Consequências da “cidadania à portuguesa” (VI)
A irresponsabilidade torna-se cultura nacional.
Uma das consequências da falta de capacidade de exercício da cidadania é a interiorização de um forte sentimento de impotência face aos mais pequenos problemas com que os cidadãos portugueses se confrontam e, consequentemente, estes acabaram por se sentir irresponsáveis pelo que se passa à sua volta e, até, para consigo mesmos – a irresponsabilidade tornou-se em cultura nacional.
O forte sentimento de irresponsabilidade associado à subsídio-dependência (ou seja, a irresponsabilidade de uns é paga pelos outros) arrasta o País para a ruína.
O facto dos cidadãos portugueses estarem a ser empobrecidos pelo Estado e se encontrarem manietados por um sistema político-administrativo que bloqueia as suas iniciativas faz com que se tenham tornado, necessariamente, agentes passivos no seu próprio País.
Aos cidadãos portugueses foi imposta a posição de observador; é ao Estado que cabe fazer tudo.
Mesmo para o que deveria ser da responsabilidade pessoal de cada cidadão criou-se o hábito (e até o sentimento de obrigação) de que cabe ao Estado resolver também os seus problemas – daí os cidadãos pensarem que só têm direitos e não deveres foi um passo.
Quando a miséria aperta, coitados dos cidadãos portugueses, aprendem rapidamente que o Estado não lhes resolve coisa nenhuma e é vê-los por essa Europa fora nas mesmas condições de miséria com que os imigrantes são tratados em Portugal – um Estado (de um País dito desenvolvido) que leva os seus cidadãos a sujeitarem-se ao mesmo que uma África ou uma Ucrânia ou Roménia sujeitam os seus filhos não é um Estado “bom”.
Quando o Estado se substitui ao exercício da cidadania está também a impedir que os cidadãos desenvolvem o sentido directo de cidadania, o sentido directo de participação e o sentido directo de responsabilização de cada um num colectivo mais vasto. Esse sentido de responsabilidade passou a ser intermediado pelo Estado e, como tal, tornou-se distante dos cidadãos e das suas atitudes concretas.
Num mundo desenvolvido em que o exercício directo da cidadania é sinónimo de Humanidade, de facto os cidadãos (?) portugueses preservam-se (porque já era assim no passado) numa condição sub-humana (algo como o escravo que, uma vez liberto, permanece à responsabilidade do seu ex-senhor).
O que de mais nobre deveria ter trazido a democracia para Portugal e para os seus habitantes deveria ter sido a liberdade e o direito dos portugueses passarem a ser cidadãos; de puderem assumir a responsabilidade do seu próprio futuro e a liberdade e o direito de participarem activamente na sua própria sociedade – isso, não só está muitíssimo longe de ser conseguido como parece estar cada vez mais difícil que o seja.
Hoje, como ontem, os portugueses sentem-se impotentes e, naturalmente, têm de se sentir irresponsáveis perante o que se passa à sua volta. Pior ainda …, penso que não sabem viver de outras forma – foram impedidos de aprender a viver de outra forma!
É interessante notar que grande parte das pessoas de sucesso em Portugal, em especial em áreas civis ou para-públicas, estiveram elas mesmo ou os seus familiares mais próximos (pais, por exemplo) fora de Portugal – será pura coincidência ou será que tiveram oportunidades de aprendizagem de exercício de cidadania que aos portugueses residentes (autóctones) foi impedido terem?
Mesmo as poucas associações civis existentes em Portugal têm de viver (porque a sociedade civil está empobrecida) de tal modo dependente dos subsídios do Estado que, de facto, não podem ser encaradas como associações civis mas sim como associações para-estatais – pelo que, os primeiros interesses a defenderem, são os do Estado (do patrão) e não os dos cidadãos.
As empresas privadas, desde a agricultura aos serviços passando pela indústria e a construção, vivem de tal modo dependentes dos subsídios, das excepções legais e das protecções administrativas (ou com medo de uma ultra regulamentação que os faz, mesmo sem saberem, cair em alguma qualquer “irregularidade”) que de facto sentem-se, como não podendo deixar de ser, subservientes ao Estado e à administração pública.
Também os Sindicatos em Portugal defendem muito mais interesses políticos do que interesses dos trabalhadores (em oposição aos Sindicatos do norte da Europa); aliás, muitos dos Sindicatos tornaram-se, eles mesmos, os porta-vozes oficiais da respectiva administração pública e, até, de órgãos de soberania (sindicatos dos juízes, dos procuradores da República, etc.). De tal modo alguns Sindicatos assumiram tal preponderância em alguns serviços que se fica com a ideia que esses serviços da administração pública passaram a ser geridos por um auto-governo sindical.
Ou seja, hoje uma parte da administração pública é como que governada pelos interesses dos respectivos Sindicatos e não pelos cidadãos portugueses e interesses destes (ou seja, os interesses do País).
É impressionante como o pós 25 de Abril conseguiu estatizar o País numa tal dimensão (sem dúvida, foi ajudado pelo papel que lhe coube na repartição dos dinheiros da União) e como conseguiu preservar (ou ainda diminuir) a já baixíssima capacidade de exercício da cidadania que havia durante o fascismo de Salazar em Portugal.
A consciência do sentimento da impossibilidade de exercício da cidadania e a impotência na mudança de tal estado de coisas tem levado muitos intelectuais portugueses a manifestar, de forma crescente e amarga, a sua indignação e impotência em público; não raro, já muitos intelectuais, vieram a público expressar o quanto sentem vergonha de ser portugueses – de facto, os portugueses sentem-se impedidos de sentir o seu País como seu.
Por outro lado o Estado sente-se nas suas “sete quintas”: faz o que lhe apetece, ninguém o pode controlar ou o pode responsabilizar; ou seja, apesar de gastar grande parte da riqueza nacional no que mais convém às suas elites (esmagando os cidadãos na pobreza) e fazendo o que lhe apetece, ainda se tornou irresponsabilizável por tudo o que é da sua autoria.
E…, por puro cinismo ou cegueira, quando a Crise assume dimensão esmagadora ainda diz que a culpa é dos cidadãos (?) portugueses e lhes cabe a eles resolvê-la.
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