domingo, agosto 07, 2005

A “competência por eleição” e Portugal

Desde há muito que a situação em que se encontra Portugal é o tema obrigatório de comentadores, de especialistas e, em geral, dos cidadãos portugueses.

É comum, em praticamente tudo o que se ouve e lê, encontrar frequentes referências à incompetência com que Portugal é governado.

É a incompetência nas Câmaras, por exemplo pelo tipo de urbanização que promovem, a incompetência do Governo quer pelo tipo de projectos que desenvolvem como pela forma como os gerem e, em geral, gerem o País, é a incompetência (e falta de eficácia) da administração pública em quase tudo o que faz, …

A incompetência governativa (em sentido lato) é a marca mais destacada por todos os que se debruçam sobre o que se tem passado em Portugal nos últimos anos.

A incompetência é, pois, o tipo de avaliação que os cidadãos portugueses fazem dos resultados da acção governativa: investimentos não rentáveis ou até inúteis, re-organizações da administração pública que deixam tudo na mesma (com excepção das despesas, que aumentam sempre), sucessivos acréscimos de impostos (e correspondente empobrecimento dos cidadãos) para equilíbrio de um orçamento de estado sempre em desequilíbrio crescente, etc.

É, contudo, de salientar que grande parte dessas acções, decididas e executadas pelos sucessivos governos de Portugal, são justificadas aos portugueses como tratando-se de as opções políticas de quem governa.

Por opção política se decide: sobre obras, sobre institutos públicos, sobre impostos, sobre sistema de justiça, sobre administração pública, etc; a opção política parece ser a única forma que “informa” e justifica o processo de decisão do Estado Português, em praticamente tudo o que faz.

Ora a opção política é, frequentemente, algo do domínio pessoal (ou do grupo) de quem manda. A opção política é auto – justificativa; não precisa de nada que a sustente - é opção política e basta!

Mesmo a Lei, face à opção política, tem poucas hipóteses de subsistir: altera-se a Lei para satisfazer a opção política.

Com o desenvolvimento do conhecimento científico (em especial no domínio das ciências sociais – económicas e gestão), por toda a Europa, parte significativa das decisões governativas deixou de ser exclusivamente “informada” pela opção política.

Nos países desenvolvidos, grande parte da decisão, mesmo a que poderá ser considerada de essencialmente política, é orientada por prévia e cuidada avaliação técnica (em sentido lato) e por um profundo “sentido de Estado” quer quanto aos “objectivos” a alcançar quer quanto aos consequentes efeitos sobre o conjunto da sociedade.

Ou seja, desde há muito, que os políticos europeus cederam a instituições técnicas (e científicas) não só a avaliação de grande parte das decisões governativas como, muitas vezes, cederam, mesmo, a respectiva tomada de decisão.

Aliás, a própria decisão governativa deixou de poder intervir directamente em algumas áreas da intervenção pública e, em outras áreas, há mecanismos de contra-poder que restringem a “capacidade de livre arbítrio” do governo.

Mais ainda, quando os políticos forçam decisões (políticas) contra as opções escolhidas pelas instituições técnicos são pessoalmente responsabilizáveis pelas consequenciais das suas decisões; normalmente, se algo correr mal, a carreira desses políticos chegou ao fim (isso sim, é responsabilizar politicamente alguém: a sua carreira politica acaba!).

Por isso, os lugares de topo da administração pública nos Países desenvolvidos são ocupados por técnicos e não por políticos eleitos ou técnicos nomeados a cada mudança política.

Por isso, nos EUA e nos países europeus, as Universidades, Institutos de Investigação e Agências de Estudos Avançados (públicos e privados) são parceiros contínuos como consultores da administração pública e da governação.

Mais, em sociedades democráticas, pela sua própria concepção, é muitíssimo mais importante a eficácia (e racionalidade) da “decisão” do que em sociedades não – democráticas.

E é mais importante, porquê? Porque a decisão governativa “atinge” todos os cidadãos e estes não podem estar sujeitos aos “erros” (ou às volúpias) de quem decide.

Melhor que nunca, hoje (século XXI), a Governação, ou seja a tomada de decisões, pode ser informada pelas poderosas ferramentas da Ciência.

A “decisão” deve ser, pois, não só devidamente “informada” como submetida a processos correctos de tomada de decisão; presentemente, a informação científica é a mais rigorosa e a que tem dado melhores resultados (inclusive quanto ao próprio “processo de decisão”) em todas as sociedades humanas.

Afirmar que “só não erra quem não faz”, como princípio de governação, constitui uma fórmula primária de raciocínio.

“Só não erra quem não faz”, é a fórmula do senso comum, não é a fórmula do pensamento racional e científico.

A “inteligência” (nas formas individual e colectiva) deve precisamente proporcionar a antecipação dos efeitos da decisão afim de se evitar o erro; o erro é, em geral, muitíssimo “caro”, irremediável e profundamente nefasto para os que sofrem os seus efeitos.

É um absurdo que “tanto” desenvolvimento científico (das ciências exactas às ciências económicas, de gestão e políticas) seja lançado “por um esgoto abaixo” quando o Governo Português “decide”.

Como é que Portugal chegou, pois, a um tal nível primário de tomada de decisão – o tipo de nível que, hoje, marca a forma de como “decidem” os nossos Governos (e cujos resultados estão á vista de todos)?

Por exemplo, a decisão sobre o TGV ou sobre uma novo aeroporto é, antes de uma decisão política, uma decisão técnica; a reorganização dos serviços públicos ou a criação de Institutos (que não serviram para “nada”, a não ser aumentar salários e a despesa pública) é, antes de uma decisão politica, uma decisão técnica; a construção de estádios de futebol ou “casas da música” é, antes da decisão politica, uma decisão técnica; etc.

É evidente que há questões conceptuais na organização do Estado Português que favorecem tal estado de coisas (o predomínio da decisão governamental por opção política), ou seja, favorecem a preservação da incompetência e a não-responsabilização dos políticos pelos actos que praticam.

Sem dúvida, constitui uma das causas de tal estado de coisas a promiscuidade derivada do poder executivo e do poder legislativo estarem subordinados ao primeiro-ministro. Ou seja, a República Portuguesa não possui um poder legislativo independente do poder executivo (e, a independência do poder judicial, é muito discutível!) – não entendo como os “altaneiros” republicanos portugueses andam caladinhos quanto a isso!

A isso, associa-se o facto de, após o 25 de Abril, a esquerda e a direita portuguesa terem passado a “minorar” todo um conjunto de valores que a nível nacional (e europeu) sempre foram tomados como referências sociais importantes: o trabalho, o saber fazer, a competência, o conhecimento científico, etc.

Assim, apesar da “paixão pela educação”, da “sociedade da informação”, do “choque tecnológico”, etc. o que se tem feito, em Portugal, foi minorar a competência científica e substitui-la pela competência (política) de quem é eleito (directamente ou “por arrasto”).

Em Portugal, considera-se que um qualquer cidadão, mal acabe de ser eleito, directamente ou “por arrasto” (ou seja, apenas eleito por constar de uma lista, embora “desconhecido” dos eleitores), torna-se automaticamente competente (competência por eleição) para “dirigir” o que quer que seja público ou para-público.

E, uma vez eleito (directamente ou “por arrasto”) nunca mais deixará de ocupar lugares de topo na administração pública ou para-pública, ou seja, adquire o direito a participar na dança das cadeiras.

Ou seja, essa competência adquirida por eleição não é considerada apenas uma competência exclusivamente política; ela é considerada, essencialmente, uma competência técnica porque os “eleitos”, de um dia para o outro, passaram a ter autoridade legal (e ética) para decidir sobre tudo e todos, com total autonomia.

[Os responsáveis dos “curso de gestão”, em Portugal, têm aqui um bom exemplo de como afinal é tão simples formar “gestores”: basta ensinar os seus alunos a serem eleitos!]

Parece-me que aqui está mais uma das causas do actual “estado” do País: “a competência por eleição”, a que se associou, em quase tudo o que se decide, a substituição da decisão técnica pela decisão politica, ou seja, pela decisão pessoal.

“Tudo” passou a ser uma “questão” de opção política, logo todo o “eleito” tem competência para decidir.

Ou seja, em Portugal, a decisão não só não precisa de ser sustentada em pareceres técnico-científicos como ainda é tomada por pessoas não-preparadas; frequentemente e inclusive, por pessoas sem curriculum, que nunca trabalharam na vida, a não ser nos gabinetes do respectivo partido.

Como pode ter passado pela “cabeça” de alguém de bom senso que, uma vez uma pessoa “eleita”, ela passou a ser competente, e mais: competente para fazer tudo o que lhe “apareça à frente”?

Evidentemente que pessoas não-preparadas têm um profundo desprezo pela técnica e pela ciência e um grande medo da sua independência; por isso o topo da administração pública, que é (ou devia ser) “técnica”, é mudado cada vez que muda o governo - assegurando-se assim o predomínio da opção politica sobre qualquer vislumbre (independente) de opção técnica e científica.

Como foi possível um Povo deixar-se cair neste tipo de governação?

Quem conduziu o País a esta situação?

Portugueses, o que se está a passar em Portugal? …

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