quinta-feira, março 17, 2005

PORTUGAL E A CRISE: PARTE III – Salários e Impostos Privilegiados

Sobre os empregados

Em nome, também, da necessidade de alguma eficiência na economia nacional e como os impostos são muito elevados; o próprio Estado teve de “acomodar” determinados estratos e interesses sociais, criando excepções ao regime fiscal geral a que estão sujeitos a maior parte dos cidadãos.

Já vimos que o Estado, como empregador, não tem de pagar 23% do salário base ilíquido à Segurança Social mas 20,6%; o que constitui uma “fuga” (legal), praticada pelo próprio Estado, ao regime geral a que a sociedade civil está subordinada.

Quanto ao pagamento do IVA, as possibilidades de fuga (ilegal) por parte dos cidadãos são ainda bastante elevadas.
A “fuga” a outros tipos de impostos sobre o consumo exige procedimentos mais elaborados, como, por exemplo, a realização deste através de “empresas”; como veremos adiante.

Relativamente aos impostos retidos na fonte (Segurança Social e IRS) as possibilidades de não pagamento são quase inexistentes para o empregado ou prestador de serviços independente, mas não para o empregador.

Contudo os valores do salário base ilíquido declarados à Segurança Social pelos empregadores e empregados podem ser inferiores aos realmente praticados, o que constitui uma “fuga” ilegal.
Por outro lado, e temos aqui uma outra “fuga” (esta legal), os empregadores oferecem múltiplas mordomias aos empregados dos escalões salariais mais altos que não são integrados no respectivo salário de base e como tal não constituem matéria colectável para o IRS e Segurança Social. São exemplo dessas mordomias as viaturas para uso pessoal e familiar, cartões de crédito, despesas de representação, combustível, telefones, férias pessoais e familiares “em serviço”, rendas de casa, salários de empregados domésticos, etc.

Naturalmente esses valores, livres de alguns impostos, aumentam significativamente os valores dos salários de base “reais” desses empregados e diminuem globalmente o peso dos impostos sobre os respectivos rendimentos.

Não tenho elementos estatísticos para ponderar o peso dessas mordomias no salário de base e, por conseguinte, no aumento que representam no salário realmente recebido pelo empregado e na correspondente diminuição do peso dos impostos pagos por estes empregados. Mas esses valores são, sem dúvida, significativos, pois as mordomias, quando existentes, não são pequenas e estão livres de muitos impostos.

Se pudéssemos ponderar o valor dessas mordomias no salário de base, penso que facilmente concluiríamos que haverá um “ponto” na escala salarial aonde o peso dos impostos sobre os salários de base realmente auferidos por alguns empregados, começa a diminuir em vez de aumentar.
Ou seja, a tão propagada justiça tributária de que paga mais quem mais ganha só o é para aqueles que não auferem um salário suficientemente alto na escala salarial!

Como veremos a situação é bem pior, pois muitas desses empregados também têm direitos de acesso à “redistribuição” da riqueza nacional promovida pelo Estado em montantes significativamente maiores do que quem paga, percentualmente, mais impostos.

Merece ainda uma reflexão particular o extracto da população portuguesa constituído pelas pessoas que integram a classe politica, o funcionalismo público, as autarquias, as empresas e instituições públicas ou subvencionadas, parcial ou integralmente, por dinheiros públicos uma vez que não só o seu número é muitíssimo elevado como representam um peso significativo no conjunto da população activa do País.

Este extracto da população portuguesa representa uma autêntica “aristocracia de serviço” na medida em que o seu nível de vida dependem exclusiva ou essencialmente do Estado ou seja da redistribuição da riqueza nacional aí concentrada através dos impostos e do exercício do seu poder discricionário.

Essa “aristocracia de serviço” conseguiu, nos últimos anos, não só assegurar uma remuneração independente do volume e qualidade de serviços por si prestados ao País como elevou os seus salários “reais” bem acima da média da sociedade civil portuguesa.
Aliás os salários dos altos funcionários públicos e para – públicos portugueses situam-se entre os mais altos da Europa comunitária.

Contudo se o poder discricionário dessa “aristocracia de serviço” lhes permitiu assegurar um aumento contínuo dos seus salários reais (inclusive em empresas publicas deficitárias) à custa do crescente aumento de impostos também possibilitou o surgimento, dentro dela, de diferenças muito elevadas.

As elites dessa “aristocracia de serviço”, socorrendo-se da necessidade de modernizar o Estado Português descobriu algo mais elaborado para aumentar as regalias dos seus “servidores”: a “privatização limitada” e a criação de Institutos Públicos.
Como digo atrás, a desculpa para tal é a “modernização” da administração pública e a elevação da eficiência introduzida por uma gestão de tipo privado.

Contudo a eficiência privada é muito mais induzida pelo risco das consequenciais ao castigo sobre a incompetência, ou seja o medo à falência, do que pelos métodos de gestão, em si.
Ora as privatizações do Estado são, em geral, “privatizações limitadas” pois estas continuam dirigidas por membros dessa aristocracia (por força das “goldenshare”) e continuam protegidas de múltiplas formas de concorrência, inclusive até pela injecção de dinheiros públicos e por privilégios suportados no poder discricionário do Estado.
Os Institutos Públicos continuam a ser subvencionados, integral ou parcialmente, pelo Estado como já o eram as Direcções Gerais que lhes deram origem.
Ou seja, uns e outros não estão sujeitos, de facto, às regras da concorrência e se eventuais falências ocorrerem isso faz-se à custa do dinheiro dos contribuintes e não do dinheiro dessa aristocracia.

A administração pública portuguesa pouco ou nada melhorou com a criação de centenas de Institutos e com muitas das “privatizações” efectuadas. Nem mesmo diminuiu o peso global das correspondentes despesas a suportar pelo Estado (pelo contrário!). Mas os seus quadros, em especial os superiores, não só auferem salários várias vezes superiores aos correspondentes nas extintas Direcções Gerais ou empresas públicas como passaram a auferir de elevadas mordomias isentas de impostos.

Parece-me não oferecer dúvidas que se todos os portugueses tivessem salários “reais” elevados (e alguns têm) seria muito bom para todo o País, e não só para os próprios.

Contudo, o que se passa, é que o Estado, por um lado impõe pesados impostos aos cidadãos de uma parte da sociedade portuguesa (70% do salário de base) e por outro lado concede isenções fiscais significativas a outra parte da sociedade.

Embora não disponha de dados estatísticos que o confirmem; pelo sistema existente e como ele funciona, não me admiraria que, em Portugal, a “classe média civil” fosse um “contribuinte líquido” (entrega, em impostos, mais ao Estado do que aquilo que recebe) enquanto que a “aristocracia de serviço” é um “receptor líquido” (recebe mais do Estado do que lhe entrega em impostos).
Isso pode significar que enquanto a sociedade civil portuguesa pretende menos impostos, a “aristocracia de serviço” estará interessada em aumentá-los não só porque sente menos os seus efeitos como é deles beneficiário líquido.

Vamos ver seguidamente como esta conclusão se reforça quando se reflecte sobre o peso dos impostos nas empresas.

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