terça-feira, maio 31, 2005

Gostaria de poder vir a ter Esperança… (I)

Tendo em conta a evolução da Crise Portuguesa, representada nas recentes decisões do novo Governo, optei por fazer um breve “interregno” à reflexão que tenho vindo a fazer sobre a sociedade portuguesa.

Como demonstrei nesta reflexão, a “democracia portuguesa” é (muito) pouco democrática quer quanto à forma como os poderes do Estado se realizam (estado autocrático, mais ou menos paternalista) quer quanto à capacidade dos cidadãos poderem exercer a cidadania, em especial, se independente do Estado.

A sociedade portuguesa tem interiorizado uma concepção de Estado (seu papel e forma de operar) que se estrutura e se afirma em contraponto à limitação da capacidade de exercício de cidadania por parte dos cidadãos; concepção essa, que se manteve, intrinsecamente, idêntica antes e depois do 25 de Abril.

As medidas, agora anunciadas pelo Governo Português, não vêem mais que reafirmar essa concepção da sociedade portuguesa.

De facto, a actual Crise não tem a haver com o facto das ideologias que nos têm governado se situarem mais ou menos à “esquerda ou à direita” e inclusive da maior ou menor competência dos respectivos governos.

Todos os governos, pós 25 de Abril, mais ou menos à esquerda ou à direita, têm conduzido o País em direcção à actual Crise; o forte desequilíbrio das contas públicas, manifestação dessa Crise, não é mais que a ponta do iceberg.

Segundo a minha opinião, a Crise é mais o resultado do quadro societário de fundo em que operam quer os Governos de esquerda como os de direita do que das decisões que tomam.

Mas de facto, já os seus antecessores (ao 25 de Abril) operaram dentro de um quadro societário muito semelhante: o Estado é quem decide e faz tudo e aos cidadãos cabe obedecer, nomeadamente pagar as despesas do Estado.

Este quadro societário de fundo, da forma como se estrutura e opera a sociedade portuguesa, ou seja na subjugação da cidadania ao Estado (como se o País não fossem os cidadãos portugueses mas sim o seu Estado), marca o âmbito dentro do qual operam os órgãos de soberania e a administração pública.

Sem dúvida que houve profundas modificações na Constituição, na praxis da sociedade portuguesa e até na praxis do Estado Português, após o 25 de Abril.

As consequências sobre a sociedade portuguesa foram manifestamente enormes; embora não as possamos atribuir exclusivamente à forma como passou a operar o Estado Português (incluindo, a respectiva administração pública) pós 25 de Abril.

As mudanças que ocorreram na sociedade portuguesa foram muitíssimo mais significativas após a entrada de Portugal na União do que após o 25 de Abril!

Por outro lado, todos nós vemos, todos os dias, a elevada ineficácia (e até incompetência) dos órgãos da administração pública e dos órgãos de soberania.

Em termos de eficácia, estes órgãos, não parecem hoje mais competentes do que o eram antes do 25 de Abril; os seus “objectivos” terão mudado, mas a eficácia com que actuam parece muitas vezes até pior (e a corrupção na administração pública e o tráfico de influências parece não serem menores).

Há uma cultura (governativa) de fundo em Portugal que continua a ver o Estado e as suas relações com a sociedade civil como relações de dependência e não de cooperação e interdependência.

O Estado Português continua tão autocrático na forma como governa e administra o país como sempre o fez no passado.

Para tal, contribui o facto da autonomia e independência do poder legislativo face ao executivo continuar inexistente e do poder judicial, independentemente da sua maior ou menor eficácia, estar muito dependente do executivo; isso acontecia antes do 25 de Abril e não se alterou significativamente.

Ou seja, a nossa República continua muito pouco “república”; aliás, os políticos portugueses até acham que não é possível governar sem maioria parlamentar – ou seja, pelo menos, o executivo e o legislativo não podem ser independentes!

E têm razão; a nossa concepção do papel do Estado na sociedade obriga a esta fusão entre executivo e legislativo.

Claro que isso não torna a nossa “democracia” peculiar face às muitas (ditas) “democracias” que há por todo o planeta. A nossa democracia só é peculiar, isso sim, face às democracias de origem (aonde a democracia teve origem), ou seja, as democracias anglo-saxónicas, nas quais o papel do executivo e do legislativo são nitidamente independentes e o legislativo controla efectivamente o executivo.

De facto, o actual “problema” do Estado português e das suas elites (da aristocracia de serviços) só existe porque, presentemente, vivemos numa sociedade muito mais aberta e integrada na União Europeia.

De facto, o deficit das finanças públicas não seria problema pudesse a aristocracia de serviços manuseá-lo, como sempre o fez no passado.

Por um lado os efeitos da globalização (mercados financeiros, de mercadorias e de serviços, mundializados) não podem ser evitados; hoje é impossíveis os países fecharem-se ao exterior.

Por outro lado, deixou de ser possível ao Estado “administrar” o valor da moeda, através do qual, com relativa facilidade, podia fazer transferir as responsabilizadas financeiras do Estado para as costas dos cidadãos sem a visibilidade que sempre implica qualquer aumento formal dos impostos.

Se há um “problema” que se impõe hoje formalmente ao País, é porque o “Exterior” o impôs.

Na verdade, está-se consciente, que não se pode, impunemente, continuar a obrigar os cidadãos a pagar a incompetência (e a corrupção, formal e informal) do Estado Português para níveis superiores aos já existentes (cerca de 70% do rendimentos das famílias, ao longo da sua vida média) mesmo com o justificativo de uma solidariedade social; que hoje aparece, aos olhos de todos, como claramente incompetente, esbanjadora e beneficiária preferencialmente dos menos carentes.

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