domingo, outubro 16, 2005

Portugal e a Democracia Populista

Numa avaliação sobre os resultados das autárquicas, Miguel Sousa Tavares, no Público, aponta o risco da “Democracia Populista” (demagocracia; como eu a caracterizo) passar a caracterizar a Democracia portuguesa.

Há muito que essa caracterização vem sendo apontada aqui e acolá, nomeadamente encoberta na expressão “somos um país cada vez mais próximo da América Latina”; é que as semelhanças são “mais” que muitas.

Contudo parece-me que o “populismo” da democracia é salientada quase sempre pela existência de políticos populistas, por políticas populistas e pelo “medo” em não se tomar as medidas necessariamente duras e que tanta falta fazem, por serem antipopulares.

Ao “populismo” está também sempre associado o poder dar Corporações (públicas e privadas); daí o carácter “fascizante” das democracias populistas (demagocracias) – as elites (públicas e privadas) e as Corporações estão acima da Lei.

Na generalidade, o maior ou menor “populismo” da democracia é apontado como uma questão de “vontade” e de “educação” – em suma, uma questão de “valores” e de liderança!

Como diz Geert Hofstede, cada cultura “vê, interpreta e procura as soluções” dentro dos seus padrões culturais.

O problema está aqui!

Não somos capazes de procurar soluções fora dos nossos padrões culturais; por isso quando “importamos” a democracia (e a república) adaptamo-la aos nossos padrões – naturalmente, o que daí “sai” acaba por ser uma “corruptela” do que se pretendia “importar”.

Os nossos padrões culturais sustentam-se num modelo societário em que o “líder”, o chefe é, não só necessário, como é quem tudo decide e tudo poder faz (ou mandar fazer); sem “líder” ou chefe tudo pára e “estamos perdidos”!

É nisso que se reflecte o nosso elevado índice de distância hierárquica; que se traduz numa educação centrada no professor e não no aluno, em chefias autocráticas (aonde a intervenção dos subordinados não existe ou é limitada), num Estado “faz tudo” e ao qual todas as culpas são lançadas por todas as “falhas” existentes.

Ou seja, o nosso padrão social tem um défice elevadíssimo de cidadania; os cidadãos não são encarados como sinónimo de Nação, nem têm a responsabilidade de a desenvolver. A Nação é o Estado e cabe a este o seu desenvolvimento – os cidadãos são encarados com os que têm de “obedecer” e de pagar impostos para sustentar o sistema.

A autora dos Prós e Contra da RTP1 (a quem dou os meus parabéns), Dr.ª Judite de Sousa, costuma usar a expressão “todos nós somos o estado”.

Está totalmente errado; nós, cidadãos, não somos Estado, somos Nação. O Estado, embora, “representando” a Nação é distinto desta; por isso mesmo está sujeito a “desvios” que podem ser “desvios contra a Nação”.

Não é à toa que as “democracias de origem”, as democracias anglo-saxónicas, se sustentaram (isto é, estruturaram-se) “contra” os interesses “no” Estado (e “do” Estado), nomeadamente contra os impostos.

As “democracias” que pretendemos copiar (importar) deram particular importância à transferência do “poder” do Estado para os Cidadãos (ou seja, para a Nação) e à limitação do poder do Estado – daí todos os mecanismos de poder e contra-poder instituídos; dos quais, o mais básico, é a separação dos poderes legislativo, executivo e judicial, ainda não, efectivamente, existente em Portugal.

Enquanto não se entender que a “crise” portuguesa é provocada pelos nossos padrões culturais, não sairemos dela; não sairemos dela hoje, em oposição ao que ocorreu no passado, porque hoje o mundo está globalizado (não é a toa que a esquerda e a direita fascista são contra a globalização) e os Estados são, cada vez mais, incapazes de conter a cidadania.

Por exemplo, quando me bato contra os impostos em Portugal não é porque não esteja preocupado com o Orçamento do Estado; é porque a diminuição dos impostos representa um aumento da capacidade de exercício da Cidadania, um aumento da capacidade interventora da Nação, e como tal, um início de mudança dos nossos padrões culturais.

De facto, não me parece que Cavaco e Silva seja assim tão diferente de Guterres, de Sócrates ou, até, de Louçã; todos eles têm preservado o nosso sistema político como um “sistema de baixa capacidade de exercício de cidadania” (sistema autocrático). A diferença entre eles é apenas na forma como o Estado exerce a sua função; eles não questionam esse papel – mas foi esse questionamento que permitiu aos cidadãos ingleses, há mais de 700 anos, dar inicio à proto - democracia e permitiu aos cidadãos americanos, a sua formalização.

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