Consequências da “cidadania à portuguesa” (I)
Portugueses – cidadãos de 2ª, no seu próprio País
Como acabámos de ver em O entendimento do conceito de “cidadania” em Portugal, Portugal “importou” o conceito de cidadania e “colou-o” a uma realidade social (praxis social) que não tem correspondência alguma com esse conceito.
Como todos sabemos tal comportamento (a importação de conceitos) é comummente utilizado por “todo o lado”; são exemplo disso, o conceito de “liberdade de expressão” nos países islâmicos ou de “democracia” em Angola ou no Irão ou, no limite, a afirmação de que cada País é que define o tipo de “democracia” que mais lhe interessa, como afirmou Lula da Silva numa reunião de Chefes de Estado da América Latina – ou seja, muitos dos conceitos importados são utilizados ao bem prazer (e segundo os interesses e conveniências) daqueles que, deles, se querem apropriar para “confundir” o respectivo povo.
O actual sistema político português, quanto ao grau de intervencionismo do Estado na sociedade portuguesa, está hoje muitíssimo pior que antes do 25 de Abril; ora, quanto maior o intervencionismo Estatal menor é a capacidade de exercício da cidadania (evidentemente, segundo o conceito anglo-saxónico de cidadania – aí, aonde este conceito tomou pela primeira vez forma e de aonde foi importado).
Uma das manifestações desse grau de intervencionismo é o elevadíssimo índice de extracção da riqueza nacional que o Estado impõe aos cidadãos portugueses; segundo as minhas estimativas, o Estado Português retira, em média, aos cidadãos cerca de 70% dos seus rendimentos (ao longo das suas vidas) e às empresas cerca de 50% dos seus lucros (embora, algumas destas, vivam de subsídios suportados pelos impostos sobre os rendimentos das famílias portuguesas).
Mesmo os grandes grupos empresariais (Sonae, PT, banca, etc.) são, hoje, obrigados a deslocalizar muitas das suas operações financeiras de modo a pagarem menos impostos – é interessante notar que nem deslocalizam essas operações para fora da Europa, limitam-se a deslocalizá-las para a Holanda ou para a Inglaterra.
É pois ridícula a preocupação do Estado em preservar centros de decisão empresariais em Portugal, quando ele próprio é quem os induz a terem de fugir do País.
A nível de médias (e até pequenas) empresas é crescente o número daquelas que têm estado a mudar a sua sede fiscal para Espanha.
Mesmo ao nível de trabalhadores independentes, ligados às novas tecnologias, preferem trabalhar em condições que não tenham de declarar rendimentos em Portugal.
Enfim, todos, os que podem, estão a fugir do horror que se abateu sobre Portugal: 70% dos rendimentos familiares vão parar às mãos do Estado, verdadeiro predador da riqueza nacional e da descapitalização das empresas e dos cidadãos portugueses.
Mas o pior não é isso! Infelizmente, ainda há pior…
Enquanto que os cidadãos portugueses têm de pagar um horror de impostos e estão bloqueados no exercício da sua cidadania (quer de forma administrativa – por uma ultra regulamentação que bloqueia a cidadania - quer porque, continuamente, empobrecidos pelo Estado), os investidores estrangeiros estão, em Portugal, nas suas “sete quintas”: pagam menos impostos ou são mesmo, deles, isentados (por vezes, até legislação especifica é efectuada para o efeito), possuem tratamento administrativo privilegiado e, frequentemente, ainda recebem subsídios (suportados, essencialmente, pelos impostos sobre os rendimentos das famílias portuguesas).
Até uma empresa malaia se vai instalar em Portugal para investigar a utilização do hidrogénio como carburante; segundo um seu representante, porque o Estado Português lhe deu condições fiscais e subvenções que nem os EUA lhes davam!
Ou seja, “o que dá em Portugal” é mesmo ser “estrangeiro” (com algum dinheiro; o Estado Português subvenciona o resto).
Esses cidadãos estrangeiros são, de facto, os “cidadãos de primeira”, em Portugal: pagam menos impostos, regulam-se por legislação específica, a administração é-lhes subserviente e, ainda, são subsidiados pela riqueza nacional (retirada aos cidadãos através dos impostos); os cidadãos portugueses são tratados pelo seu Estado como cidadãos de segunda, no seu próprio País.
Dirão: “o investimento estrangeiro traz emprego, novas tecnologias e conhecimento; estamos a pagar isso”.
Por um lado, raramente isso é verdade (as deslocalizações trazem tantos problemas precisamente porque as respectivas empresas não trouxeram – para a sociedade civil portuguesa - novas tecnologias e novos conhecimentos) e, por outro lado, é a descapitalização dos cidadãos portugueses e das empresas portuguesas (que não têm a mesma protecção fiscal do capital estrangeiro) que diminui significativamente a capacidade de criar emprego, de investimento e de modernização do País, por mote próprio.
E, é tão raro, isso acontecer que as “empresas modelo” em Portugal, como a Sonae, a Ibermoldes, a Ydream, etc. são empresas inteiramente portuguesas; apontem as “empresas modelo”, estrangeiras, em Portugal (eventualmente, a única excepção, pela sua dimensão, será a Auto Europa).
Em geral, os portugueses são impedidos de fazer e os estrangeiros são convidados a fazer (e, para tal, apoiados!); só os grandes capitais portugueses podem intervir na sociedade portuguesa (e mesmo assim com as dificuldades que conhecemos) e, frequentemente, com o Estado “à perna”.
Os cidadãos portugueses não só são cidadãos de segunda no seu próprio País, quanto a direitos e deveres; o Estado Português também manifesta, continuamente, desconfiar dos cidadãos portugueses e, de facto, não acredita que algo de bom possa vir para Portugal do exercício da sua cidadania – pelo contrário, acredita mais facilmente que algo de bom virá para o País se o investimento for estrangeiro.
Aos próprios portugueses é preciso que saiam do País para depois regressarem com nova “áurea”.
Evidentemente, este desprezo pelos cidadãos portugueses e pela cidadania (também, bem patente na forma como funcionam instituições fundamentais como o sistema de justiça português) tem uma longa tradição em Portugal; tão longa e tão inculcada na nossa cultura pública que o 25 de Abril não conseguiu fazer nada contra ela.
O problema português é um problema de cultura pública: um problema de não cidadania, é um problema de desigualdade institucional legal, é um problema de intensa exploração dos contribuintes líquidos em favor dos beneficiários líquidos (alto funcionalismo público e entidades para públicas), é um problema de desprezo pelos cidadãos portugueses, etc.
… É o problema de um sistema político e público que permite e favorece que as elites cavalguem um povo, a quem se lhes não reconhece o direito ao exercício da cidadania e de quem, para poderem pagar impostos (descomunais), se lhes exige que trabalhem.
Sem dúvida, os portugueses são cidadãos de segunda na sua própria terra.