quinta-feira, fevereiro 17, 2005

PORTUGAL E A CRISE: Parte II - O peso dos impostos - algumas considerações


Em Portugal, todos esperam pelo Estado!

Apesar do retorno existente, a consideração mais imediata que se pode tirar, é que impostos de cerca de 70% do salário de base ilíquido representam um peso excessivo para os cidadãos portugueses (uma “nacionalização” anual do seu trabalho!).

O seu efeito prático, sob o conjunto da sociedade e sobre determinados grupos de rendimentos, seria significativamente maior se as fugas e excepções fiscais (que analisaremos adiante) não fossem tão elevadas.

Independentemente do peso das empresas no valor global dos impostos cobrados pelo Estado Português, aquela percentagem de impostos é, por si só, tão elevada que podemos concluir que os impostos transferem parte significativa da riqueza nacional anualmente criada pela sociedade portuguesa dos Cidadãos para o Estado.

Consequentemente, também parte significativa da capacidade de iniciativa de origem nacional é assim transferida dos Cidadãos para o Estado Português.

Tal estado de coisas parece justificar porque não nos devemos admirar que, em Portugal, “todos” esperem que o Estado resolva “tudo”, inclusive os empresários!

Muitos dirão que outros Países Europeus terão impostos tão elevadas ou maiores ainda que os praticados em Portugal.
Sinceramente que tenho as minhas dúvidas que a totalidade de impostos (e taxas) existentes em Portugal (desde os que se pagam ao Estado e às Corporações, passando pelos Autarquias), assumam valores menores que os existentes noutros Países Europeus. Pois, de impostos é disso que se trata, e não da comparação apenas dos impostos “centrais” como os da Segurança Social, do IVA, do IRS ou do IRC.

Por outro lado estou convicto que o índice do retorno (relação entre o que o cidadão recebe do Estado e o que lhe entrega) é mais eficaz nesses Países do que ocorre em Portugal. Talvez - e isso é essencial, porque é maior e mais eficaz a capacidade de controlo e de responsabilização dos respectivos cidadãos sobre os seus Estados e isso proporcionará uma maior identificação entre os interesses daqueles e os actos do respectivo Estado e dos seus representantes políticos.

Também deduzo que o peso dos impostos não se fará sentir sobre as respectivas sociedades da mesma maneira que em Portugal, uma vez que o salário real nesses países é, em valor absoluto, várias vezes superior aos dos portugueses (com excepção, como iremos ver, para os elevados escalões salariais da função pública e para – pública, portuguesas!).

Apesar de tudo, os impostos elevados concentram, sempre e em qualquer lugar, parte significativa da riqueza nacional nas mãos do respectivo Estado.

Como consequência, os impostos elevados transferem, sempre, para o respectivo Estado, grande parte da capacidade nacional na tomada de iniciativas.

Ou seja, os impostos elevados, se por um lado aumentam significativamente a responsabilidade do Estado no desenvolvimento do respectivo País por outro lado diminuem, correspondentemente, a responsabilidade dos cidadãos (devido à diminuição da capacidade destes em tomar iniciativas).

Este modelo tem revelado que as aplicações dos Estados são, normal e genericamente, bastante menos eficazes que as dos cidadãos.

Isso não significa necessariamente que os Estados sejam menos competentes que os cidadãos a tomar decisões e a gerir recursos.
Segundo a minha opinião isso acontece porque este modelo não só impõe (exige) determinadas decisões e, consequentemente, impõe determinadas aplicações de recursos como também deixa de poder contar com a contribuição e participação activa que resultaria do exercício de uma cidadania mais ampla e interventora de milhões de pessoas.

Por isso, considero que dificilmente se pode melhorar estes modelos (baseados na concentração da riqueza nacional no Estado) privatizando ou gerindo serviços públicos segundo padrões privados.
É que o problema desses sistemas não está na forma de gestão desses serviços nem mesmo nos objectivos do modelo.
Está na forma como fazem envolver a sociedade como um “todo” (inclusive o Estado) na sua auto - organização e auto - desenvolvimento.

Trata-se de um modelo que dá realce ao trabalhador mas que minora a cidadania.

De qualquer modo, tudo indica que a transferência da capacidade de cidadania do Cidadão para o Estado tem sido normalmente acompanhada, em praticamente todo o lado, por uma ineficiência crescente na aplicação da riqueza nacional.

A Europa, depois da Segunda Guerra Mundial, quer a Ocidente como a Leste, estruturou-se em Estados fortemente providentes. Isto é, foi escolhido um modelo societário centrado na responsabilização activa e (praticamente) exclusiva do Estado para a promoção nacional da solidariedade e da coesão social.

Ou seja, os Estados providência europeus estruturaram-se em Estados carentes de impostos elevados (ou da “nacionalização” do trabalho, como se fez a Leste).

A Europa do Leste (na qual o papel do Estado era totalitário) ruiu e hoje reconstrói-se em sistemas societários ainda não muito bem definidos – a eleição dos órgãos de soberania não define claramente um sistema societário, inclusive, nem mesmo, para que tipo de Democracia irá evoluir.

Por outro lado a própria Europa Ocidental encontra-se a braços com sérios problemas sociais e económicos.

As soluções para se assegurar a solidariedade e coesão social tornaram-se cada vez mais difíceis de manter. O desemprego mantém-se em níveis muito elevados. As empresas deslocalizam-se. A imigração está pouco integrada. Há um forte desincentivo (e incapacidade) dos cidadãos para a tomada de iniciativas significativas, independentes do Estado. Alguma méritocracia acabou por dar lugar, em alguns desses países, a uma crescente ineficiência, inclusive da administração pública (quem diria que se tornaria, no inicio do século XXI, uma das grandes preocupações dos alemães!).

Na generalidade, a Europa está a atrasar-se de uma maneira particularmente grave em relação às sociedades anglo-saxónicas pois tudo indica tratar-se de um afastamento estrutural.
Esse afastamento verifica-se, por exemplo, a nível da capacidade no desenvolvimento e aplicação da ciência e das novas tecnologias (na inovação), na capacidade de promoção e multiplicação de iniciativas, na capacidade de absorção de iniciativas offshore e na capacidade no desenvolvimento, organização e gestão de sistemas crescentemente competitivos e complexos (inclusive, os da informação, do conhecimento e do militar) e na concentração em si da gestão de sistemas mundializantes.
As sociedades anglo-saxónicas desenvolveram sistemas societários que não só aprenderam a preservar (e assegurar) uma elevada competição interna como trazem para dentro do seu próprio sistema a competição externa - que sabem, habitualmente, “reabsorver” a seu favor.
Ou seja, estruturaram sistemas societários com uma imensa (e eficaz) capacidade de “absorção” o que os levou a tornarem-se o “lar” não apenas dos seus cidadãos mas de uma crescente cidadania que se auto - expatria (imigração e capitais) dos seus países de origem.

Por outro lado não se pode afirmar que a eficiência na solidariedade e coesão social existentes nesses sistemas é inferior, na generalidade, à existente na Europa. E muito menos se poderá dizer que as soluções de solidariedade e de coesão social aí encontradas e desenvolvidas não são auto – sustentáveis, como parece estar a acontecer na Europa.

O sobredeterminismo existente nas sociedades humanas dificulta (ou impede mesmo) a ponderação do peso das múltiplas forças em presença na dinâmica das respectivas sociedades e levará a que cada sociedade assuma diferentes particularismos, contudo atrever-me-ia a perguntar se não terá essa Crise Europeia algo de semelhante, em algumas das suas componentes, com o que ocorre em Portugal, embora numa dimensão proporcional e ajustada à nossa “realidade social” e à nossa “história”?

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