sexta-feira, maio 06, 2005

PORTUGAL E A CRISE:O retorno dos Impostos - a educação (VII)

A massificação da educação não significa que tenha de ser, necessariamente, o Estado o seu único executor.

Aliás, é de “desconfiar” quando um Estado se procura impor como “único” interventor do processo educativo!

Por outro lado é importante ter consciência que a educação envolve muito mais do que aquilo que a escola proporciona às crianças e aos jovens.

Parte importante do processo educativo é realizada em casa (e na sociedade). Infelizmente, quando se reflecte sobre educação, pouco se pondera sobre esta componente.

Por exemplo, quais os efeitos do empobrecimento dos cidadãos (nomeadamente através de impostos excessivos) na diminuição da capacidade destes exercerem este papel, como por exemplo na aquisição de livros, computador, secretária, visitas, viagens, explicações, etc. e na promoção de outras actividades complementares como no desporto, nas artes, etc. Uma família empobrecida está muito mais dependente do que o Estado lhe quer “impingir” e do que o “mercado” oferece mais barato ou gratuitamente (normalmente, em troca de algo!).

Ou será que apenas os filhos da “aristocracia de serviços” (e de mais alguns poucos) têm direito a algo diferente?

Na educação passa-se algo de semelhante ao que se passa na saúde. Algumas doenças são provocadas pela pobreza: má alimentação, má habitação, etc.

Aliás, a obrigatoriedade dos alunos frequentarem a escola do bairro aonde habitam, impõe o nível de educação a que têm acesso. As escolas de bairros periféricos ministram um nível de educação claramente inferior às escolas dos bairros ricos ou com “estatuto”!

Penso que isto não será, de todo, generalizável, contudo acontece; e acontece, nomeadamente, porque os alunos (e os pais) não têm a liberdade de colocar o seu filho na escola que achem conveniente e deste modo exercer um direito que me parece fundamental e, indirectamente, castigar as más escolas (retirando destas os seus filhos).

O que também me admira é que se fala sempre em baixos salários quando se trata de reflectir sobre pobreza e da limitação de capacidade de decisão que esta impõe aos cidadãos e às famílias. Nunca se fala de algo que é bem mais determinante e “sentido”, no dia a dia, nas decisões de cada cidadão (e de cada família): o “salário depois dos impostos” - de facto, "depois dos impostos" e depois de “retirados os impostos e taxas" aplicados às despesas.

É na reflexão sobre o rendimento das famílias “depois dos impostos” que podemos vislumbrar a realidade nacional, nomeadamente a desigualdade realmente existe (induzida, nomeadamente, pelas políticas do Estado) e dos seus efeitos sobre o conjunto da sociedade: na educação, na saúde, etc.

Em Portugal, que centra a educação na “escola”, ou seja no professor, esquece-se que o processo educativo vai muito para além da escola; que a educação engloba a família e a sociedade, que engloba a “vivência” que se tem capacidade de realizar.

Pelo contrário, o sistema educativo anglo-saxónico e do norte da Europa ao centrar a educação no aluno (e não no professor) envolve, naturalmente, a família e a sociedade no seu sistema educativo.

Em Portugal o aluno é olhado como um “agente passivo” no processo educativo (“aprende” o que é transmitido pelo professor e, na escola); aliás, de forma idêntica se olha o cidadão (e a cidadania) e o papel que este deve assumir na sociedade.

Nos países anglo-saxónicos e do norte da Europa o aluno é olhado e tratado como um “agente activo” no processo educativo. O aluno, ele mesmo, é que procura (investiga) o que está a aprender, fazendo essa “procura” sob orientação do professor.

Enquanto que em Portugal o professor “ensina”; naqueles países, o professor orienta a procura do conhecimento, constituindo as aulas oportunidades de reflexão, de aprofundamento das matérias, esclarecimento de dúvidas, de estabelecimento de “relações” entre as teses alcançadas, de indução do pensamento lógico e experimental como “forma de conhecimento”, etc. e, naturalmente, a aula constitui momento de avaliação da “progressão do conhecimento” por parte dos alunos.
É um tipo de ensino adequado à “sociedade do conhecimento”.

Por isso esses países têm as suas bibliotecas cheias de alunos e o professor pode ser um “patrono” que opera junto do aluno mesmo fora das aulas (senão, essencialmente).

As nossas bibliotecas não estão vazias de alunos porque nós somos mais preguiçosos (como alguns afirmam!); mas sim, porque o nosso sistema de ensino não o exige.
No nosso sistema, a biblioteca é o professor e a avaliação (quanto existe!) é sobre o que se “memorizou” dessa "biblioteca"! O conhecimento, em si, e a capacidade de o obter é secundarizado face à capacidade de memorizar o que o professor ensina.

Portugal tem um sistema educativo monolítico. As políticas e sistemas pedagógicos são definidos pelo Estado e é da sua, quase exclusiva, responsabilidade a respectiva execução. Mas não só, o ensino é centrado no professor e no seu saber.

Ou seja, estamos perante um sistema que é monolítico quanto à sua organização e quanto à sua forma de operar.

As poucas entidades não estatais que intervêm no sistema (sociedade civil) têm de seguir de forma restrita toda uma regulamentação, amplamente detalhada, que não lhes dá “margem de manobra” (com excepção do ensino superior).

Um pequeno exemplo: um colégio privado teve problemas com o Ministério da Educação porque decidiu manter os alunos em aulas durante umas férias de alguns dias, apesar do acordo previo dos pais e destes não pagarem mais por isso. A justificação do Ministério era que não estava regulamentada tal postura e representava procedimento desigual entre escolas!

O sistema educativo português é, pois, um “sistema fechado”.

Todos os sistemas fechados tendem a “desligar-se” do exterior e tendem à “degradação” (à auto - degradação).

As renovações (reformas) de “sistemas fechados” permitem “actualizar” esses sistemas. Contudo eles tenderão, a prazo, sempre para a degradação, porque se trata de sistemas fechados.

Aliás, a grande vantagem das democracias é precisamente o facto de terem permitido que as sociedades humanas pudessem funcionar em “sistemas abertos”, portanto sistemas com elevada relação com o ambiente envolvente e com elevada capacidade de auto - adaptação.

O sistema educativo deveria ser semelhante, ou seja, deveria ser estruturado como um sistema aberto.

Os sistemas educativos dos países anglo-saxónicos e dos países de norte da Europa são significativamente mais abertos que o Português.

Contudo, não é fácil implementá-lo, em Portugal.

Portugal tem uma cultura absolutamente contrária a isso. Inclusive, a forma como funciona (e se estruturou) a sua “democracia” revela claramente essa característica cultural.

Segundo Geert Hofstede (em Culturas e Organizações, edições sílabo), Portugal possui um elevado Índice de Distância Hierárquica (definido como a medida do grau de aceitação de uma repartição desigual do poder por aqueles que têm menos poder nas instituições e organizações. O Índice de Distância Hierárquica – IDH – procura medir essa distância hierárquica. No fundo, informa-nos sobre as relações de dependência num determinado país).

Nos países onde a distância hierárquica é baixa (países anglo-saxónicos e do norte da Europa), a dependência dos subordinados relativamente às suas chefias é “limitada”: trata-se mais de uma interdependência entre chefe e subordinado.

Nos países onde o índice é elevado, existe uma dependência considerável dos subordinados face às suas chefias. Aqueles (subordinados) reagem a este estado, quer preferindo essa dependência (na forma de um chefe autárquico ou paternalista), ou rejeitando-a inteiramente, adoptando uma atitude que em psicologia é conhecida como contra – dependência.

Assim, os países de elevada distância hierárquica evidenciam uma polarização entre dependência e contra - dependência.

As relações pais - filhos, professores - alunos, chefes - subordinados e lideres políticos – cidadãos; reflectem o IDH que marca a cultura no respectivo país ou região. As formas preferidas para as suas organizações e instituições reflectem essa maneira de pensar e estar.

A desconfiança do Estado Português relativamente aos cidadãos (e mesmo entre estes) reflecte esse elevado índice de distância hierárquica que caracteriza a nossa cultura e, segundo a minha opinião, torna difícil estruturar um “sistema aberto” na Educação em Portugal.

A estruturação do sistema educativo como “sistema aberto” exige a intervenção activa da sociedade civil quer na definição e implantação de politicas e pedagogias educativas, como na avaliação destas; exige que as “escolas” públicas tenham suficiente autonomia de gestão não só relativamente à educação que ministram (e de que são responsabilizáveis) como dos meios necessários para atingirem esses fins, inclusive a contratação e demissão de professores; exige que as escolas possam poder “negociar” com os utentes (pais, alunos, autarquias, empresas, etc.) objectivos e programas específicos; exige que os alunos possam escolher livremente as suas escolas e não obrigatoriamente a escola do bairro; exige que o financiamento do Estado se dirija preferencialmente aos alunos (cheques educação) e não às escolas; exige que o Estado defina (apenas) as grandes linhas educativas e pedagógicos nomeadamente os objectivos a atingir (afinal, trata-se de educar e ensinar) e que os avalie de forma eficaz (escolas e alunos), inclusive com exames nacionais.

Exige que se centre a educação no aluno e não no professor, ou seja que o aluno seja olhado como agente activo do processo educativo e o professor como “orientador” desse processo.

Independentemente de se estar mais ou menos em desacordo com o que penso ser necessário para tornar o sistema educativo mais eficaz em Portugal e deste (sistema) adquirir capacidade de se ir auto - adequando às necessidades nacionais e à evolução das ciências da educação (sistema aberto), penso que só um nova concepção do sistema educativo dará resposta às preocupações dos cidadãos portugueses.

Segundo a minha opinião, o sistema educativo português não precisa de reformas; precisa de uma nova concepção.

1 comentário:

Anónimo disse...

Tenho gostado de ler.
Manuela Gomes