O entendimento do conceito de “cidadania” em Portugal (II)
Concluindo, a cultura portuguesa ainda não entendeu o que significa o conceito de cidadania; pelo caminho que levamos, nunca iremos entendê-lo – já estamos a pagar por isso, mas ainda iremos pagar muitíssimo mais caro.
As consequências, para a sociedade portuguesa, da sua cultura anti-cidadania estão a levar o País à falência; estão a levá-lo à falência porque o planeta é, hoje, um espaço económico e social amplamente aberto e globalizado, no qual a anti-cidadania opera contra a respectiva sociedade.
Uma das consequências mais graves, da sua cultura anti-cidadania, é que, exigindo as modernas sociedades elevados índices de eficiência e competitividade, competência e inovação, a concentração do poder de intervenção social no respectivo Estado é totalmente contraproducente ao desenvolvimento e à independência (a História tem-no, continuamente, mostrado e, a Crise, em que se vive, confirma-o).
Elevados índices de eficiência e competitividade exigem que a iniciativa do investimento esteja aí aonde as vantagens e desvantagens são maduramente avaliadas e ponderadas e aonde os erros (na decisão) são pagos de forma cara (inclusive com a falência); ou seja, a iniciativa do investimento tem de estar nas mãos dos cidadãos e estes não se podem escudar no Estado para se furtarem às suas más decisões.
As decisões do Estado têm características totalmente opostas; os projectos são, habitualmente, mal avaliados (não têm rentabilidade económica e, frequentemente, nem social) e o risco nunca é ponderado (afinal, são os cidadãos que o pagam, com os impostos).
Pior ainda, por vezes, os projectos públicos são apenas fonte de redistribuição da riqueza nacional a grupos económicos e sociais privilegiados (a corporações e “sindicatos”).
Elevados índices de competência e de inovação exigem, também, que milhões de pessoas sejam chamadas a pensar, a procurar soluções e a implementá-las (frequentemente, com riscos elevados); o Estado nunca se pode substituir ao brainstorming de milhões de pessoas e aos milhões de pequenas e grandes iniciativas que estas podem “experimentar” (testar).
É utopia pensar que o Estado é fonte de inovação; nunca o foi em nenhum sítio (senão, os países comunistas teriam sido os mais inovadores do mundo). Mesmo as Universidades, em países sem tradição pró-cidadania, vêem-se bloqueadas no exercício da “liberdade” e no espírito de iniciativa que tem de caracterizar as condições em que se sustenta a criatividade e a inovação.
Mesmo que haja alguma “invenção”, ela acaba por ser inócua, porque os cidadãos não têm capacidade de iniciativa para a implementar.
Quando o Estado retira, aos cidadãos, a maior parte da riqueza, por estes anualmente criada, não só está a reduzir a sua capacidade de exercício da cidadania para níveis de intervenção próximos das necessidades de sobrevivência como lhes coarcta a sua disponibilidade ao risco e impede, mesmo, qualquer tipo de iniciativa socialmente significativa.
Só as grandes fortunas são protegidas por tal sistema; por um lado têm fortes possibilidades de fugir aos impostos e, por outro lado, ainda apanham os subsídios e protecções do Estado face à concorrência (ou seja, são beneficiários líquidos da riqueza nacional do País, em oposição à maior parte dos cidadãos portugueses, que são seus contribuintes líquidos)
De facto, é bem pior; os impostos em Portugal atingem uma dimensão, de tal ordem, que mesmo as classes médias e médias-superiores (por exemplo, professores universitários) têm dificuldade em ter uma vida relativamente auto determinada (comprar livros, viajar, habitar em casas cómodas e suficientes espaçosas para poderem dispor de uma sala de estudo ou biblioteca, atender às exigências que gostariam de proporcionar as suas famílias, etc.) – ou seja, mesmo as classes médias-superiores estão fortemente estranguladas, empobrecidas e dependentes.
Pelos padrões norte-americanos, as classes médias-superiores portuguesas estão incluídas no escalão de pessoas de “baixos rendimentos”; grande parte da nossa classe média situa-se ao nível do escalão das pessoas pobres.
É evidente que uma tal sociedade não só esmaga o “desejo de fazer”, como promove os “esquemas” com vista à sobrevivência, multiplica (generaliza) a corrupção, a lei (ainda por cima, ultra regulamentada) não é para ser cumprida, a não ser que convenha a alguém, os cidadãos vivem no contínuo terror de perder o emprego; a poupança é baixa; etc.
A corrupção e o comportamento ilegal generalizaram-se de tal modo que deixou de ser um estigma social “estar a contas com a justiça”.
Um sentimento de impotência envolve toda a sociedade portuguesa; a impotência dos cidadãos (?) portugueses manifesta-se em todos os domínios da sua vida, inclusive na criação do sentimento de que nada podem “fazer” – sentem-se desresponsabilizados pelo que se passa no País e atribuem todas as culpas ao Estado (e correctamente, uma vez que, afinal, lhes fica com praticamente toda a sua riqueza e lhes bloqueia toda a iniciativa).
O Estado Português fez com que os cidadãos portugueses tivessem, hoje, “medo de existir”, como diz o filósofo José Gil (o erro de José Gil é considerar que o único culpado foi Salazar).
A tal “estado de coisas”, se pode chamar “cidadania”?
Isso faz-me lembrar os recentes discursos do Presidente do Irão sobre a “democracia iraniana” (face à americana) e a “liberdade” no povo iraniano. Bem …. a verdadeira cidadania deverá ser também, para ele, a dos “cidadãos” iranianos.
Aquilo que em Portugal de denomina de “cidadania” não tem nada a haver com cidadania.
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