Sobre as empresas
Até agora tratámos dos impostos a pagar pelos cidadãos e do peso destes sobre os seus rendimentos. Debrucemo-nos agora sobre as empresas.
Os cidadãos são entidades concretas e, por isso, integralmente responsabilizáveis. Inclusive a sua responsabilidade pode não só assumir formas físicas (por exemplo, restrições à respectiva liberdade) como formas morais.
As empresas são entidades abstractas (entidades jurídicas) e, normalmente, só são responsabilizáveis até ao nível do seu capital e património.
Em muitos países desenvolvidos, em especial os anglo-saxónicos, a responsabilidade dos actos das empresas é cada vez mais susceptível de imputação aos respectivos gestores. Neste caso, há alguma aproximação entre o tipo de responsabilidade exigível ao cidadão e à empresa (através dos seus gestores), na medida em que passa a haver alguém, que é uma entidade concreto e já não só jurídica, que pode sofrer de responsabilidade algo semelhante à que se aplica a um ser humano concreto.
Mas em Portugal isso está longe de acontecer, pelo que as empresas apenas respondem até ao limite do seu capital e património.
Por isso é comum, a quem lida com problemas de falências e de recuperação de dívidas empresariais, encontrar os mesmos gestores em dezenas de empresas (algumas, tacitamente) falidas ou sem património, portanto incapazes de poderem assumir as responsabilidades que esses gestores, concretos, tomaram em “nome” dessas empresas.
Por vezes é a própria lei que protege essas empresas dos credores! Mas, quem protege a sociedade dessas empresas e desses gestores?
Por outro lado o ser humano deve constituir (e constitui, em algumas sociedades) o “centro” do que deve ser a “evolução” nas sociedades humanas.
Contudo, com frequência, não é isso que se observa nas políticas desenvolvidas pelas elites de muitas sociedades; embora, seja certo que, as sociedades democráticas, são muitíssimo mais sensíveis a tal que outros tipos de sociedades.
Contudo, em Portugal, face aos impostos (e até a algumas outras disposições legais), as empresas têm vantagens significativas relativamente aos cidadãos. As empresas não só são “menos” responsabilizáveis como, nomeadamente, pagam bastante menos impostos que os cidadãos.
As percentagens de IRC não só são, em geral, menores que as de IRS como há múltiplos sectores e actividades empresariais protegidas com taxas mais baixas que as do respectivo regime geral. É o caso, por exemplo, do sector bancário (de que se fala com frequência) embora esteja muito longe de ser o único.
Aliás não posso aqui deixar de expressar a minha admiração pela forma como alguns defendem esta atitude discricionária para com a Banca: de que a protecção fiscal dada à Banco portuguesa tem sido indispensável à modernização e à aquisição da competitividade tão necessária a este sector.
Não duvido que tal tenha sido necessário ao sector bancário. Mas também não duvido que os restantes sectores económicos do País deveriam ter idêntica protecção, para que pudessem atingir semelhante modernização e capacidade competitiva.
Ou seja, se os impostos do regime geral são elevados para alguns sectores ou investimentos de origem autóctone (ou estrangeira) também serão, com certeza, elevados para os outros sectores da economia nacional!
Este tipo de comportamento discricionário do Estado, relativamente a um ou outro sector ou investimento, impede uma competição sã (e transparente) dentro da economia nacional, pode induzir distorções inter sectoriais (muitas vezes graves a médio e longo prazo) e induz o “arbítrio administrativo”, susceptível a interesses políticos e corporativos e, mesmo, à corrupção.
Não é por acaso que os países anglo-saxónicos impõem fortes cuidados (e restrições) à capacidade do Estado fixar e alterar impostos e outras taxas, bem como em conceder isenções ou excepções aos regimes fiscais gerais. A simplicidade e transparência dos seus sistemas fiscais são notórias.
Em oposição aos cidadãos, também as empresas não pagam impostos sobre o consumo, pois estes são-lhe devolvidos ou integrados nas suas despesas.
Deste modo, por exemplo, quando um cidadão come em casa é consumo; quando come na cantina é despesa ou investimento da empresa. Sobre o que come em casa a sociedade, através do cidadão, paga imposto; sobre o que come na cantina, a sociedade, através da empresa, não paga imposto!
Até agora tratámos dos impostos a pagar pelos cidadãos e do peso destes sobre os seus rendimentos. Debrucemo-nos agora sobre as empresas.
Os cidadãos são entidades concretas e, por isso, integralmente responsabilizáveis. Inclusive a sua responsabilidade pode não só assumir formas físicas (por exemplo, restrições à respectiva liberdade) como formas morais.
As empresas são entidades abstractas (entidades jurídicas) e, normalmente, só são responsabilizáveis até ao nível do seu capital e património.
Em muitos países desenvolvidos, em especial os anglo-saxónicos, a responsabilidade dos actos das empresas é cada vez mais susceptível de imputação aos respectivos gestores. Neste caso, há alguma aproximação entre o tipo de responsabilidade exigível ao cidadão e à empresa (através dos seus gestores), na medida em que passa a haver alguém, que é uma entidade concreto e já não só jurídica, que pode sofrer de responsabilidade algo semelhante à que se aplica a um ser humano concreto.
Mas em Portugal isso está longe de acontecer, pelo que as empresas apenas respondem até ao limite do seu capital e património.
Por isso é comum, a quem lida com problemas de falências e de recuperação de dívidas empresariais, encontrar os mesmos gestores em dezenas de empresas (algumas, tacitamente) falidas ou sem património, portanto incapazes de poderem assumir as responsabilidades que esses gestores, concretos, tomaram em “nome” dessas empresas.
Por vezes é a própria lei que protege essas empresas dos credores! Mas, quem protege a sociedade dessas empresas e desses gestores?
Por outro lado o ser humano deve constituir (e constitui, em algumas sociedades) o “centro” do que deve ser a “evolução” nas sociedades humanas.
Contudo, com frequência, não é isso que se observa nas políticas desenvolvidas pelas elites de muitas sociedades; embora, seja certo que, as sociedades democráticas, são muitíssimo mais sensíveis a tal que outros tipos de sociedades.
Contudo, em Portugal, face aos impostos (e até a algumas outras disposições legais), as empresas têm vantagens significativas relativamente aos cidadãos. As empresas não só são “menos” responsabilizáveis como, nomeadamente, pagam bastante menos impostos que os cidadãos.
As percentagens de IRC não só são, em geral, menores que as de IRS como há múltiplos sectores e actividades empresariais protegidas com taxas mais baixas que as do respectivo regime geral. É o caso, por exemplo, do sector bancário (de que se fala com frequência) embora esteja muito longe de ser o único.
Aliás não posso aqui deixar de expressar a minha admiração pela forma como alguns defendem esta atitude discricionária para com a Banca: de que a protecção fiscal dada à Banco portuguesa tem sido indispensável à modernização e à aquisição da competitividade tão necessária a este sector.
Não duvido que tal tenha sido necessário ao sector bancário. Mas também não duvido que os restantes sectores económicos do País deveriam ter idêntica protecção, para que pudessem atingir semelhante modernização e capacidade competitiva.
Ou seja, se os impostos do regime geral são elevados para alguns sectores ou investimentos de origem autóctone (ou estrangeira) também serão, com certeza, elevados para os outros sectores da economia nacional!
Este tipo de comportamento discricionário do Estado, relativamente a um ou outro sector ou investimento, impede uma competição sã (e transparente) dentro da economia nacional, pode induzir distorções inter sectoriais (muitas vezes graves a médio e longo prazo) e induz o “arbítrio administrativo”, susceptível a interesses políticos e corporativos e, mesmo, à corrupção.
Não é por acaso que os países anglo-saxónicos impõem fortes cuidados (e restrições) à capacidade do Estado fixar e alterar impostos e outras taxas, bem como em conceder isenções ou excepções aos regimes fiscais gerais. A simplicidade e transparência dos seus sistemas fiscais são notórias.
Em oposição aos cidadãos, também as empresas não pagam impostos sobre o consumo, pois estes são-lhe devolvidos ou integrados nas suas despesas.
Deste modo, por exemplo, quando um cidadão come em casa é consumo; quando come na cantina é despesa ou investimento da empresa. Sobre o que come em casa a sociedade, através do cidadão, paga imposto; sobre o que come na cantina, a sociedade, através da empresa, não paga imposto!
Quando o cidadão compra uma viatura é consumo, quando a empresa lha compra é investimento.
Por isso a viatura que a empresa fornece é como que um investimento para o “bem” da sociedade e, por isso, não paga impostos. Quando a mesma viatura é adquirida pelo cidadão, tal é considerado como consumo e, como tal, como uma despesa social - um prejuízo para a sociedade, pelo que tem de pagar impostos!
Por isso a viatura que a empresa fornece é como que um investimento para o “bem” da sociedade e, por isso, não paga impostos. Quando a mesma viatura é adquirida pelo cidadão, tal é considerado como consumo e, como tal, como uma despesa social - um prejuízo para a sociedade, pelo que tem de pagar impostos!
Um, a empresa, não paga imposto porque pratica um bem para a sociedade, um investimento; enquanto o outro, o cidadão paga imposto, porque pratica consumo, um prejuízo social.
Neste quadro, neste tipo de sistema fiscal, está subentendido que os actos empresariais visam exclusivamente a prática de investimentos ou despesas necessárias à preservação da respectiva actividade e da responsabilidade social que assumem. Por isso, as empresas, pagam menos impostos ou, até, são subsidiadas pelo Estado.
Em oposição, quando o cidadão pratica actos semelhantes para se preservar vivo, se multiplicar, se educar, etc., não é subentendido que está a fazer investimento para benefício da sociedade aonde se integra! Pelo contrário, essas despesas são consideradas desperdício da riqueza nacional e por isso o cidadão tem de ser desincentivado a tal através de impostos brutais, comparativamente aos das empresas.
A talhe do foice, e porque o objectivo desta reflexão é ponderar a Crise em Portugal, refira-se que muitos dos intelectuais e políticos, portugueses, acham que a actual (!) Crise se resolve aumentando as exportações e não o consumo interno; subentenda-se, aumentar a “produção” e (ou) manter-se ou diminuir-se o consumo do cidadão!
Consequentemente, as medidas apontadas por tais pessoas são o aumento (ainda maior!) dos incentivos às empresas e o aumento (ainda maior!) dos impostos sobre os cidadãos!
De modo semelhante, quando o Estado e políticos falam em combate à fuga fiscal estão-se sempre a referir à fuga fiscal dos (desgraçados dos) cidadãos portugueses e não à fuga fiscal das empresas!
Sob o ponto de vista conceptual e num quadro político e societário de reforço da cidadania e da democracia, não entendo porque o cidadão tem de ser fiscalmente tão fortemente desfavorecido relativamente às empresas e, de forma tão brutal e discricionária, como o é em Portugal.
Como é natural a sociedade portuguesa foi-se ajustando a tal estado de coisas (aliás, de muito longa duração, embora sob outras “roupagens”!).
É evidente que, dentro do que lhes é possível, as pessoas procuram agir de forma racional aos “indicadores” e alavancas que as suas sociedades e Estados lhes apontam e oferecem, inclusive em termos dos valores éticos que criam e praticam.
Como as empresas pagam menos impostos e são, intrinsecamente, irresponsabilizáveis em Portugal, os cidadãos põem-se a criar “empresas” por todo o lado (incluo nisso, também, alguma da actividade liberal existente).
Deste modo, por exemplo, a viatura que algum cidadão adquire e que constituía consumo - portanto susceptível a pagar certos impostos; passa a ser considerada, quando adquirida por uma empresa, como investimento - por conseguinte sujeito a menos impostos ou, mesmo, a nenhum imposto, já que passou a constituir despesa de uma empresa! Com alguma habilidade também ainda são capazes de ir buscar ao Estado algo mais do que lhe entregaram a título de “retenções na fonte”!
Talvez exagere a minha apreciação, mas parece-me que basta dar uma vista de olhos pelas várias zonas comerciais do País e observar o número de frequentadores de algumas lojas e até do tipo de produtos à venda para deduzir que devem “encobrir” outras actividades como, por exemplo, a fuga aos impostos!
Penso não ser difícil a um fiscalista calcular o tipo e volume de despesas, a partir do qual é mais vantajoso ao cidadão fazê-las através da “sua” empresa do que de si próprio!
As empresas, para além das protecções fiscais atrás referidas, ainda têm a possibilidade de se estabelecerem, legalmente, em offshore's, pelo que ainda pagam menos impostos que os já baixos impostos a que estão sujeitos relativamente aos cidadãos.
De facto, o sistema de impostos está estruturado, em Portugal, para retirar o máximo dinheiro possível aos cidadãos (em média, 70% do salário de base ilíquido), e não às empresas.
É um sistema profundamente anti democrático, num País que se diz possuidor de uma das constituições democráticas mais avançada (!) da Europa.
É um sistema que protege o forte contra o fraco!
É, de facto, um sistema contra a cidadania! E, é um sistema profundamente cínico, porque fundamenta tal estado de coisas como se tal protegesse essa mesma cidadania!
Como querem que o cidadão, “o comum”, se identifique com este Estado?
Aliás, quem ficará preocupado se o cidadão português se identifica mais ou menos com o seu Estado (ou se as taxas de “abstenção” são crescentes), desde que esse cidadão pague os impostos que lhe são impostos e, deste modo, continue a sustentar a pesada “aristocracia de serviço” que dirige o País?
Continuando a olhar as empresas.
As empresas retêm os 23% relativos aos salários de base dos seus empregados e os 11% que os empregados devem, também, entregar ao Estado (Segurança Social). Ou seja, cerca de 34% de massa salarial.
É sem dúvida muitíssimo dinheiro, em especial numa empresa de trabalho intensivo. Seria sem dúvida um bom “lucro” se esses montantes pudessem ser retidos ad infinitum. E, é o que muitas empresas fazem: retêm esses valores o mais que podem e chegam, mesmo, ao ponto de entrar em falência - mais que justificada(!) por aquela massa monetária muitas vezes acumulada anos a fio e a que se associam outras retenções na fonte!
O que é terrível, é que é possível, legalmente, preservar esse “círculo” ad infinitum e sob gestão das mesmas pessoas: a criação e falência de sucessivas empresas com os mesmos donos e gestores, nunca responsabilizáveis pelos seus actos. E muitas vezes o Estado ainda lhes perdoa as respectivas dívidas ou até subvenciona a sua preservação com subsídios adicionais e isenções fiscais, em especial se forem “grandes” empresas (e não, apenas, empresas de “esquina”).
Quem sustenta esta depredação contínua da riqueza nacional?
Basta ponderar sobre quem paga a maior parte dos impostos em Portugal para ficar bem claro que, parte significativa desse peso, é suportado pelos cidadãos e não pelas empresas.
Concluindo: apesar dos impostos constituírem, formal e efectivamente, um pesado fardo para os portugueses, de facto a lei proporciona, a uns, muitas excepções e, a outros, obriga-os ou convida-os à criminalidade, enquanto fuga ao fisco. Inclusive, convida ao uso de formas mais elaboradas (e legalizadas), como a “empresalização” do consumo privado, a “falência sucessiva” (às vezes, até premiada pelo Estado), colocação de sedes de actividades em paraísos fiscais, etc.
Daqui podemos concluir que, enquanto muitos portugueses (penso que a maior parte) mal podem “respirar” – tal o sufoco dos impostos, outros podem viver sem se dar conta deles.
Entre os dois extremos, alguns vão-se safando; não muito, porque 20% da população portuguesa vive abaixo do nível de pobreza e grande parte dos restantes não está muito longe disso segundo os padrões europeus.
Não pretendo com o que acabo de expor afirmar que as empresas portuguesas pagam impostos leves, por exemplo quando comparados com outros países europeus que têm uma economia pujante e em crescimento há mais que uma década.
Pretendo sim afirmar que as empresas, em Portugal, possuem, em geral, um sistema de impostos significativamente mais leve que o relativo aos cidadãos e as probabilidades de fuga ao fisco pelas empresas é muitíssimo maior e menos perseguido pelo Estado Português que a dos cidadãos.
Pretendo afirmar que há um forte “arbítrio administrativo” (e naturalmente, pouco transparente) dentro dos sectores empresariais quanto a isenções fiscais, taxas preferenciais de impostos, perdão de dívidas fiscais, subvenções, etc.
Isso favorece a criação, preservação e desenvolvimento de fortes Corporações com o fim de manterem as “excepcionalidades” conquistadas para si e, até, as ampliarem e favorece o surgimento de múltiplas formas de corrupção.
Em conjunto, tudo isso, cria uma forte desconfiança do cidadão, e até das empresas (investidores), relativamente ao Estado. Nada lhes deve parecer transparente, as excepções são mais que muitas, o rigor da lei é para alguns e não para todos; ou seja, o Estado não lhes pode parecer ser uma “pessoa de bem”.
Estou convencido que não só os impostos sobre os cidadãos são elevadíssimos, como os impostos sobre as empresas são elevadas, independentemente de serem aplicados “igualmente” a “todos”, os respectivos regimes gerais.
Aliás, foi isso mesmo que acabou por ter conduzido à “aceitação tácita” por parte do Estado Português para se legalizar as múltiplas excepções fiscais aos respectivos regimes gerais.
Disso é também consequência, o desenvolvimento, pelo Estado Português, de uma politica discricionária de luta à evasão fiscal, na medida em que esta é essencialmente orientada contra o cidadão (porque menos organizado e mais indefeso) do que contra os interesses, organizados, das empresas e Corporações.
Os seus efeitos são contudo devastadores, quer a nível dos valores societários que desenvolvem no País e que o filósofo José Gil bem retracta, quer porque criaram distorções significativas na sociedade portuguesa; distorções que constituem gravem bloqueios ao seu desenvolvimento.
Apesar das excepções aos regimes gerais respectivos (das pessoas singulares e colectivas), o Estado Português continua a ser praticamente a única entidade nacional capaz de assumir iniciativas socialmente significativas, de origem autóctone, pois a maior parte das empresas portuguesas, mesmo as que têm um elevado volume de negócios, continuam fortemente dependentes do Estado: do seu poder administrativo–discricionário (porque permissivo à “excepção”), da protecção fiscal, dos subsídios, das encomendas públicas, etc.
Continuo convicto que o Estado Português está estruturado fiscalmente (consciente ou inconscientemente) para restringir o exercício “independente” da cidadania aos cidadãos e às empresas portuguesas, quer esmagando os primeiros com impostos quer “administrando” prémios e castigos aos segundos de acordo com um sistema fiscal pouco transparente e fortemente discricionário.
É certo que o Estado Português não é apenas uma entidade abstracta e impessoal. O Estado é dirigido e “usufruído” por uma forte e ampla “aristocracia de serviço”, pelo que o actual estado de coisas é do interesse de "muitos" – "muitos", que são mais hoje, que somos uma “democracia”, do que o eram, ontem, com o fascismo.
Neste quadro, neste tipo de sistema fiscal, está subentendido que os actos empresariais visam exclusivamente a prática de investimentos ou despesas necessárias à preservação da respectiva actividade e da responsabilidade social que assumem. Por isso, as empresas, pagam menos impostos ou, até, são subsidiadas pelo Estado.
Em oposição, quando o cidadão pratica actos semelhantes para se preservar vivo, se multiplicar, se educar, etc., não é subentendido que está a fazer investimento para benefício da sociedade aonde se integra! Pelo contrário, essas despesas são consideradas desperdício da riqueza nacional e por isso o cidadão tem de ser desincentivado a tal através de impostos brutais, comparativamente aos das empresas.
A talhe do foice, e porque o objectivo desta reflexão é ponderar a Crise em Portugal, refira-se que muitos dos intelectuais e políticos, portugueses, acham que a actual (!) Crise se resolve aumentando as exportações e não o consumo interno; subentenda-se, aumentar a “produção” e (ou) manter-se ou diminuir-se o consumo do cidadão!
Consequentemente, as medidas apontadas por tais pessoas são o aumento (ainda maior!) dos incentivos às empresas e o aumento (ainda maior!) dos impostos sobre os cidadãos!
De modo semelhante, quando o Estado e políticos falam em combate à fuga fiscal estão-se sempre a referir à fuga fiscal dos (desgraçados dos) cidadãos portugueses e não à fuga fiscal das empresas!
Sob o ponto de vista conceptual e num quadro político e societário de reforço da cidadania e da democracia, não entendo porque o cidadão tem de ser fiscalmente tão fortemente desfavorecido relativamente às empresas e, de forma tão brutal e discricionária, como o é em Portugal.
Como é natural a sociedade portuguesa foi-se ajustando a tal estado de coisas (aliás, de muito longa duração, embora sob outras “roupagens”!).
É evidente que, dentro do que lhes é possível, as pessoas procuram agir de forma racional aos “indicadores” e alavancas que as suas sociedades e Estados lhes apontam e oferecem, inclusive em termos dos valores éticos que criam e praticam.
Como as empresas pagam menos impostos e são, intrinsecamente, irresponsabilizáveis em Portugal, os cidadãos põem-se a criar “empresas” por todo o lado (incluo nisso, também, alguma da actividade liberal existente).
Deste modo, por exemplo, a viatura que algum cidadão adquire e que constituía consumo - portanto susceptível a pagar certos impostos; passa a ser considerada, quando adquirida por uma empresa, como investimento - por conseguinte sujeito a menos impostos ou, mesmo, a nenhum imposto, já que passou a constituir despesa de uma empresa! Com alguma habilidade também ainda são capazes de ir buscar ao Estado algo mais do que lhe entregaram a título de “retenções na fonte”!
Talvez exagere a minha apreciação, mas parece-me que basta dar uma vista de olhos pelas várias zonas comerciais do País e observar o número de frequentadores de algumas lojas e até do tipo de produtos à venda para deduzir que devem “encobrir” outras actividades como, por exemplo, a fuga aos impostos!
Penso não ser difícil a um fiscalista calcular o tipo e volume de despesas, a partir do qual é mais vantajoso ao cidadão fazê-las através da “sua” empresa do que de si próprio!
As empresas, para além das protecções fiscais atrás referidas, ainda têm a possibilidade de se estabelecerem, legalmente, em offshore's, pelo que ainda pagam menos impostos que os já baixos impostos a que estão sujeitos relativamente aos cidadãos.
De facto, o sistema de impostos está estruturado, em Portugal, para retirar o máximo dinheiro possível aos cidadãos (em média, 70% do salário de base ilíquido), e não às empresas.
É um sistema profundamente anti democrático, num País que se diz possuidor de uma das constituições democráticas mais avançada (!) da Europa.
É um sistema que protege o forte contra o fraco!
É, de facto, um sistema contra a cidadania! E, é um sistema profundamente cínico, porque fundamenta tal estado de coisas como se tal protegesse essa mesma cidadania!
Como querem que o cidadão, “o comum”, se identifique com este Estado?
Aliás, quem ficará preocupado se o cidadão português se identifica mais ou menos com o seu Estado (ou se as taxas de “abstenção” são crescentes), desde que esse cidadão pague os impostos que lhe são impostos e, deste modo, continue a sustentar a pesada “aristocracia de serviço” que dirige o País?
Continuando a olhar as empresas.
As empresas retêm os 23% relativos aos salários de base dos seus empregados e os 11% que os empregados devem, também, entregar ao Estado (Segurança Social). Ou seja, cerca de 34% de massa salarial.
É sem dúvida muitíssimo dinheiro, em especial numa empresa de trabalho intensivo. Seria sem dúvida um bom “lucro” se esses montantes pudessem ser retidos ad infinitum. E, é o que muitas empresas fazem: retêm esses valores o mais que podem e chegam, mesmo, ao ponto de entrar em falência - mais que justificada(!) por aquela massa monetária muitas vezes acumulada anos a fio e a que se associam outras retenções na fonte!
O que é terrível, é que é possível, legalmente, preservar esse “círculo” ad infinitum e sob gestão das mesmas pessoas: a criação e falência de sucessivas empresas com os mesmos donos e gestores, nunca responsabilizáveis pelos seus actos. E muitas vezes o Estado ainda lhes perdoa as respectivas dívidas ou até subvenciona a sua preservação com subsídios adicionais e isenções fiscais, em especial se forem “grandes” empresas (e não, apenas, empresas de “esquina”).
Quem sustenta esta depredação contínua da riqueza nacional?
Basta ponderar sobre quem paga a maior parte dos impostos em Portugal para ficar bem claro que, parte significativa desse peso, é suportado pelos cidadãos e não pelas empresas.
Concluindo: apesar dos impostos constituírem, formal e efectivamente, um pesado fardo para os portugueses, de facto a lei proporciona, a uns, muitas excepções e, a outros, obriga-os ou convida-os à criminalidade, enquanto fuga ao fisco. Inclusive, convida ao uso de formas mais elaboradas (e legalizadas), como a “empresalização” do consumo privado, a “falência sucessiva” (às vezes, até premiada pelo Estado), colocação de sedes de actividades em paraísos fiscais, etc.
Daqui podemos concluir que, enquanto muitos portugueses (penso que a maior parte) mal podem “respirar” – tal o sufoco dos impostos, outros podem viver sem se dar conta deles.
Entre os dois extremos, alguns vão-se safando; não muito, porque 20% da população portuguesa vive abaixo do nível de pobreza e grande parte dos restantes não está muito longe disso segundo os padrões europeus.
Não pretendo com o que acabo de expor afirmar que as empresas portuguesas pagam impostos leves, por exemplo quando comparados com outros países europeus que têm uma economia pujante e em crescimento há mais que uma década.
Pretendo sim afirmar que as empresas, em Portugal, possuem, em geral, um sistema de impostos significativamente mais leve que o relativo aos cidadãos e as probabilidades de fuga ao fisco pelas empresas é muitíssimo maior e menos perseguido pelo Estado Português que a dos cidadãos.
Pretendo afirmar que há um forte “arbítrio administrativo” (e naturalmente, pouco transparente) dentro dos sectores empresariais quanto a isenções fiscais, taxas preferenciais de impostos, perdão de dívidas fiscais, subvenções, etc.
Isso favorece a criação, preservação e desenvolvimento de fortes Corporações com o fim de manterem as “excepcionalidades” conquistadas para si e, até, as ampliarem e favorece o surgimento de múltiplas formas de corrupção.
Em conjunto, tudo isso, cria uma forte desconfiança do cidadão, e até das empresas (investidores), relativamente ao Estado. Nada lhes deve parecer transparente, as excepções são mais que muitas, o rigor da lei é para alguns e não para todos; ou seja, o Estado não lhes pode parecer ser uma “pessoa de bem”.
Estou convencido que não só os impostos sobre os cidadãos são elevadíssimos, como os impostos sobre as empresas são elevadas, independentemente de serem aplicados “igualmente” a “todos”, os respectivos regimes gerais.
Aliás, foi isso mesmo que acabou por ter conduzido à “aceitação tácita” por parte do Estado Português para se legalizar as múltiplas excepções fiscais aos respectivos regimes gerais.
Disso é também consequência, o desenvolvimento, pelo Estado Português, de uma politica discricionária de luta à evasão fiscal, na medida em que esta é essencialmente orientada contra o cidadão (porque menos organizado e mais indefeso) do que contra os interesses, organizados, das empresas e Corporações.
Os seus efeitos são contudo devastadores, quer a nível dos valores societários que desenvolvem no País e que o filósofo José Gil bem retracta, quer porque criaram distorções significativas na sociedade portuguesa; distorções que constituem gravem bloqueios ao seu desenvolvimento.
Apesar das excepções aos regimes gerais respectivos (das pessoas singulares e colectivas), o Estado Português continua a ser praticamente a única entidade nacional capaz de assumir iniciativas socialmente significativas, de origem autóctone, pois a maior parte das empresas portuguesas, mesmo as que têm um elevado volume de negócios, continuam fortemente dependentes do Estado: do seu poder administrativo–discricionário (porque permissivo à “excepção”), da protecção fiscal, dos subsídios, das encomendas públicas, etc.
Continuo convicto que o Estado Português está estruturado fiscalmente (consciente ou inconscientemente) para restringir o exercício “independente” da cidadania aos cidadãos e às empresas portuguesas, quer esmagando os primeiros com impostos quer “administrando” prémios e castigos aos segundos de acordo com um sistema fiscal pouco transparente e fortemente discricionário.
É certo que o Estado Português não é apenas uma entidade abstracta e impessoal. O Estado é dirigido e “usufruído” por uma forte e ampla “aristocracia de serviço”, pelo que o actual estado de coisas é do interesse de "muitos" – "muitos", que são mais hoje, que somos uma “democracia”, do que o eram, ontem, com o fascismo.
Sem comentários:
Enviar um comentário