sábado, fevereiro 12, 2005

PORTUGAL E A CRISE: Parte I - O peso dos impostos


O Salário mínimo em Portugal, relativo ao regime geral, foi fixado, este ano, em cerca de 375 Euros mensais.
Como esse valor não inclui o 13º e 14º meses, sempre considerados em sede de impostos, deveremos ajustar aquele valor.

O salário mínimo de base, ilíquido, é pois de 437,5 euros (375*14/12).

Para a minha reflexão é importante, ainda, tratar a massa salarial associada a qualquer empregado na componente “salário”, sob risco de se multiplicarem as variáveis envolvidas e se tornar a análise menos transparente.
Ao fazer isso penso não estar a induzir algo que invalide as conclusões. Por exemplo, penso que até é intuitivamente aceitável, considerar que as mordomias (automóvel, telemóvel, cartão de crédito, combustíveis, etc.) oferecidas por várias entidades empregadoras a alguns dos seus empregados (e que fazem parte da massa salarial da empresa e dos seus custos) contribuem, também, para o salário (real) do empregado e como tal devem nele ser incluídas.

Por outro lado sobre o salário base ilíquido a entidade empregadora tem de pagar 23% à Segurança Social (se o empregador for o Estado, essa percentagem desce para 20,6% -não sei o porquê dessa diferença?).

Será que este valor pago pelo empregador é uma “multa” (do Estado) por este ter criado emprego?

Parece que se trata de levar o empregador a assumir, ele mesmo, uma responsabilidade que irá beneficiar o empregado junto da Segurança Social (acesso aos serviços que esta presta). E, neste quadro, não se entende porque é que a responsabilidade do Estado pelo seu empregado é menor, ainda por cima quando estes têm significativamente mais privilégios que os empregados sujeitos ao regime geral!

Esse pagamento da entidade empregadora (23% do salário de base ilíquido) constitui, de facto, um complemento de salário do empregado, pois é esse complemento que compra parte do serviço da Segurança Social que esta presta ao empregado.
Mas quem entrega esse valor à Segurança Social é indiferente (e não só sob o ponto de vista tributário). Pois se o empregador entregasse esse valor ao empregado e, por sua vez, este o tivesse de entregar à Segurança Social, estaríamos numa situação absolutamente idêntica à anterior, não só perante a Segurança Social e o empregador mas também perante o empregado.
Aliás, isso traduz-se claramente na contabilidade do empregador: a sua massa salarial não se altera ao transferir-se a responsabilidade desse pagamento do empregador para o empregado pois, num caso ou noutro, quem tem de suportar esse valor é sempre o empregador (do mesmo modo que o restante salário ou as mordomias acima referidas).
Portanto a integração deste valor no salário do empregado não constitui nem induz erros ao estudo em causa.

A este salário, assim definido, que integra mordomias e os 23% do “salário base ilíquido” que o empregador tem de entregar à Segurança Social, denominá-lo-ei, ao longo deste trabalho, de “salário real”.
Por uma questão de simplificação da análise apenas ponderarei a situação relativa ao regime geral e limitar-me-ei a apontar as diferenças em outros regimes em especial o dos funcionários públicos.

Portanto, de acordo com este conceito, o salário real, mínimo, definido para a indústria é de 538 euros (437,5 + 437,5 * 23%).
Como é natural não lhe posso integrar mordomias porque os salários mínimos não as têm habitualmente nem estas são fixas.

O usufruto deste salário real não é livremente decidido pelo empregado.

Desse salário real são retirados, à cabeça, cerca de 48 euros (11% de 437,5) e 100,6 euros (23% de 437,5). Ou seja, o empregado leva para casa cerca de 389,4 euros.

O empregado paga de impostos ao Estado, para a Segurança Social, 27,6% do seu salário real.

Quanto a IRS.
O salário mínimo não paga IRS. Os salários superiores ao mínimo pagam valores crescentes de IRS até ao máximo de 31,5%.

Vamos apenas calcular os pontos, inferior e superior, do intervalo dos impostos cobrados.

O IRS aplica-se sobre o salário base ilíquido (não só, sobre o “dinheiro” que se leva para casa) menos algumas despesas (educação, saúde, juros da empréstimos habitacionais, seguros, etc.).
Os descontos proporcionados por essas despesas são pequenos e até difíceis de contabilizar em especial para os salários mais baixos.
Embora os descontos sejam os mesmos para as pessoas com salários mais altos, o certo é que estes têm cabazes de despesas com leques de bens e serviços mais amplos, cuja inserção na massa colectável pode ser significativa em valores absolutos (e normalmente têm contabilistas para lhes tratar dos assuntos fiscais).
O IRS não associa esse prémio (descontos à matéria colectável) a um cabaz médio de subsistência comum a todos os portugueses e com vista à preservação de um padrão médio de vida.
De facto o IRS, intrinsecamente, premeia os salários mais altos na medida em que proporciona descontos de matéria colectável em bens e serviços que só se tem acesso (crescente) em patamares mais elevados de rendimentos e de consumo. Contudo as percentagens descontáveis são baixas.
Vou admitir, de forma muito simplista, que a percentagem de IRS não se altera significativamente com esses descontos - o que é, como vimos, tão mais verdade quanto se auferem salários mais próximos do mínimo.
Assim sendo, o limite superior do intervalo de impostos relativo ao IRS é de 31,5% do salário base ilíquido.

Ou seja o IRS variará entre 0% e 25,6% do salário real.

Portanto o empregado entrega ao Estado, à cabeça (valor retido na fonte), uma percentagem do seu salário real que vai de 27,6% a 53,2% (o intervalo relativo ao funcionário público é menor).

Quanto ao IVA
O valor máximo do IVA, em Portugal, é de 19%. Como são poucos os produtos e serviços com valores inferiores a esta percentagem e estes deverão ter pequeno peso no cabaz familiar, é esse valor (19%) que vamos tomar na nossa reflexão.

O IVA aplica-se apenas aos produtos e serviços adquiridos pelo empregado.

Vamos fazer mais uma simplificação. Vamos admitir que o “dinheiro” levado para casa pelo empregado irá ser totalmente gasto - o que é tão mais verdade quanto se desce na escala salarial.
O IVA incidirá assim sobre o que sobra do salário real depois de retirados os impostos acima referidos (Segurança Social e IRS).

Assim, o valor do IVA, para o salário mínimo representa 13,7% do salário real e 16,9% do salário de base, ilíquido.
O valor do IVA, para o salário de escalão mais elevado, representa pois 8,9 % do salário real e 10,9% do salário de base, ilíquido.

Tendo pois em atenção os impostos até aqui analisados, os empregados entregam ao Estado entre 41,3% (os que auferem do salário mínimo) e 62,1% do salário real (os que auferem salário de escalão mais elevado).
Relativamente ao salário de base, ilíquido, o empregado entrega ao Estado entre 50,1% e 76,4%.

Mas os Impostos a pagar ao Estado não ficam por aqui (Segurança Social, IRS e IVA)!

Contudo o peso destes outros impostos relativamente ao salário real (ou salário base, ilíquido) já não pode ser somado, com pequenos ajustamentos, às percentagens acima calculadas.
Só um estudo detalhado, tendo em atenção vários cabazes tipificados de despesas em função do nível de rendimentos, poderia conduzir-nos a uma avaliação relativamente rigorosa da incidência desses impostos sobre a média das famílias portuguesas.
Esse estudo teria de ponderar as despesas dos cidadãos com os impostos ao longo da sua vida (média) pois há despesas, em bens e serviços, que não se fazem com muita frequência (algumas fazem-se uma vez ao longo da vida) e nem todas elas têm o mesmo peso no cabaz de todas as famílias.
Como não tenho elementos para tal (e em Portugal o acesso às estatísticas é pago – e bem!), limitar-me-ei a enunciar alguns desses outros impostos.
Ficará ao critério do leitor ponderar, por si, o peso que esses impostos terão na média das famílias portuguesas - peso a acrescentar aos valores acima calculados.

Ainda admitindo que o cidadão gasta tudo o que lhe sobra, o que acontece para além do pagamento daqueles impostos (Segurança Social, IRS e IVA)?

Em todas as aquisições de bens e serviços, para além dos 19% de IVA, o cidadão português tem de pagar ainda impostos adicionais quando adquire combustíveis, tabaco, álcool, etc.
A despesa com este tipo de impostos é generalizável a grande parte da população portuguesa.

O imposto automóvel, impostos sobre a compra de habitação e outros impostos deste tipo, embora elevados, são pagos com menor frequência e é de admitir que o seu peso (distribuído pela despesa média ao longo da vida do cidadão) não seja muito significativo a não ser para as classes de consumo mais elevadas aonde é maior a frequência na compra desses bens.

Pelo contrário os impostos autárquicos, que são muitos e elevados, já são sentidos por grande parte dos portugueses embora, naturalmente, em proporções diferentes de acordo com os serviços a que são obrigados a se socorrer junto das autarquias.

Temos ainda de pagar imposto de rádio difusão, imposto de circulação automóvel, etc.

Por fim, quando se morre, o cidadão, tem de pagar imposto sucessório, sobre o que não conseguiu gastar antes de falecer (desconheço se este imposto é também somado a algum IVA).

Também a Crise tem levado a que as Autarquias e o Estado (e respectivas Instituições, como Hospitais, Tribunais, etc.) a aumentar significativamente as taxas (e a criar novas taxas) sobre a quase totalidade dos serviços prestados por essas entidades aos cidadãos. A “caça” à multa e à coima parece que se transformou, em si, num objectivo dos funcionários públicos e autárquicos.

É certo que para quem tiver salários baixos (uma parte significativa da população, da qual 20% vive abaixo do limiar de pobreza), alguns destes impostos não terão peso significativo (por impossibilidade de acesso a muitos desses bens e serviços). Contudo, não se passa o mesmo para as classes médias e altas, para as quais esses impostos representam um peso significativo.

Mas, quanto a impostos, em sentido lato, ainda não acaba aqui. Ainda há mais!

O Estado português além de ser, por si, um forte interventor na sociedade, também o é enquanto protector de imensas Corporações, nomeadamente de algumas que prestam serviços imprescindíveis e de elevado índice de utilização pelo cidadão.
Ou seja estamos a referir-nos de impostos que podem de facto ter um peso significativo nos rendimentos dos cidadãos.
Essas corporações (públicas, privadas ou para – estatais), estão protegidas e como tal os preços que praticam não está sujeita à concorrência bem como a qualidade dos serviços que prestam.

O cidadão para além de pagar os impostos acima descritos, ainda tem de suportar os preços (protegidos) praticados por essas Corporações, para já não falar do que têm de suportar quanto à qualidade desses serviços.

Não me parece absurdo, de todo, considerar que estes preços contêm em si mais um imposto (imposto para as corporações) a pagar pelos cidadãos: o imposto correspondente ao carácter corporativo da actividade. No fundo um pouco à semelhança do que se fazia em muitos locais: obrigava-se o empregado a comprar na loja do patrão!

Alguns exemplos, para se compreender a que me refiro.

Transportes públicos.
Por que motivo a circulação entre Carnaxide e Lisboa é exclusiva a uma Empresa (não incluo empresas que por aí transitam e fazem ligações entre outros pontos)?
Porque, para todo e qualquer lugar, não podem competir, todos os dias e a todas as horas, duas, três, quatro, cinco ou mais empresas, como acontece na Inglaterra?
Consequentemente em Londres, em qualquer local, espera-se 5 a 10 minutos por uma camioneta (com aquecimento e ar condicionado) e em Carnaxide espera-se uma hora ou mais.
Uma politica para se elevar a utilização dos transportes públicos em Portugal (e induzir a diminuição do uso do automóvel) transforma-se não, em melhorar as condições de vida dos seus utilizadores (qualidade de serviço e preços) e do ambiente mas, sim, em alargar o número de clientes da empresa A.
Essa empresa acaba por praticar preços de (quase) monopólio, mesmo se estabelecidos no quadro de uma concessão, pois é mesmo esta concessão que cria as condições para que essa empresa não se sujeite a uma competitividade aberta (e mais transparente) susceptível de ser avaliada pelos clientes e premiada ou castigada directamente por estes.

O que se passa no acesso ao aeroporto de Lisboa constitui outro exemplo. Deve ser dos raríssimos aeroportos de capitais europeias aonde praticamente só, através de táxi, se pode ter aceder a ele ou dele se sair. Tudo para proteger a empresa de táxis (ou empresas) que aí operam!
Considerando que os cidadãos têm de pagar o custo do táxi, muitíssimo mais caro que o de uma camioneta, metro ou comboio, de facto, eles estão a ser obrigados a pagar um imposto de corporação.

Farmácias.
Todos entenderão que todas as farmácias precisarão de um director técnico. Mas alguém entende que o dono da farmácia tem de ser farmacêutico?
E alguém entende que o Estado tem de reservar para cada farmácia um número mínimo de clientes, pelo que só autoriza a abertura de farmácias em condições que assegurem (probabilisticamente) esse número.
Porque não se faz o mesmo para os bares! Eu já não direi que os donos dos bares tenham de ser gestores licenciados, mas pelo menos que o Estado, de forma idêntica às farmácias, lhes assegure um determinado número de clientes, proibindo que se instalem bares “porta sim porta sim”.
Porque há “condicionamento” num caso e não no outro?

Apesar dos genéricos (e até com estes), os medicamentos não têm preços fixados em concorrência.
Eventualmente, mesmo havendo liberalização total na instalação de farmácias e comercialização de medicamentos, as correspondentes Corporações poderiam continuar a concertar preços, apesar da Lei da Concorrência (como parece ter acontecido com os combustíveis, há uns anos atrás). Mas, ainda assim, seria menos gravoso para os cidadãos e, pelo menos seria mais ético, se não fosse o próprio Estado a impedir directamente a concorrência ou seja a prejudicar os cidadãos para protecção de umas quantas empresas.
De facto, quando o cidadão compra um medicamento está a pagar um valor, acrescido de um imposto de corporação (mesmo que seja o Estado a suportá-lo de forma significativa, pois fá-lo com o dinheiro dos cidadãos).

Note-se que o imposto de corporação, aqui referido, não está associado a qualquer má gestão ou à capacidade de realização de algum serviço ter de estar centrado numa entidade.
Este imposto está exclusivamente ligado à protecção dada pelo Estado ou Autarquias a algumas entidades previamente escolhidas, de molde a impedir ou limitar a concorrência aberta em áreas aonde não há motivos técnicos ou éticos que o justifiquem.
Esse imposto está implícito naquilo que leva os Estados modernos e democráticos a criar leis de anti – monopólio e da concorrência e a aplicá-las de forma particularmente rígida e dura!

Estou convicto de que, a cada um de nós, lhe ocorrerá muitíssimas outras situações semelhantes, nas quais é exigido ao cidadão o pagamento de um imposto corporativo, proporcionado e assegurado pelo Estado Português às respectivas corporações.

De facto, impostos do Estado, Autárquicos e Corporativos, são exemplos de impostos a que se obriga o cidadão português a pagar. Não só a si, Estado, mas também a outras entidades não estatais.

Só um estudo detalhado permitiria avaliar, com o necessário rigor, a totalidade dos impostos que os portugueses pagariam, ao longo de toda a sua vida, se pagassem todos os impostos (em sentido lato) que lhes são exigidos pela lei portuguesa.

Sem considerar os impostos corporativos (difíceis de ponderar) e apenas como referência, admitamos que a totalidade desses outros impostos represente algo entre 5% para os salários reais mínimos e 10% para os salários reais mais elevados (aonde o seu peso é bastante mais significativo).
Não nos parecem, de todo, que estas percentagens, que arbitrámos, sejam exageradas.

Neste quadro os cidadãos teriam de pagar ao Estado e Autarquias algo entre 47% (quem aufere do salário mínimo) e 72% do salário real. Ou seja, relativamente ao salário base ilíquido, teriam de pagar algo entre 55% e 86% do salário base ilíquido.

Não estarei muito longe da verdade se afirmar que, ao longo de toda a sua vida, os portugueses pagam, em média, de impostos (ao Estado e autarquias) algo que andará à volta de 70% do salário de base ilíquido para a família média portuguesa. Isso, claro está, se pagassem os impostos.

Ou seja, se os portugueses pagassem todos os impostos, por cada 100 Euros que recebem, não ficariam com muito mais do que 30 Euros para se sustentarem a si e à sua família, assegurarem educação a si e aos filhos, adquirir viatura e habitação, etc.

É evidente que os serviços de saúde, reforma, educação, justiça, urbanismo, sistema viário, policiamento, administração, etc. são exemplos do retorno (relativo aos impostos) entregue pelo Estado e pelas Autarquias aos cidadãos.

Considerando que o Investimento constitui a base do desenvolvimento (civilizacional) de qualquer sociedade humana, esse retorno merece ser analisado com muitíssima atenção e cuidado, pois os cidadãos portugueses colocam (se pagassem todos os impostos) a maior parte da riqueza nacional produzida, anualmente, nas mãos do Estado.
A eficiência com que o Estado gere essa imensa riqueza nacional (e os imenso subsídios europeus que recebe, como representante dos cidadãos portugueses) determina muito a capacidade efectiva de desenvolvimento do País – mais até do que a eficiência com que os cidadãos gerem o pouco que lhes sobra depois de pagarem todos aqueles impostos!

Iremos pois analisar esse retorno dos impostos pagos pelos cidadãos ao Estado e Autarquias mais adiante.

Contudo penso que podemos tirar algumas conclusões, independentemente da reflexão que iremos fazer sobre esse retorno - aliás, do qual todos sabemos bastante pois somos utilizadores dos serviços que nos são proporcionados pelo Estado Português e Autarquias.

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei de ler, mas com estes números todos na minha frente bem em evidência fiquei deprimida q.b.
Manuela