Prévio
A reflexão sobre o funcionamento de uma qualquer sociedade humana representa necessariamente a análise de um sistema muito complexo. Há mesmo quem considere que os sistemas humanos são sistemas sobredeterminados, isto é, sistemas nos quais, a respectiva capacidade de adaptação, transforma todas as variáveis em causa e efeito, em simultâneo (sistemas operando em feedback absoluto).
Embora admita a existência de um elevado sobredeterminismo nos sistemas complexos adaptativos penso que a história humana dá-nos muitíssimos exemplos da existência de forças societárias que se podem considerar dominantes na estruturação dos respectivos sistemas.
Por exemplo, a história mostra-nos como determinado tipo de organização politica (de monarquia, de república, de comunismo, etc.) estrutura, globalmente e no seu todo, sociedades humanas diferentes em sistemas societários muito semelhantes, inclusive desenvolvendo nelas valores idênticos (éticos, políticos, económicos, legais, etc.). O sobredeterminismo destes sistemas impede que essas sociedades se tornem iguais mas, sem dúvida, aparentam muitas semelhanças.
Quando se reflecte sobre a Crise que Portugal vive actualmente, é essencial, pois, tentar vislumbrar quais as forças societárias que estruturam de forma predominante a sociedade portuguesa.
Conforme a especialidade dos analistas (e mesmo dentro destas) há tendência em cada um se socorrer das respectivas “alavancas” societárias (muitas vezes tipificadas à sua esfera de intervenção) e admitir que basta actuar sobre estas para se processar a correspondente correcção da crise. Quando isso não ocorre, a culpa é de quem devia aplicar a solução (alavanca) e não o fez de forma correcta, na dose adequada, ou não foi suficientemente persuasivo.
Como as várias áreas de reflexão (económica, politica, social, cultural, etc.) se sobrederminam umas às outras, o que muitas vezes acontece, é que os especialistas acabam por andar em “circulo”.
No caso em análise, parece ter-se já chegado à aceitação de que a actual Crise em Portugal é, essencialmente, de ordem económica. Como tal, parece haver algum consenso, entre os vários especialistas, em aceitar o predomínio da interpretação económica na Crise e de que as soluções devam ser aí procuradas.
Mas será que a crise que Portugal vive é, predominantemente, económica?
Será que esta crise é de “agora”? Será que não estava há muito instalada e, só por questões circunstanciais, os seus sintomas foram agora claramente evidenciados – a crise eclodiu “agora”.
Pedindo deste já desculpa pela simplificação e erros que isso poderá induzir, gostaria de referir o filósofo José Gil, que em Portugal Hoje, chega ao ponto de caracterizar a sociedade portuguesa como uma sociedade de pessoas invejosas, preguiçosas e com medo de agir. Uma sociedade promotora da incompetência e sem “espaço” à cidadania.
Penso, evidentemente, que José Gil, há semelhança de muitos outros intelectuais portugueses, pretende, honestamente, que a sociedade portuguesa reaja ao confrontar-se com a rudeza de tal imagem no espelho – promovendo a mudança de tal estado das “coisas”.
De todo, José Gil não está errado na caracterização que faz da sociedade portuguesa. Todos nós ouvimos com frequência, no nosso dia a dia, algo de muito semelhante.
Mas daí a ser-se levado a pensar que isso (inveja, preguiça, incompetência, falta de espaço, medo de agir, etc.) pode ser a causa do actual estado de “coisas” em Portugal, é que me parece totalmente errado.
A inveja, a preguiça, a promoção de incompetência, etc. não são causas do actual estado de “coisas” em Portugal, são sim consequências.
São consequências de algo mais profundo e estruturante que existe na sociedade portuguesa e a prova objectiva disso é que os mesmos portugueses fora de Portugal se tornam, pelo menos, menos invejosos, são trabalhadores incansáveis (e admirados, como tal), respeitam o mérito, perdem o medo de agir, sabem competir e adquirem espaço.
Por uma questão de formação, gosto de tentar olhar qualquer problema começando por tentar ver a origem (condições iniciais) do sistema aonde esse problema está instalado e tentar ver e compreender o seu percurso até ao instante em que o problema se tornou transparente – o problema eclodiu.
Ou seja, no fundo, procuro conhecer um pouco melhor o “modelo” aonde se insere o respectivo “problema”, antes de concluir que se lhe podem aplicar as “alavancas” previamente tipificadas para determinados “modelos”.
É evidente que esse “ir à origem”, estabelecer condições iniciais e seguir percursos em sistemas tão complexos como os sistemas humanos, continua a ter muito de arbítrio (e subjectivo) e as probabilidades de erros não deixam de ser elevadas. Mas infelizmente o tratamento científico de sistemas humanos (sistemas complexos adaptativos) continua, no seu conjunto, muito precário.
Um trabalho cientifico inter disciplinar seria uma grande ajuda, mas também aqui Portugal não tem tradição – parece que o sebastianismo é a “solução”, mesmo quando se transmuta em “alavancas” milagreiras.
Parece ainda não ter sido plenamente “descoberto” em Portugal o conceito de Universidade – por excelência o espaço para tais estudos - como centro de desenvolvimento, troca e avaliação de saberes e ideias (inclusive interdisciplinares), como centro de criação de conhecimento (investigação) e como centro de difusão de saber. A nossa Universidade continua a ser essencialmente uma Escola Superior (enquanto transmissora de conhecimentos superiores), fechada sobre si e aonde predomina a relação, unívoca, professor – aluno.
Voltemos à Crise, à tentativa de reflectir o que se passa.
Como vimos em reflexões aqui já produzidas (neste blogue), o Investimento (em sentido lato) não só constitui uma das bases (cabouco) ao desenvolvimento de qualquer sociedade humana mas também se constitui como uma das componentes mais significativas à sua restrição.
É, pois, por aqui que iniciarei a minha reflexão sobre a sociedade portuguesa e sua Crise.
Como a riqueza nacional ou nacionalizável (porque independente da sua origem) constitui uma das componentes essenciais a qualquer tipo de Investimento, é pelo modo como ela é criada, repartida e (re) investida que irei começar a minha análise.
A compreensão sobre o funcionamento do sistema de impostos existente em qualquer sociedade sintetiza, de forma particularmente ampla e eficaz, muito do processo de criação de riqueza, sua repartição e do modo como essa sociedade investe. Ou seja, do modo como essa sociedade se desenvolve ou é impedida de se desenvolver – a emergência da crise.
É pois pelo sistema de impostos e seu impacto sobre a sociedade portuguesa que iniciarei a minha reflexão.
Não irei fazer qualquer reflexão de especialista nem orientada para o sistema fiscal, em si. Apenas irei emprestar dele o que emerge das suas consequenciais para a sociedade portuguesa.
A reflexão sobre o funcionamento de uma qualquer sociedade humana representa necessariamente a análise de um sistema muito complexo. Há mesmo quem considere que os sistemas humanos são sistemas sobredeterminados, isto é, sistemas nos quais, a respectiva capacidade de adaptação, transforma todas as variáveis em causa e efeito, em simultâneo (sistemas operando em feedback absoluto).
Embora admita a existência de um elevado sobredeterminismo nos sistemas complexos adaptativos penso que a história humana dá-nos muitíssimos exemplos da existência de forças societárias que se podem considerar dominantes na estruturação dos respectivos sistemas.
Por exemplo, a história mostra-nos como determinado tipo de organização politica (de monarquia, de república, de comunismo, etc.) estrutura, globalmente e no seu todo, sociedades humanas diferentes em sistemas societários muito semelhantes, inclusive desenvolvendo nelas valores idênticos (éticos, políticos, económicos, legais, etc.). O sobredeterminismo destes sistemas impede que essas sociedades se tornem iguais mas, sem dúvida, aparentam muitas semelhanças.
Quando se reflecte sobre a Crise que Portugal vive actualmente, é essencial, pois, tentar vislumbrar quais as forças societárias que estruturam de forma predominante a sociedade portuguesa.
Conforme a especialidade dos analistas (e mesmo dentro destas) há tendência em cada um se socorrer das respectivas “alavancas” societárias (muitas vezes tipificadas à sua esfera de intervenção) e admitir que basta actuar sobre estas para se processar a correspondente correcção da crise. Quando isso não ocorre, a culpa é de quem devia aplicar a solução (alavanca) e não o fez de forma correcta, na dose adequada, ou não foi suficientemente persuasivo.
Como as várias áreas de reflexão (económica, politica, social, cultural, etc.) se sobrederminam umas às outras, o que muitas vezes acontece, é que os especialistas acabam por andar em “circulo”.
No caso em análise, parece ter-se já chegado à aceitação de que a actual Crise em Portugal é, essencialmente, de ordem económica. Como tal, parece haver algum consenso, entre os vários especialistas, em aceitar o predomínio da interpretação económica na Crise e de que as soluções devam ser aí procuradas.
Mas será que a crise que Portugal vive é, predominantemente, económica?
Será que esta crise é de “agora”? Será que não estava há muito instalada e, só por questões circunstanciais, os seus sintomas foram agora claramente evidenciados – a crise eclodiu “agora”.
Pedindo deste já desculpa pela simplificação e erros que isso poderá induzir, gostaria de referir o filósofo José Gil, que em Portugal Hoje, chega ao ponto de caracterizar a sociedade portuguesa como uma sociedade de pessoas invejosas, preguiçosas e com medo de agir. Uma sociedade promotora da incompetência e sem “espaço” à cidadania.
Penso, evidentemente, que José Gil, há semelhança de muitos outros intelectuais portugueses, pretende, honestamente, que a sociedade portuguesa reaja ao confrontar-se com a rudeza de tal imagem no espelho – promovendo a mudança de tal estado das “coisas”.
De todo, José Gil não está errado na caracterização que faz da sociedade portuguesa. Todos nós ouvimos com frequência, no nosso dia a dia, algo de muito semelhante.
Mas daí a ser-se levado a pensar que isso (inveja, preguiça, incompetência, falta de espaço, medo de agir, etc.) pode ser a causa do actual estado de “coisas” em Portugal, é que me parece totalmente errado.
A inveja, a preguiça, a promoção de incompetência, etc. não são causas do actual estado de “coisas” em Portugal, são sim consequências.
São consequências de algo mais profundo e estruturante que existe na sociedade portuguesa e a prova objectiva disso é que os mesmos portugueses fora de Portugal se tornam, pelo menos, menos invejosos, são trabalhadores incansáveis (e admirados, como tal), respeitam o mérito, perdem o medo de agir, sabem competir e adquirem espaço.
Por uma questão de formação, gosto de tentar olhar qualquer problema começando por tentar ver a origem (condições iniciais) do sistema aonde esse problema está instalado e tentar ver e compreender o seu percurso até ao instante em que o problema se tornou transparente – o problema eclodiu.
Ou seja, no fundo, procuro conhecer um pouco melhor o “modelo” aonde se insere o respectivo “problema”, antes de concluir que se lhe podem aplicar as “alavancas” previamente tipificadas para determinados “modelos”.
É evidente que esse “ir à origem”, estabelecer condições iniciais e seguir percursos em sistemas tão complexos como os sistemas humanos, continua a ter muito de arbítrio (e subjectivo) e as probabilidades de erros não deixam de ser elevadas. Mas infelizmente o tratamento científico de sistemas humanos (sistemas complexos adaptativos) continua, no seu conjunto, muito precário.
Um trabalho cientifico inter disciplinar seria uma grande ajuda, mas também aqui Portugal não tem tradição – parece que o sebastianismo é a “solução”, mesmo quando se transmuta em “alavancas” milagreiras.
Parece ainda não ter sido plenamente “descoberto” em Portugal o conceito de Universidade – por excelência o espaço para tais estudos - como centro de desenvolvimento, troca e avaliação de saberes e ideias (inclusive interdisciplinares), como centro de criação de conhecimento (investigação) e como centro de difusão de saber. A nossa Universidade continua a ser essencialmente uma Escola Superior (enquanto transmissora de conhecimentos superiores), fechada sobre si e aonde predomina a relação, unívoca, professor – aluno.
Voltemos à Crise, à tentativa de reflectir o que se passa.
Como vimos em reflexões aqui já produzidas (neste blogue), o Investimento (em sentido lato) não só constitui uma das bases (cabouco) ao desenvolvimento de qualquer sociedade humana mas também se constitui como uma das componentes mais significativas à sua restrição.
É, pois, por aqui que iniciarei a minha reflexão sobre a sociedade portuguesa e sua Crise.
Como a riqueza nacional ou nacionalizável (porque independente da sua origem) constitui uma das componentes essenciais a qualquer tipo de Investimento, é pelo modo como ela é criada, repartida e (re) investida que irei começar a minha análise.
A compreensão sobre o funcionamento do sistema de impostos existente em qualquer sociedade sintetiza, de forma particularmente ampla e eficaz, muito do processo de criação de riqueza, sua repartição e do modo como essa sociedade investe. Ou seja, do modo como essa sociedade se desenvolve ou é impedida de se desenvolver – a emergência da crise.
É pois pelo sistema de impostos e seu impacto sobre a sociedade portuguesa que iniciarei a minha reflexão.
Não irei fazer qualquer reflexão de especialista nem orientada para o sistema fiscal, em si. Apenas irei emprestar dele o que emerge das suas consequenciais para a sociedade portuguesa.
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