quarta-feira, abril 05, 2006

A Avaliação da Constituição


Aos 30 anos da Constituição Portuguesa não são poucos os jornais que vêm apresentando as mais diversas observações, reflexões e análises sobre a sua “actualidade”.

Em geral, todas as observações e avaliações à Constituição são relativas ao seu conteúdo em si. E neste quadro, não são poucos os que continuam a dizer que a Constituição Portuguesa é uma das melhores do mundo (nisso, somos muito parecidos com os brasileiros!).

Ora uma Constituição, como qualquer lei ou regulamento, pode ser sempre encarado sobre diversos pontos de vista: a sua história, o estilo da sua prosa e até o seu conteúdo.

Mas isso não é avaliar uma Constituição (lei ou regulamento); que é, o que se esperaria após 30 anos de aplicação de uma Constituição.

Uma Constituição (assim como uma lei ou regulamento) é elaborada com vista a um objectivo.

Avaliar uma Constituição é pois avaliar em que medida ela tem proporcionado alcançar os objectivos que a levaram a ser formulada, aprovada e aplicada – isso, sinceramente, não vi ser feito, até agora, nos jornais portugueses.

Vital Moreira alarga-se num longo artigo no Púbico (de 4 de Abril) no qual salienta a sua participação na Constituição e garante que ela proporcionou a estabilidade em que hoje se vive e que continua adequada ao País.

Sobre os motivos que o levam a afirmar isso, nada diz! Sobre as consequências positivas e negativas (se as houvesse) da Constituição sobre o grau de eficiência na forma como funciona o actual sistema político português nada diz!

A Crise em que o País vive não tem nada a ver com a nossa Constituição?

Eu gostaria de ver Vital Moreira “provar” o que diz nesse seu artigo, como aliás a muitos dos que escreveram sobre estes 30 anos da Constituição – “uma das melhores do mundo”.

Gostaria, por exemplo, que nos explicasse como durante estes 30 anos a Constituição assegurou na praxis do sistema político português a separação entre o poder legislativo e o poder executivo – é que os cidadãos o que viram foi a promiscuidade completa entre um poder e outro!

Ninguém controla ninguém; o Governo faz o que lhe apetece entre eleições e nunca consegue ser responsabilizado por nada – de facto, o País vive numa ditadura entre eleições.

Isso não cria estabilidade alguma; pelo contrário, a cada novo Governo nova política, e novos boys.

O governo não governa no quadro estrito das Leis existentes; a promiscuidade entre legislativo e executivo permite a este alterar, com a maior das facilidades, todas as leis de que o governo não goste.

E quanto à independência do poder judicial face ao poder executivo; o que proporciona esta Constituição?

O sistema judicial está um caos; até já se fala num sistema judicial específico para as elites politicas – Salazar não foi tão longe.

E quanto à separação entre o poder legislativo e o poder judicial – nem o Procurador Geral da República sabe qual a sua relação com o poder judicial e o poder legislativo.

Gostaria de saber qual o contributo da Constituição para o alargamento a todos os portugueses da capacidade de exercício da cidadania – a capacidade de poderem auto-governar as suas vidas, a capacidade de se assumirem como adultos responsáveis por si próprios e pelas comunidades a onde se integram, a possibilidade de controlarem o Estado e exigirem responsabilidades pelos actos políticos que tomam em seu nome, etc.

O que a praxis nos mostra é a existência de uma cidadania bloqueada e amarfanhada, na qual os cidadãos portugueses são cidadãos de 2º classe face aos estrangeiros e às suas elites políticas, são continuamente empobrecidos e esmagados por impostos exorbitantes (e de cuja aplicação o Estado não presta contas), etc.

Esta Constituição coloca o Estado no centro de Portugal em vez de colocar aí a Nação, ou seja, os cidadãos portugueses.

O filósofo José Gil caracterizou muitíssimo bem a cidadania existente em Portugal; qual o contributo desta Constituição para tal?

Afirmar que a Constituição Portuguesa é das mais avançadas do mundo é não a comparar com as constituições da ex-URSS e de Cuba, por exemplo – estas Constituições, em termos de intenções, são muitíssimo mais avançadas que a portuguesa. E … vejam em que resultou (o inferno está cheio de bem intencionados!).

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