição” ainda deve andar por aí)!
Qualquer recolha de fundos junto dos portugueses resulta em escassas contribuições a não ser eventualmente a de bens alimentares (e grandes tragédias – fala o grande coração dos portugueses) talvez porque continuem muito sensíveis à fome, a que ainda importante parte da população portuguesa não está longe e pode voltar a cair!
Mas como é possível “recolher” para a solidariedade social, se parte significativa da população portuguesa vive perto do limiar da pobreza ou abaixo desta? Se o pouco com que contribuir pode resultar num sacrifício significativo? E, não é porque não trabalhe muito ou ganhe pouco. É porque o estado lhe extrai 70% dos seus rendimentos!
A “generalizada” solidariedade social, que o estado português diz ter de assumir, nomeadamente executando grande parte das iniciativas sociais significativa, de origem autóctone, não significa necessariamente que Portugal tenha, efectivamente, um estado previdência.
Por tudo o que se tem concluído sobre o funcionamento do sistema político e administrativo do país e do tipo de exercício de cidadania reservado aos seus cidadãos, parece que tal é justificação às elites políticas portuguesas para pensarem que constituem a escol mais esclarecida do país e portanto com direito (!) de o governar (e ditar valores), sem peias, fiscalização e controlo, ou, então, não entenderam o que é a cidadania em Democracia. Ou, mais grave, estão a bloqueá-la (à cidadania) conscientemente para defender os seus privilégios de acesso e usufruto da riqueza nacional concentrada no estado pelos impostos e redistribuída por si, nomeadamente em salários, subsídios e encomendas e, em processos, que, por não serem controláveis pelos cidadãos, não são transparentes.
Como é natural, como as “coisas” se processam, tem profundas consequências na simbiose societária que se desenvolve em Portugal.
O comportamento do estado (e suas elites) não bloqueia só o exercício da cidadania, impede o desenvolvimento desta.
Ou seja, um País ou desenvolve uma simbiose societária correcta (enquanto sustentada no exercício da cidadania) ou desenvolve uma simbiose societária incorrecta (enquanto sustentada no não – exercício da cidadania). Mas a simbiose, essa desenvolve-se sempre.
Consequentemente, como é possível pedir aos “cidadãos” portugueses para terem iniciativa e serem empreendedores se o estado se estruturou para lhes retirar a riqueza, a redistribuir em processos não controlados pelos ditos “cidadãos” e tratados como não – adultos, nomeadamente, porque incapaz de gerir da melhor forma a riqueza que criam, para seu próprio bem e da sociedade aonde estão integrados?
Em Portugal, só as iniciativas não autóctones estão protegidas do estado ou, pelo contrário, até dele recebem privilégios (inclusive, excepções legais) não estendíveis às iniciativas autóctones.
O sinal que o estado dá aos cidadãos, é que só ele, estado, é que sabe investir, criar e assegurar empregos, garantir saúde, reformas de velhice, educação, etc. Só o estado é que é honesto e capaz de redistribuir, nomeadamente para fazer crescer o país e melhorar as condições de vida de todos!
Mas de facto, alguém pode não acreditar nessa insofismável verdade tão assumida pelo estado português?
Basta olhar á nossa volta para se desmoronar qualquer dúvida a esse respeito. Basta olhar para a maravilhosa e eficiente educação que é praticada nas nossas escolas (das mais caras de Europa, mas é o preço a pagar!), a belíssima e eficientíssima saúde pública que temos (das mais caras de Europa, mas é o preço a pagar!), dos eficientíssimos transportes públicos, das boas reformas que auferem os nossos reformados e até dos bons salários (e outras benesses, não menos importantes) dos políticos e funcionalismo público superiores, agora ainda mais altos nos recém “inventados” institutos públicos (sempre em crescente número, para maior eficiência dos serviços públicos – tão claramente patente a todos! - e felicidade de todos).
O estado está, incansavelmente a trabalhar para o bem dos cidadãos! O contínuo aumento das despesas do estado - isso não é problema – os cidadãos pagam: exporta-se mais (porque aumentar o consumo deles não dá jeito!) e (ou) aumenta-se os impostos!
Não se pode esquecer que as sociedades humanas são sistemas complexos adaptativos. A chave e a fechadura auto - constroem-se uma à outra. Se o estado se encarrega de tudo (é omnipresente e omnipotente relativamente à sociedade) não se pode querer que os cidadãos (e a sociedade civil) tenham iniciativa, sejam empreendedores, arrisquem, sejam inovadores, etc.
Como pedir-lhes que sejam, individual e colectivamente, competitivos (inclusive para bem da respectiva sociedade como um todo) se todos os sinais do estado são de menorização da cidadania e de efectiva espoliação (e infelizmente da má aplicação) da riqueza que estes criam.
De facto, neste tipo de Sistema, a competição acabou por se tornar só vantajosa (e por isso o país se estrutura em conformidade) para a “conquista” do estado e da administração pública e do direito de acesso privilegiado à redistribuição (legal ou para - legal) da riqueza nacional e à segurança que isso acarreta.
Em conclusão, sociedades deste tipo, até se podem denominar de democráticas e apelidar os seus habitantes de cidadãos, mas de facto não são nem uma coisa nem outra. Talvez o sejam sim (!): democracias menores e cidadanias menores!?
As elites das democracias e cidadanias menores ainda não compreenderam que estão num mundo diferente.
Diferente porque agora a competição é planetária, global e os seus efeitos fazem-se sentir, cada vez mais, a curto prazo. E ela já é liderada por países de cidadania plena, cuja capacidade de adaptação, de inovação, de criação de riqueza e de cuja eficiente aplicação é maior que de quaisquer outros sistemas políticos (inclusive das quase - democracias), em virtude precisamente da capacidade que se “soltou” (libertou) ao permitir que muitos milhões de pessoas passassem a poder “decidir” e a “tomar” iniciativa; em fim a poderem ser senhores de si mesmo e com isso trazer valor acrescido às respectivas sociedades, inclusive a uma solidariedade que é intrinsecamente estruturante ao exercício da própria cidadania e do seu desenvolvimento.
Por outro lado, considerando que o cidadão e a sociedade civil se tornaram o centro do poder, isso proporcionou a esses sistemas uma eficiência global de tal modo elevada que essas sociedades deixaram de ter necessidade de líderes políticos excepcionalmente competentes (o sebastianismo - ainda tão necessários em muitos países) pois quem tem de ser competente é a sociedade em si e é essa competência que extravasa para o estado e não o contrário.
Ou seja, nos estados centralizadores é probabilisticamente muito maior os riscos à ineficiência e à incompetência (e corrupção), governativa e administrativa, do que nos estados descentralizados na respectiva cidadania e sociedade civil.
A manter-se essa vantagem, as elites das “democracias menores” estarão a cavar a sua própria “sepultura” e, pior ainda, a cavar a sepultura dos seus povos, pelo menos a longo prazo.