domingo, março 12, 2006

Consequências da “cidadania à portuguesa(III)

Os portugueses estão vergados à inacção, à pobreza e à marginalidade

Infelizmente essa é a verdade, por muito exagerada e dura que possa parecer; o filósofo José Gil di-lo de outra maneira, embora não atribua as suas causas às mesmas a que eu atribuo.

Acabámos de ver que a pobreza dos portugueses tem a sua origem no excesso de impostos (sejam eles os impostos propriamente ditos ou sejam as elevadas taxas cobradas pelos serviços públicos aos cidadãos) e nos preços praticados pelas corporações privadas ou para-públicas, que operam em mercados protegidos pelo Estado.

Quando o Estado retira cerca de 70% do rendimento médio obtido, ao longo da vida, por um cidadão português é um absurdo dizer que, são os baixos salários praticados em Portugal, que motivam a sua pobreza (isso não significa que os salários não sejam baixos; significa apenas que o esmagamento do nível de vida dos portugueses e da sua capacidade de exercerem a cidadania depende muito mais dos impostos que dos salários).

Acabámos de ver (em II) que os portugueses estão vergados à inacção porque o excesso de burocracia e a ultra regulamentação parece visarem primariamente promover a desistência de quem tenha pretensões a fazer o que quer que seja.

Quando cheguei a Portugal muitos me disseram: “é melhores não fazer nada, senão só arranjas dores de cabeça”.

De facto, o “relacionamento” com o Poder são essenciais em Portugal para se poder fazer o que quer que seja; a legislação é, em geral, excessiva, “retorcida” e sujeita a múltiplas interpretações e excepções, o que a torna dependente do “ditador-zeco” que em cada momento tem de decidir a favor ou contra, ou “mais ou menos”.

Os portugueses estão vergados à marginalidade porque não podendo viver ou fazer o que quer que seja (em tempo) dentro da Lei são obrigados à marginalidade.

Quem não adquiriu, alguma vez, bens ou encomendou trabalhos sem IVA?

Quem, para montar um negócio ou obter um documento em tempo, não teve de “contratar” um funcionário, da respectiva repartição, ou não teve de pagar debaixo da mesa?

Quem não declarou a SISA abaixo do valor real (o tal imposto “mais estúpido do mundo”; cuja “fim” foi a substituição do seu nome – de facto, o Estado nunca o considerou como estúpido; considera, sim, que o Povo português é que é estúpido)?

Que todos os países tenham alguma marginalidade é “normal”; que um povo inteiro tenha de viver continuamente na marginalidade, em esquemas de fuga à Lei, é muitíssimo grave.

Uma tal praxis social (a marginalidade) cria valores culturais (sociais) intrínsecos a ela; a Lei deixa de ser encarada como valor absoluto e supremo (aliás, parece até que muitas leis e regulamentos já são aprovadas na mira de que não serão aplicadas ou só o serão quando convier e aos “outros”!), a tolerância à pequena criminalidade tornou-se universal a toda a sociedade, a corrupção é encarada como uma praxis social aceitável (aliás por lei, é corruptor activo quem “tem de pagar” e não quem “obriga a pagar”), etc.

Até já li num livro, de um cidadão alemão, que há muito habita em Portugal, que o que mais o encanta (!) neste País é que a Lei não é para ser cumprida!

A marginalidade é, pois, tão comum e já faz tanta parte da vivência (da praxis social) do povo português que o criminoso (perante a fiscalidade, a corrupção, o crime económico, etc.) já é visto como um semi-herói, o “esperto”, aquele que se deve imitar, etc. – aliás, as eleições ganhas por autarcas com problemas com a justiça mostra bem a aceitação social desse tipo de comportamento e a consciência social de que “todos os outros políticos” não são muito diferentes (estivesse a Procuradoria mais atenta ou o quisesse estar!).

Mas mais …; a cultura católica de grande parte dos portugueses cria-lhes uma intensa contradição entre os seus valores morais e a prática a que são obrigados; como resultado, os portugueses tornaram-se, em geral, pessoas com fortes complexos de culpa – não lhes bastava já a pobreza e a inacção a que o Estado as submete, ainda se confrontam com o “desarranjo” moral derivado de um comportamento (indigno) a que conscientemente são obrigados mas a que a sua moral impede.

O sistema político-administrativo português criou, pois, uma desconfiança generalizada em toda a sociedade portuguesa; todos desconfiam uns dos outros (e com razão) – o Estado desconfia de todos os cidadãos e estes do Estado – e, o País caiu num pantanal aonde o sistema judicial se sente manietado para poder assumir algum papel moralizador.

A imagem do sistema judicial em Portugal não podia ser pior da que existe.

Os contabilistas, em vez de prestarem um serviço leal a quem os contacta (como os médicos, os advogados ou os engenheiros) foram transformados em espiões ao serviço do Estado (dos serviços de finanças) – é o único país desenvolvida, que eu conheça, em que isto ocorre!

Apesar do esforço do actual governo, a probabilidade de se agravarem as coisas é muitíssimo grande; e, é muitíssimo grande, porque este Governo está a tentar fazer com que o Estado funcione com mais eficiência – mas, mais eficiência, significa mais intervenção do Estado em Portugal, ou seja, mais impostos, menos fugas aos impostos, mais “obras do Estado”, mais regulamentação, etc.

Ou seja, considerando a cultura do Estado Português, mais eficiência do Estado significa uma indução ainda maior no sentido de diminuir a já baixíssima capacidade de exercício cidadania, por parte dos cidadãos portugueses.

Sem comentários: