domingo, outubro 30, 2005

Portugal precisa, urgentemente, de um novo Partido

Não há muito tempo que conheço Portugal.

Não há muito tempo que venho a estudar e a reflectir sobre a “vida” dos portugueses, nomeadamente o tipo de sociedade em que vivem e do tipo de Estado que fundaram depois do 25 de Abril e a que chamam de “democrático”.

Tenho procurado acompanhar, com a maior atenção, as caracterizações, observações e, até comentários, de intelectuais (políticos, economistas, sociólogos, etc.) sobre os principais assuntos que permitem equacionar a situação portuguesa no presente.

Tenho procurado acompanhar a “reacção” efectivamente produzida por tais “derivas intelectuais” sobre o funcionamento da sociedade portuguesa e do seu Estado.

E, conclui que Portugal precisa de um outro Partido Politico.

Nenhum dos actuais partidos políticos existentes em Portugal tem revelado capacidade para reequacionar o “sistema de soluções” que, contínua e persistentemente, têm adoptado apesar de, contínua e persistentemente, se já poder constatar que esse “sistema de soluções” é incapaz de resolver a situação do País.

Os actuais partidos portugueses estão “amarrados” a pré-conceitos que “delimitam” as escolhas das soluções que consideram adaptáveis aos problemas existentes.

Geert Hofstede diria que os partidos portugueses não conseguem ir além da programação mental que deriva do seu próprio passado cultura; “passado cultural” igual ao que levou Eça de Queiroz a acabar a “falar com surdos”, entanto viveu.

Acabar a “falar com surdo” é o futuro que nos augura a todos nós, os que criticamos tal “estado de coisas”, caso não sejamos capazes de tomar em mãos processos de intervenção social mais activos.

É urgente a criação de um novo partido político que não só traga ao debate público uma nova concepção de sociedade como a submeta a seu sufrágio.

É urgente a criação de um novo partido político que tome como charneira de acção a pró - cidadania; ou seja, a transformação da sociedade portuguesa numa sociedade de cidadãos e não numa sociedade de funcionários públicos (“públicos”, porque são funcionários ou sobrevivem à custa do erário público).

É urgente a criação de um partido político que coloque a Nação no centro da sociedade portuguesa e não o Estado.

É urgente a criação de um partido político que proporcione aos portugueses capacidade de responder aos novos desafios com que Portugal se tem de confrontar.
Nomeadamente os desafios derivados da integração europeia e da globalização não só exigem aos portugueses um novo tipo de “solidariedade nacional”, uma solidariedade baseada na cidadania como também exigem, dos cidadãos portugueses, uma intervenção muitissimo mais activa e auto - responsável; um intervenção que os coloque no "centro" da sociedade portuguesa, no "centro" da respectiva dinâmica social, em particular de desenvolvimento.

São irresponsáveis!

Todos sabemos que os juízes não são responsabilizáveis pelas suas decisões.

Também os médicos não têm um acordo com o doente de que o vão “curar”.

Contudo os médicos quando cometem erros grosseiros são responsabilizados e, o direito à prática da medicina pode-lhes ser vedado.

Como é possível o sistema judicial português provocar, persistente e continuamente, tantos erros e causar tantos danos sem ninguém ser responsabilizado e tudo continuar na mesma?

A Dr.ª Fátima Felgueiras é um desses casos; agora sabemos que a decisão judicial que lhe impôs prisão preventiva estava errada.

Se a Sr.ª não tivesse fugido? Era só mais um erro da justiça – em tantos, nem se notava!

A sabedoria popular afinal não é tão “vazia” como parece (em especial, aos intelectuais); os resultados da votação da população nos “autarcas a contas com a justiça” afinal não traduzem mais que o total descrédito existente nos cidadãos para com a justiça portuguesa – descrédito totalmente justificado.

Erros, manifestamente grosseiros, têm de ser responsabilizáveis – não, enquanto decisão judicial, mas enquanto denota de incompetência para o exercício do cargo e enquanto factor que coloca em causa a sobrevivência do sistema democrático em Portugal.

Da mesma maneira que ao médico se lhe pode proibir o exercício da medicina motivado por erros grosseiros, também para procuradores e juízes se deveria poder proibir o respectivo exercício por práticas semelhantes; uma coisa é certa, os cidadãos não podem estar sujeitos a tanta incompetência.

Os cidadãos portugueses são quem têm todos os motivos para se dirigirem às Nações Unidas ou à União sobre o “abuso” a que estão sujeitos pelas práticas judiciais existentes em Portugal.

A extrema gravidade de tal situação é que a Democracia em Portugal se está a transformar numa “ilusão”, numa miragem; não há democracia sem sistema judicial competente, eficaz e honesto.

quarta-feira, outubro 26, 2005

Crise, Exportação e 20% de Pobres (IV)

Não é pois por acaso que o debate do Orçamento e o parecer de muitos economistas sobre soluções adoptadas não integrem a pobreza no País; o presente “Estado Social” já está em grave crise, como encontrar soluções que integrem a questão da pobreza, mesmo se esta representa (pelo menos) 2 milhões de portugueses?

Não é por acaso que até há economistas, e sérios (e honestos), que afirmam aceitar que o Orçamento integrasse um aumento de “subsídios”, porque isso representaria de algum modo uma correcção à impossibilidade do Estado não poder intervir no valor da moeda!

Mas foi precisamente por isso, porque o Estado português interveio abusivamente sobre o valor da moeda para apoiar o desenvolvimento e “proteger” a economia portuguesa, que Portugal desenvolveu uma “economia subsidiada” (economia não-competitiva, incompetente), ou seja uma “economia distorcida” por força do tipo de intervencionismo do Estado.

Nos anos 80, quando os EUA estavam “desesperados” com a agressividade da economia Japonesa sobre a sua economia, também aí os “gritos” para fechar fronteiras foram enormes; a resposta foi: não fechar – foi acreditar que os cidadãos americanos (não o Estado) saberiam reagir.

Quando perguntei a dois Directores Gerais de duas grandes empresas americanas sobre como encaravam esta situação, a resposta foi a mesma: estamos “tontos …”; os japoneses são muito competentes e trabalham muitíssimo, não têm férias; vamos ter de trabalhar mais do que estamos a fazer, reduzir ainda mais as nossas férias e temos de trabalhar melhor do que o estamos a fazer – era a primeira vez que estava nos EUA, fiquei impressionada pela “força” e “energia” que senti naqueles dois Directores Gerais.

O “respeito” pelos Japoneses sentia-se em toda a sociedade americana; as livrarias estavam cheias de livros para aprender Japonês, as empresas aéreas colocavam nos aviões dísticos em Japonês, etc. – o sentimento era: eles são “bons”, temos de aprender com eles e rapidamente.

É evidente que “fechar fronteiras” não teria sido a solução; deixá-las abertas induziu a “reacção” adequada – mas a “dor” foi imensa porque muitíssimas empresas americanas foram para a falência e milhões de americanos foram para o desemprego.

Portugal tem um tecido económico que se desenvolveu de forma distorcida, porque foi um desenvolvimento condicionado à “força interventora” do Estado – foi assim antes do 25 de Abril e piorou depois do 25 de Abril.

Há que corrigir esta situação urgentemente se queremos ter um lugar na Europa e no Mundo que não seja diferente do de sermos “empregados”; a dívida externa atingiu dimensões elevadíssimas, os nossos “novos patrões” estão à espreita, e agora, fronteiras já não se fecham!

A solução há muito que está apontada: se os países anglo-saxónicos se adaptaram porque acreditaram nos efeitos do livre exercício da cidadania por parte dos seus cidadãos e “limitando” os seus Estados (o poder à Nação e não ao Estado); é isso que temos de fazer também.

Só actuando desse modo podemos induzir a correcção à actual estrutura da economia portuguesa e integrar na economia os nossos “pobres”; a “exportação” passa a não ser objectivo em si, passa a ser consequência de uma economia sã e dinâmica – dinâmica porque competitiva, em si, e não porque sustentada com o empobrecimento dos cidadãos portugueses.

domingo, outubro 23, 2005

Crise, Exportação e 20% de Pobres (III)

A “estrutura” da economia de um país reflecte a forma como se processa a dinâmica que se desenvolve entre as suas várias partes; a relação entre Estado e Nação é essencial.

Centrar a iniciativa do (processo de) “desenvolvimento” do país no Estado (e elites associadas) ou centrá-la na Nação (no exercício da cidadania) gera estruturas económicas totalmente diferentes; não diferentes quando ao que se poderia denominar de “hardware” desse desenvolvimento, mas diferentes quando aos meios, objectivos e consequências que norteiam esses processos de desenvolvimento (inclusive, quanto aos seus beneficiários e ao grau de “fecundidade” das iniciativas tomadas).

Um dos graves problemas dos Estados comunistas foi as consequências resultantes da tentativa de gerirem e impor-se à “totalidade” das relações económicas (e sociais) das suas respectivas sociedades.

Em Portugal (e, na generalidade, nos países da Europa continental com excepção dos países nórdicos) a questão não se coloca em “gerir a totalidade …”, mas coloca-se ao nível do “grau” de ingerência da intervenção do Estado na sociedade e na sua optimização.

O Presidente Jorge Sampaio fez o prefácio à tradução portuguesa de ”Os Loucos Anos 90” de Joseph E. Stiglitz (prémio Nobel da economia 2001), no qual o autor defende uma maior intervenção do Estado nos EUA.

Numa altura em que se contesta o grau de ingerência que o Estado português exerce no País, esse prefácio, neste livro, pode como que ser um sinal de que é um absurdo discutir este assunto em Portugal quando nos próprios EUA se colocaria a questão inversa.

Discutir o grau de intervenção do Estado numa sociedade liberal (e, marcadamente, republicana) não tem nada a haver com o discutir o mesmo assunto numa sociedade autocrática (forte poder interventor do Estado), como a portuguesa; não se trata “do mesmo”, quando esse debate se faz nos EUA (e na Inglaterra) ou na França ou em Portugal ou na China.

Interpretar Joseph E. Stiglitz fora da sociedade em que se aplica a sua reflexão (EUA – uma sociedade liberal, fortemente baseada na “iniciativa” resultante do exercício da cidadania e na limitação do poder do Estado) é não entender, no mínimo, nada de economia e da sua articulação com a sociedade em que se insere.

Ou seja, e o que pretendia concluir, o elevadíssimo grau de ingerência do Estado português na vida dos portugueses (e que tem vindo a aumentar e não a diminuir, apesar das privatizações) “estruturou” o tecido económico português conforme essa intervenção.

Esse efeito no país é ainda mais acentuado (e marcante) porque o Estado português absorve mais de 50% da riqueza nacional produzida anualmente; ou seja, a Nação não tem capacidade de contra-reagir com iniciativas próprias, socialmente significativas, e que, de alguma forma, compensem os efeitos desse elevado grau de ingerência (e de iniciativa estatal).

Por si só, isso até poderia ser bom para a Nação quando o Estado é “esclarecido” (a “modernização” e a “democratização” da Turquia foi iniciada por um regime ditatorial, sob comando de um primeiro-ministro “esclarecido”); mas …, e quando não o é? De bem intencionados, está o inferno cheio!

Em Portugal … por um lado, o Estado tem depravado a riqueza nacional de forma nunca vista e por outro lado a Nação e suas iniciativas são vistas como subsidiárias do Estado (precisamente o oposto de uma sociedade liberal, na qual o Estado é que é subsidiário da Nação).

A subsídio dependência, o condicionamento comercial e industrial, a protecção às corporações e “sindicatos”, etc. associados à ultra regulamentação (independentemente de ser fortemente discricionária porque aplicada ao sabor de “quem a aplica”) impede a operação de um “mercado” (não só de bens e serviços, mas também de “negociação” e, até, de auto-gestão de conflitos) no qual se apoie o desenvolvimento e “estruturação” de uma economia nacional subordinada à iniciativa dos cidadãos portugueses.

Presentemente, a parte da economia nacional, não estrangeira, não dependente do Estado (directa ou indirectamente), é ridiculamente marginal.

A “privatização” não tem alterado essa situação, porque o Estado mantém não só um poder interventor forte e directo sobre essas empresas como “ultra - regulamenta” essas actividades – ou seja, grande parte dos “gestores” portugueses não podem “gerir”; se podem ainda gerir “algo” é quase unicamente a “relação” de dependência do Estado ou da administração pública.

Dar uma vista de olhos às informações pedidas pelo poder público a um bar ou restaurante (ou a uma escola privada) é um bom sinal do que se passa neste País; o do ridículo a que chegou a ingerência da administração pública (Portugal ainda não saiu, de facto, do PREC!), não representasse isso a “generalização da ineficácia” que a todos nos tolhe os movimentos e nos condena a uma inacção crescente e a uma semi - miséria.

quinta-feira, outubro 20, 2005

Crise, Exportação e 20% de Pobres (II)


No fundo, é por isso que estamos em crise: o “curral” já não é só nosso; bem … e alargou-se o “patronato” de forma não-sustentada (pelo menos, as elites públicas e para-públicas cresceram em quantidade e em regalias)!

Temos uma elite pública e privada que ainda não entendeu que o facto de “o curral já não ser só seu” mudou as regras que estavam habituados a se socorrer para superar as crises – não …, o 25 de Abril não as mudou (às regras), como alguém quis convencer os portugueses; o que as fez mudar foi a globalização (e a integração na União)!

Não é à toa que a globalização é tão criticada (em especial, pela extrema direita e pela esquerda) e as elites portuguesas (em geral) revêem-se em qualquer tipo de anti – americanismo; roubar-lhes o “curral”, ou dividi-lo, é “duro”.

Mas mais duro, é haver quem diga que os cidadãos (os membros do “curral”) são capazes de se auto - governar e, ainda por cima, mostrar como o fazem melhor que as “clarividentes” (e cultas) elites da Europa continental.

Evidentemente, já podíamos ter aprendido isso; inclusive, porque a sua origem (a da cidadania) está situada, há mais de 700 anos, na Grã-Bretanha - quando o Estado Inglês foi “limitado” e teve de dar abertura aos membros do “curral” ao exercício da sua “cidadania”.

O resto da Europa “não aprendeu” isso, porque não foi necessário; os “currais” mantiveram-se sob o “exclusivo” do respectivo Estado e suas elites; a Revolução Francesa “acabou” criando um Imperador (Napoleão) – felizmente, também ajudou os EUA a criarem uma “utopia” de cidadãos.

É essencialmente por força da ciência e da tecnologia (que tantos criticam!), e não por acção da política, que a globalização se operou e continua a desenvolver-se; por força da ciência e da tecnologia associada à força da capacidade de exercício da cidadania que, entretanto, se desenvolveu nos países anglo-saxónicos, em especial nos EUA.

Foi isso que destruiu às elites europeias (e não só) “o exclusivo” dos respectivos “currais”. Mas não destruiu só esse exclusivo; as novas ideias (aliás, muito antigas – e a esquerda errou no “inimigo”) vêm afirmar que os “currais” não têm razão de ser porque quem está aí tem capacidade e inteligência para se auto - governar!

Auto – governarem-se …!?

Isso é lesa-majestade – não …, é inadmissível que os “brutinhos” dos cidadãos (agora não analfabetos mas iletrados - pelas nossas belas escolas e professores) sejam capazes de se auto–governar - matar-se-iam, com certeza, uns aos outros (apesar de, há séculos, lhes ter sido retirado o direito à posse de armas) ou morreriam de fome, sem trabalho e sem saber como tomar conta de si próprios!

Pois é …, mas esses “brutinhos”, do lado de lá do Atlântico, e sempre possuidores do direito ao uso de armas, não só não se mataram uns aos outros como se auto-governaram; e auto-governaram-se de tal modo bem que criaram a sociedade mais desenvolvida do planeta, a mais solidária e a mais universalista; aí se centra, hoje, o centro do planeta a nível de cultura, das ciências e tecnologias, da economia, etc. Inclusive, se as elites europeias ainda não se autodestruíram, a si próprias e aos seus “currais”, e ainda têm pretensões a “grandes”, a esse “brutinhos” o devem!

Este é um dos males da globalização: hoje tudo isto chega a todo o lado em tempo real (por causa da ciência e tecnologia e não dos políticos) – e, claro está, também chega o que nessas sociedades também vai mal (pois “nem tudo são rosas” e não há modelos perfeitos).

Por isso quando Cavaco e Silva gritou “deixem-me trabalhar” estava a fazê-lo dentro das “velhas” regras da “autocracia” do Estado (as de antes da globalização, as do “curral exclusivo”); agora é preciso gritar: “deixem os cidadãos trabalhar”, ou seja, “deixem-nos sair do curral” (“trabalhar” ainda vá que não vá, mas terem de sair do “curral” para tal, isso é demais - dirão as elites portuguesas).

Compreendo que é muito difícil mudar; até Mário Soares, com a sua ética republicana (e dizem que: maçónica), não se coíbe de “apelar ao voto nos que lhe interessam”, em período de reflexão eleitoral!?

A ética, mesmo a ética republicana, não são suficientes para auto - limitar o “poder pessoal”.

Mas alguém duvidava disso, conhecendo um mínimo de História!

Foi por isso que os fundadores da democracia americana conceberam um sistema político de “pesos e contra-pesos” (a Inglaterra foi-lhes a melhor experiência); quem diria que uma pessoa tão “eticamente superior” e, ainda por cima, tão republicana (mais ainda, “republicana de esquerda”) se acaba por considerar acima da Lei, acima daquilo que acha que todos os “outros” têm de cumprir (até para próprio bem “desses outros”), mas que “ele” (o eleito) pode fazer o que quer.

Este é um bom exemplo de como as elites são perigosas (Hitler foi eleito); com facilidade acham que tudo está ao seu serviço, que estão possuídos do direito (divino!) de não errar e de “conduzir” o rebanho a bom porto.

A elite portuguesa já devia ter aprendido que isto é muitíssimo perigoso; em períodos de crise podem surgir “os salvadores” e, em sistemas políticos sem contrapesos, ninguém escapará a um “clarividente” que se ache acima de tudo e de todos!

Contudo, parece que a elite portuguesa prefere esse risco a libertar os membros do “curral”, ou seja, a deixá-los ser cidadãos (pessoas que têm o “direito e dever” de se auto-governar).

quarta-feira, outubro 19, 2005

Crise, Exportação e 20% de Pobres (I)

O Orçamento de 2006 está a discussão (e até já foi aprovado, na generalidade); seguem-se debates e … não é raro ouvir economistas apontar que a solução da situação económica do País é o aumento das exportações (subentenda-se, e a diminuição das importações).

Não direi que não terão razão. Contudo, parece-me que, olhar a questão deste ponto de vista tolhe a solução, porque os “tempos mudaram”.

Quando os países eram fechados, quando os governos e suas elites (públicas e privadas) podiam repartir entre si a colecta dos impostos e as “remessas” dos imigrantes (mais “nacionalistas” que elas; talvez, porque desconhecedoras da forma como essa apropriação, indevida, se efectuava no seu País), quando o trabalho podia ser mal pago ou porque a “autoridade” (pública) o impunha ou porque essa autoridade desvalorizava a “moeda” segundo os seus interesses e impedia o acesso dos cidadãos a outras moedas; enfim …, quando era possível às elites (públicas e privadas), sempre acantonadas no e sob o Estado, manter o “curral” (assim designavam os romanos, na república, aos povos que lhes pagavam impostos) para sua exclusiva “exploração”, a resolução das Crises passava pelo aumento da exportação e diminuição das importações (o “velho” Colbert!).

Ou seja, sendo a Crise uma “crise das elites” (até porque ninguém se preocupava com a “contínua” crise dos membros do “curral”); o mesmo será dizer, sendo uma crise do Estado, já que essas elites viviam do subsídio quer em espécie (subvenções e encomendas “condicionadas”) quer pelo exercício da autoridade (salários baixos, etc.) e do poder legal (desvalorização da moeda, condicionamento comercial e industrial, apoio às corporações e ordens, etc.); de facto, o aumento do fluxo externo de moeda (aumento das exportações, aumento das remessas dos imigrantes – permissão de imigração - e aumento de turistas) era uma forma de repor a “qualidade de vida” dessas elites e o equilíbrio do estado – “cofres públicos cheios, muito para redistribuir”!

Apesar dos tempos serem outros, há economistas portugueses que continuam a olhar a Crise da mesma maneira.

Sejamos honestos, não são só economistas (políticos e elites) portugueses a pensar dessa maneira; quando a Europa “se olha como um grande mercado”, sem se dar conta, “alguém” pode estar a olhá-la como um “grande curral”: já que não podemos fechar as fronteiras dos pequenos países europeus, fechemos a Europa só para nós (para … “eles”, evidentemente!).

A quantos economistas ouviram falar dos 2 milhões de portugueses que são pobres? A quantos economistas ouviram falar dos mais 2 ou 3 milhões de portugueses que não estão muito longe daqueles?

Não ouviram!

Eventualmente ouviram-no a algum sindicalista de esquerda – mas os “modelos de esquerda” já provaram do que são capazes de fazer com a “pobreza”: agravam-na e generalizam-na (hoje, até há História: já não pode haver ignorância da “experiência”, já não há “desculpa” para persistir nos seus “modelos”, mesmo que “adoçados”).

Porque não ouviram aos economistas portugueses associar o Orçamento com a pobreza interna?

Pelo mesmo motivo que Guterres afirmou que Portugal não estava em Crise porque um milhão de portugueses ia de férias ao “Algarve”.

Os 2 milhões de pobres (e três ou quatro milhões que estão perto) não entram no cômputo para a Crise: são os membros do Curral.

E nesse sentido Guterres tinha razão: Portugal não estava em Crise; e daí à “alarvice” (do aumento) da despesa pública foi um ápice (mas, já vinha de antes: não há muito, tinham começado a chegar os “dinheiros da União” e … Cavaco fez “sucesso”).

Hoje, está-se em Crise não porque tenhamos 2 milhões de pobres (mais uns …); está-se em Crise porque, estando os membros do “curral” atafulhados de impostos e dívidas (não se lhes pode pedir mais sem haver problemas “verdadeiramente graves”), não é possível manter os privilégios e regalias das elites públicas e privadas. Ou seja, o tal um milhão de portugueses, de Guterres, que definem “a Crise, à portuguesa”, é que deixaram de poder ir para o “Algarve”!

Estamos em crise porque é preciso aumentar o tempo das reformas de uns (já, da pequena elite) para manter a dos outros, cortar nos direitos de uns (já, da pequena elite) para manter alguns nos outros, etc.; estamos em crise porque os subsídios do estado e as encomendas “condicionadas” diminuiriam e devem diminuir ainda mais; estamos em crise porque temos de desproteger “um pouco” as “farmácias”; estamos em crise porque não podemos desvalorizar a moeda e fazer o “curral” trabalhar mais; etc.

Estamos em crise …, porque “alguns” (e não são poucos) ainda se estão a borrifar para a crise: “enquanto há para arrebanhar que se arrebanhe”.


Estamos em crise porque o "curral" não trabalha só para nós, já não nos é exclusivo.

domingo, outubro 16, 2005

Portugal e a Democracia Populista

Numa avaliação sobre os resultados das autárquicas, Miguel Sousa Tavares, no Público, aponta o risco da “Democracia Populista” (demagocracia; como eu a caracterizo) passar a caracterizar a Democracia portuguesa.

Há muito que essa caracterização vem sendo apontada aqui e acolá, nomeadamente encoberta na expressão “somos um país cada vez mais próximo da América Latina”; é que as semelhanças são “mais” que muitas.

Contudo parece-me que o “populismo” da democracia é salientada quase sempre pela existência de políticos populistas, por políticas populistas e pelo “medo” em não se tomar as medidas necessariamente duras e que tanta falta fazem, por serem antipopulares.

Ao “populismo” está também sempre associado o poder dar Corporações (públicas e privadas); daí o carácter “fascizante” das democracias populistas (demagocracias) – as elites (públicas e privadas) e as Corporações estão acima da Lei.

Na generalidade, o maior ou menor “populismo” da democracia é apontado como uma questão de “vontade” e de “educação” – em suma, uma questão de “valores” e de liderança!

Como diz Geert Hofstede, cada cultura “vê, interpreta e procura as soluções” dentro dos seus padrões culturais.

O problema está aqui!

Não somos capazes de procurar soluções fora dos nossos padrões culturais; por isso quando “importamos” a democracia (e a república) adaptamo-la aos nossos padrões – naturalmente, o que daí “sai” acaba por ser uma “corruptela” do que se pretendia “importar”.

Os nossos padrões culturais sustentam-se num modelo societário em que o “líder”, o chefe é, não só necessário, como é quem tudo decide e tudo poder faz (ou mandar fazer); sem “líder” ou chefe tudo pára e “estamos perdidos”!

É nisso que se reflecte o nosso elevado índice de distância hierárquica; que se traduz numa educação centrada no professor e não no aluno, em chefias autocráticas (aonde a intervenção dos subordinados não existe ou é limitada), num Estado “faz tudo” e ao qual todas as culpas são lançadas por todas as “falhas” existentes.

Ou seja, o nosso padrão social tem um défice elevadíssimo de cidadania; os cidadãos não são encarados como sinónimo de Nação, nem têm a responsabilidade de a desenvolver. A Nação é o Estado e cabe a este o seu desenvolvimento – os cidadãos são encarados com os que têm de “obedecer” e de pagar impostos para sustentar o sistema.

A autora dos Prós e Contra da RTP1 (a quem dou os meus parabéns), Dr.ª Judite de Sousa, costuma usar a expressão “todos nós somos o estado”.

Está totalmente errado; nós, cidadãos, não somos Estado, somos Nação. O Estado, embora, “representando” a Nação é distinto desta; por isso mesmo está sujeito a “desvios” que podem ser “desvios contra a Nação”.

Não é à toa que as “democracias de origem”, as democracias anglo-saxónicas, se sustentaram (isto é, estruturaram-se) “contra” os interesses “no” Estado (e “do” Estado), nomeadamente contra os impostos.

As “democracias” que pretendemos copiar (importar) deram particular importância à transferência do “poder” do Estado para os Cidadãos (ou seja, para a Nação) e à limitação do poder do Estado – daí todos os mecanismos de poder e contra-poder instituídos; dos quais, o mais básico, é a separação dos poderes legislativo, executivo e judicial, ainda não, efectivamente, existente em Portugal.

Enquanto não se entender que a “crise” portuguesa é provocada pelos nossos padrões culturais, não sairemos dela; não sairemos dela hoje, em oposição ao que ocorreu no passado, porque hoje o mundo está globalizado (não é a toa que a esquerda e a direita fascista são contra a globalização) e os Estados são, cada vez mais, incapazes de conter a cidadania.

Por exemplo, quando me bato contra os impostos em Portugal não é porque não esteja preocupado com o Orçamento do Estado; é porque a diminuição dos impostos representa um aumento da capacidade de exercício da Cidadania, um aumento da capacidade interventora da Nação, e como tal, um início de mudança dos nossos padrões culturais.

De facto, não me parece que Cavaco e Silva seja assim tão diferente de Guterres, de Sócrates ou, até, de Louçã; todos eles têm preservado o nosso sistema político como um “sistema de baixa capacidade de exercício de cidadania” (sistema autocrático). A diferença entre eles é apenas na forma como o Estado exerce a sua função; eles não questionam esse papel – mas foi esse questionamento que permitiu aos cidadãos ingleses, há mais de 700 anos, dar inicio à proto - democracia e permitiu aos cidadãos americanos, a sua formalização.

quarta-feira, outubro 05, 2005

25 de Abril e o Fascismo/ Feudalismo de Estado

Vital Moreira, no seu artigo “Feudalismo de Estado” (Público de 4-10), mostra como o poder (e benefícios resultantes) do corporativismo de determinadas grupos profissionais de funcionários públicos transformou o Estado Português num autêntico Estado Feudal.

A muitos intelectuais dos países do leste europeu, de Cuba e de Angola, ouvi referirem-se aos respectivos sistemas políticos como sistemas feudais; feudais, porque as elites políticas (do partido e do estado - nomenclatura) governavam os países como autênticos feudos medievais; nomeadamente, usufruindo, em seu beneficio próprio, do trabalho (do povo) concentrado (imperativamente) nas mãos do estado.

Miguel Sousa Tavares, no Público da semana passada, exacerba-se contra os juízes e o sistema judicial português; com toda a razão, afirma que ninguém se preocupa com a greve dos juízes (em defesa dos seus direitos - privilégios) porque a "presença" do seu trabalho é tão má e ineficiente que ninguém se aperceberá que estão em greve!

O poder corporativo de alguns interesses privados no Estado português é por demais conhecido; a subsidio-dependência, directa e indirecta, determina uma parte significativa da actividade económica nacional. Para além dos subsídios públicos (de origem nacional ou de União) há as limitações impostas ao exercício de muitas actividades económicas; limitações, que não constituem mais que formas de licenciamento comercial e industrial (tão criticadas no salazarismo!) com vista a proteger as respectivas empresas (com grave prejuizo dos cidadãos).

Desde o 25 de Abril que o Corporativismo parece ter-se alastrado ainda mais e ganho força crescente e, mais que nunca, parece predominar sobre (e dentro d)o Estado Português (Marcelo Rebelo de Sousa já se lhe referiu como Estado Sindicalista).

Não é de admirar, pois, a ineficiência crescente da administração pública, das empresas subsidiadas e protegidas (isentas de concorrência e entricheiradas nos "direitos adquiridos" - que os cidadãos têm de pagar a qualquer preço!).

Não é de admirar que caia nos cidadãos o pagamento dessa ineficiência e dessa protecção a que as corporações (públicas e privadas) têm direito, no nosso “estado de direito”.

Não é de admirar que a despesa pública aumente apesar de não haver retorno correspondente (em benefício) para a maior parte dos cidadãos (por causa disso, “caíram” os sistemas comunistas).

Não é de admirar que os cidadãos tenham de pagar cada vez mais impostos; impostos que “caiem” (inexoravelmente) no bolso dos seus beneficiários líquidos (as corporações públicas e privadas).

Não é de admirar que os cidadãos contribuintes líquidos estejam cada vez mais pobres e que os beneficiários líquidos estejam cada vez mais ricos, apesar da ineficiência com que gerem o que têm sob sua responsabilidade.

De “A Enciclopédia”, do Público, retirei o significado de “salazarismo”: doutrina politica …, baseava-se no corporativismo do estado …”.

Será que o 25 de Abril não representou, afinal, mais do que a “modernização” (uma face mais civilizada) do salazarismo?