domingo, outubro 23, 2005

Crise, Exportação e 20% de Pobres (III)

A “estrutura” da economia de um país reflecte a forma como se processa a dinâmica que se desenvolve entre as suas várias partes; a relação entre Estado e Nação é essencial.

Centrar a iniciativa do (processo de) “desenvolvimento” do país no Estado (e elites associadas) ou centrá-la na Nação (no exercício da cidadania) gera estruturas económicas totalmente diferentes; não diferentes quando ao que se poderia denominar de “hardware” desse desenvolvimento, mas diferentes quando aos meios, objectivos e consequências que norteiam esses processos de desenvolvimento (inclusive, quanto aos seus beneficiários e ao grau de “fecundidade” das iniciativas tomadas).

Um dos graves problemas dos Estados comunistas foi as consequências resultantes da tentativa de gerirem e impor-se à “totalidade” das relações económicas (e sociais) das suas respectivas sociedades.

Em Portugal (e, na generalidade, nos países da Europa continental com excepção dos países nórdicos) a questão não se coloca em “gerir a totalidade …”, mas coloca-se ao nível do “grau” de ingerência da intervenção do Estado na sociedade e na sua optimização.

O Presidente Jorge Sampaio fez o prefácio à tradução portuguesa de ”Os Loucos Anos 90” de Joseph E. Stiglitz (prémio Nobel da economia 2001), no qual o autor defende uma maior intervenção do Estado nos EUA.

Numa altura em que se contesta o grau de ingerência que o Estado português exerce no País, esse prefácio, neste livro, pode como que ser um sinal de que é um absurdo discutir este assunto em Portugal quando nos próprios EUA se colocaria a questão inversa.

Discutir o grau de intervenção do Estado numa sociedade liberal (e, marcadamente, republicana) não tem nada a haver com o discutir o mesmo assunto numa sociedade autocrática (forte poder interventor do Estado), como a portuguesa; não se trata “do mesmo”, quando esse debate se faz nos EUA (e na Inglaterra) ou na França ou em Portugal ou na China.

Interpretar Joseph E. Stiglitz fora da sociedade em que se aplica a sua reflexão (EUA – uma sociedade liberal, fortemente baseada na “iniciativa” resultante do exercício da cidadania e na limitação do poder do Estado) é não entender, no mínimo, nada de economia e da sua articulação com a sociedade em que se insere.

Ou seja, e o que pretendia concluir, o elevadíssimo grau de ingerência do Estado português na vida dos portugueses (e que tem vindo a aumentar e não a diminuir, apesar das privatizações) “estruturou” o tecido económico português conforme essa intervenção.

Esse efeito no país é ainda mais acentuado (e marcante) porque o Estado português absorve mais de 50% da riqueza nacional produzida anualmente; ou seja, a Nação não tem capacidade de contra-reagir com iniciativas próprias, socialmente significativas, e que, de alguma forma, compensem os efeitos desse elevado grau de ingerência (e de iniciativa estatal).

Por si só, isso até poderia ser bom para a Nação quando o Estado é “esclarecido” (a “modernização” e a “democratização” da Turquia foi iniciada por um regime ditatorial, sob comando de um primeiro-ministro “esclarecido”); mas …, e quando não o é? De bem intencionados, está o inferno cheio!

Em Portugal … por um lado, o Estado tem depravado a riqueza nacional de forma nunca vista e por outro lado a Nação e suas iniciativas são vistas como subsidiárias do Estado (precisamente o oposto de uma sociedade liberal, na qual o Estado é que é subsidiário da Nação).

A subsídio dependência, o condicionamento comercial e industrial, a protecção às corporações e “sindicatos”, etc. associados à ultra regulamentação (independentemente de ser fortemente discricionária porque aplicada ao sabor de “quem a aplica”) impede a operação de um “mercado” (não só de bens e serviços, mas também de “negociação” e, até, de auto-gestão de conflitos) no qual se apoie o desenvolvimento e “estruturação” de uma economia nacional subordinada à iniciativa dos cidadãos portugueses.

Presentemente, a parte da economia nacional, não estrangeira, não dependente do Estado (directa ou indirectamente), é ridiculamente marginal.

A “privatização” não tem alterado essa situação, porque o Estado mantém não só um poder interventor forte e directo sobre essas empresas como “ultra - regulamenta” essas actividades – ou seja, grande parte dos “gestores” portugueses não podem “gerir”; se podem ainda gerir “algo” é quase unicamente a “relação” de dependência do Estado ou da administração pública.

Dar uma vista de olhos às informações pedidas pelo poder público a um bar ou restaurante (ou a uma escola privada) é um bom sinal do que se passa neste País; o do ridículo a que chegou a ingerência da administração pública (Portugal ainda não saiu, de facto, do PREC!), não representasse isso a “generalização da ineficácia” que a todos nos tolhe os movimentos e nos condena a uma inacção crescente e a uma semi - miséria.

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