terça-feira, fevereiro 28, 2006

O entendimento do conceito de “cidadania” em Portugal (III)

Aquilo que, em Portugal, se denomina de “cidadania” não tem nada a haver com cidadania, quanto à origem desse conceito (nos países anglo-saxónicos).

O “roubo” do nome de conceitos que são símbolo de desenvolvimento é muito frequente, hoje em dia; passa-se assim com conceitos como cidadania, liberdade de expressão, democracia, sistema parlamentar, etc. em países com estados reconhecidamente ditatoriais, nos quais é um absurdo aplicar esses conceitos para descrever as suas torpes realidades (e praxis sociais).

Em Portugal, o conceito de “cidadania” está associado ao conceito, católico, de igualdade, solidariedade social e de “bom” comportamento cívico; de tal modo, que até se pensa, que a cidadania se pode ensinar nas escolas.

Cidadania é um conceito distinto dos conceitos de igualdade, solidariedade social ou “bom comportamento”; em Portugal, esses conceitos, confundem-se.

Quando em Portugal se fala na educação para a cidadania está sempre presente a educação para a solidariedade social, para o “bom” comportamento cívico e para a igualização social.

Em Portugal, há um profundo sentimento popular e institucional (promovido pelo Estado) contra quem é “rico” (por absurdo que pareça, não contra os “muitíssimos ricos”, em especial se forem estrangeiros).

Para o Estado Português cidadania é pois igualização (ser rico é crime) e a sua justificação é a necessidade (de cidadania, no conceito português) de promover a solidariedade social através do Estado; cabe ao Estado assegurar que a riqueza flua de quem a cria para o Estado, que a tornará a redistribuir (da forma como sabemos!).

A solidariedade social enquanto exercício de uma cidadania autónoma e independente do Estado não lhe interessa; para o conceito de cidadania à portuguesa essa solidariedade tem de ser feita pelo Estado.

Nos países anglo-saxónicos a desigualdade é a consequência da cidadania; todos somos diferentes, cada um vive a vida como quer, etc. e, é natural, que haja desigualdades.

Conheço famílias, com bons salários, que gostam tanto de “bolinhos” que a meio do mês já não os podem comer; e, conheci outras, que preferem não comer “bolinhos” para poderem comprar um “computador” ao filho ou, preferem poupar, para assegurarem uma velhice melhor.

[O que o Estado a ver com isso? Porque tem o segundo cidadão (que poupou) que pagar os “bolinhos” do primeiro?]

A desigualdade é uma consequência do exercício da cidadania, da liberdade de cada cidadão fazer o que mais lhe aprouver, daquilo que, afinal, cada um quer da vida; por isso, nas sociedades anglo-saxónicas, a meritocracia é rainha e o self-made-man é um herói.

Por isso, essas sociedades dão tanto valor à liberdade; a inovação e a criatividade estão, nessas sociedades, nas suas “sete quintas”.

Mas, também por isso, os cidadãos anglo-saxónicos dão particular importância à sua responsabilidade para com a sociedade, para com a comunidade aonde vivem (a participação social, nomeadamente de solidariedade é muitíssimo activa).

A solidariedade social, a promoção de acções para beneficio da comunidade (por exemplo, doações para museus, para a investigação, para instituições de solidariedade social, a participação em actividades comunitárias, etc.) são fonte de tanto ou mais prestigio social que o self-made-man.

No entanto, a igualdade, nos países anglo-saxónicos, não está acima da cidadania; é o sentido de responsabilidade social e, nomeadamente, de solidariedade dos cidadãos que colmata as situações de desigualdade extrema ou de injustiça social que surjam.

Por isso a solidariedade social não é, aí, encarada como um acto de caridade, mas sim como um acto de solidariedade e de responsabilidade social inerente ao exercício da cidadania.

A eficácia deste tipo de intervenção, da cidadania, tem conduzido a resultados, pelo menos, tão eficazes como os obtidos pelos Estados-Providência da Europa Continental; a diferença é que os países anglo-saxónicos estão numa pujança crescente (com índices de solidariedade social crescentes) e os Estados-Providência estão semi-falidos (com índices de solidariedade social em decréscimo rápido e significativo).

A solidariedade social ou o “bom” comportamento cívico são, nos países anglo-saxónicos, o que resulta (ou não) do exercício da cidadania; ou seja, da forma como os cidadãos, livremente, agem na respectiva sociedade ou na sua comunidade.

Pelo contrário, a solidariedade social ou o “bom” comportamento cívico são, em Portugal, o resultado da imposição que o Estado exerce sobre os cidadãos (em especial quando ao “bom” comportamento cívico, porque quanto à solidariedade é o próprio Estado que a exerce, com o dinheiro dos cidadãos).

Ou seja, nos países anglo-saxónicos a solidariedade social e o “bom” comportamento cívico são uma consequência da liberdade dos cidadãos, ou seja, da sua imensa capacidade de tomar iniciativas; por isso, nesses países, a solidariedade social e as “boas práticas sociais” são uma iniciativa da sociedade civil – e, a realidade social desses países mostra bem que os seus resultados não são nada inferiores aos obtidos por Estados centralizadores.

Pelo contrário, em Portugal (aonde cabe ao Estado esse papel) os cidadãos estão arredados do exercício da solidariedade social; mesmo as ONG’s portuguesas, que se dedicam isso, vivem a expensas do Estado e não da sociedade civil (aliás, elas já se constituem para “explorar” os subsídios destinados pelo Estado a esses fins).

Em termos gerais, podemos dizer que nos países anglo-saxónicos a solidariedade social depende da maior ou menor consciência dos cidadãos para com ela (e, não é por acaso que são os países que mais doações fazem “dentro de portas” e no estrangeiro); ao aumento da solidariedade social corresponde, nesses países, a uma maior consciência social, ao maior engajamento da sociedade civil com vista à ajuda, etc.

Pelo contrário, em Portugal, ao maior engajamento do País em solidariedade social corresponde, apenas, um maior engajamento do Estado Português (e mais impostos a pagar pelos cidadãos); é uma questão de política do Estado e não uma questão de consciência dos cidadãos (por isso é importante dar aulas de “cidadania” em Portugal, para “educar” as pessoas que a solidariedade social realizada pelo Estado é a que é um “bom acto”).

Nos países anglo-saxónicos, ao aumento da solidariedade social corresponde um aumento do exercício da cidadania (do seu engajamento) com vista a esse fim.

Em Portugal, ao aumento do exercício da solidariedade corresponde uma redução da capacidade de exercício da cidadania por parte dos cidadãos; pois, por um lado, não são eles que a exercem e, por outro lado, têm de pagar mais impostos ao Estado para que ele o possa fazer.

Bem…, isso não significa que, nos países anglo-saxónicos, o Estado não promova acções de solidariedade social; é evidente que o faz, mas fá-lo de forma complementar à sociedade civil, fá-lo de modo a corrigir distorções ou até incentivando a que a sociedade civil assuma mais amplamente essas responsabilidades – a melhor forma de um povo “aprender” é auto educando-se, é assumindo a consciência de …e agindo em conformidade, é responsabilizando-se pelo seu papel na sociedade.

É isto que os cidadãos (?) portugueses estão proibidos de fazer e de ser!

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