quarta-feira, julho 27, 2005

O Sistema Politico Francês

[Retirado de “A Sistémica” de Daniel Durand (Dinalivro)]

Pertencendo ao tipo de sistemas democráticos ocidentais, o sistema político-administrativo francês apresenta características particulares que fazem dele um caso especial. Os seus traços mais originais são, ainda no momento actual, uma forte centralização dos poderes, uma regulamentação abundante, dirigismo ainda com vitalidade e a existência de dois sistemas jurídicos distintos, privado e administrativo.

Esses traços diferenciadores conduzem a um certo fecho do sistema sobre ele próprio e a um isolamento no seio da sociedade civil. Michel Crozier e François de Closets descreveram bem os mecanismos do fenómeno burocratização que tendem a isolar esse sistema e, no interior deste, os grandes subsistemas componentes, a educação nacional ou a segurança social por exemplo.

A maior parte dos políticos parecem conscientes dos defeitos do sistema e esforçam-se por obter o remédio, mas de forma geralmente inadequada: é especialmente por mais regulamentação que se tenta corrigir os defeitos da regulamentação anterior, o que pode ser descrito pela fórmula de G. Bateson: “Quanto mais mudam as coisas mais ficam na mesma”.

Entre os numerosos exemplos de falsas mudanças do passado, pode citar-se o exemplo da RCB que se pretendia uma versão francesa de um modelo americano, o PPBS (Planning, Programming, Budgeting System). Empobreceu-se desde logo o conceito fazendo uma simples racionalização das escolhas orçamentais, que depois se esqueceu após algumas aplicações decepcionantes.

Uma tentativa interessante foi a do ministro Joseph Fontanet, ministro dos assuntos sociais nos anos 60, e sistemacista, que tentou introduzir um dispositivo autónomo de controlo dos encargos da segurança social mas não conseguiu convencer uma equipa ministerial demasiado ligada à tradição cartesiana.

Entretanto, certas decisões mais recentes seguem a via realmente sistémica de uma abertura e de uma flexibilização do sistema. As medidas de descentralização tomadas em 1981, particularmente em favor das províncias, começaram a fazer evoluir certos comportamentos e a opinião pública, avançada relativamente ao próprio sistema, aprovou essas medidas.

Em 1990, o primeiro-ministro empreendeu uma outra acção em profundidade: o objectivo era transformar estruturas, estatutos e comportamentos na função pública, introduzindo nomeadamente uma certa dose de auto - organização.

É desejável que estes ensaios, ainda tímidos, sejam rapidamente ampliados, se não se pretender acentuar novamente o divórcio entre os dois sistemas: o sistema sempre em mutação e quase versátil da sociedade civil e o sistema rígido e fechado do complexo político-administrativo.

Se essa ausência de adequação e de coerência entre os dois não se desfizer, o risco será grande, não de uma simples alternância politica no seio do sistema (ou seja, de uma forma de regulação), mas de uma mudança de tipo catastrófico do sistema político para um sistema autoritário, regressivo e xenófobo.

A difusão do pensamento sistémico deveria incitar os quadros políticos a reforçar rapidamente as primeiras medidas adoptadas, para uma melhor descentralização com vista a uma melhor repartição das responsabilidades por níveis, para um reforço das capacidades de auto - organização das múltiplas componentes do sistema administrativo (liceus, hospitais …) e para uma substituição das regulações autónomos aos regulamentos inadequados e ineficazes.

Nota Pessoal:

Independentemente do (elevado) interesse em conhecer-se o trabalho deste investigador (e deste livro), admirou-me esta brevíssima incursão (reflexão) sobre o sistema político francês, cuja tradição, desde há muito, influencia o sistema politico português, inclusive os nossos “republicanos”.

A coincidência, entre as reflexões de um especialista em sistémica (e investigador) e as minhas, relativamente à “interpretação sistémica” de sistemas humanos (sistemas complexos, fortemente sobredeterminados), foi uma agradável surpresa pois em geral os especialistas em sistémica (maioritariamente, oriundos das ciências exactas) raramente “penetram” na (tentativa de) interpretação de áreas que caiem na esfera das ciências politicas.

1 comentário:

Lucas Renan disse...

Um informativo simples, mas completo, "no ponto" digamos. Gostei muito! Parabéns Quelhas Mota.
De: Leitor/estudante da política francesa.