quinta-feira, outubro 20, 2005

Crise, Exportação e 20% de Pobres (II)


No fundo, é por isso que estamos em crise: o “curral” já não é só nosso; bem … e alargou-se o “patronato” de forma não-sustentada (pelo menos, as elites públicas e para-públicas cresceram em quantidade e em regalias)!

Temos uma elite pública e privada que ainda não entendeu que o facto de “o curral já não ser só seu” mudou as regras que estavam habituados a se socorrer para superar as crises – não …, o 25 de Abril não as mudou (às regras), como alguém quis convencer os portugueses; o que as fez mudar foi a globalização (e a integração na União)!

Não é à toa que a globalização é tão criticada (em especial, pela extrema direita e pela esquerda) e as elites portuguesas (em geral) revêem-se em qualquer tipo de anti – americanismo; roubar-lhes o “curral”, ou dividi-lo, é “duro”.

Mas mais duro, é haver quem diga que os cidadãos (os membros do “curral”) são capazes de se auto - governar e, ainda por cima, mostrar como o fazem melhor que as “clarividentes” (e cultas) elites da Europa continental.

Evidentemente, já podíamos ter aprendido isso; inclusive, porque a sua origem (a da cidadania) está situada, há mais de 700 anos, na Grã-Bretanha - quando o Estado Inglês foi “limitado” e teve de dar abertura aos membros do “curral” ao exercício da sua “cidadania”.

O resto da Europa “não aprendeu” isso, porque não foi necessário; os “currais” mantiveram-se sob o “exclusivo” do respectivo Estado e suas elites; a Revolução Francesa “acabou” criando um Imperador (Napoleão) – felizmente, também ajudou os EUA a criarem uma “utopia” de cidadãos.

É essencialmente por força da ciência e da tecnologia (que tantos criticam!), e não por acção da política, que a globalização se operou e continua a desenvolver-se; por força da ciência e da tecnologia associada à força da capacidade de exercício da cidadania que, entretanto, se desenvolveu nos países anglo-saxónicos, em especial nos EUA.

Foi isso que destruiu às elites europeias (e não só) “o exclusivo” dos respectivos “currais”. Mas não destruiu só esse exclusivo; as novas ideias (aliás, muito antigas – e a esquerda errou no “inimigo”) vêm afirmar que os “currais” não têm razão de ser porque quem está aí tem capacidade e inteligência para se auto - governar!

Auto – governarem-se …!?

Isso é lesa-majestade – não …, é inadmissível que os “brutinhos” dos cidadãos (agora não analfabetos mas iletrados - pelas nossas belas escolas e professores) sejam capazes de se auto–governar - matar-se-iam, com certeza, uns aos outros (apesar de, há séculos, lhes ter sido retirado o direito à posse de armas) ou morreriam de fome, sem trabalho e sem saber como tomar conta de si próprios!

Pois é …, mas esses “brutinhos”, do lado de lá do Atlântico, e sempre possuidores do direito ao uso de armas, não só não se mataram uns aos outros como se auto-governaram; e auto-governaram-se de tal modo bem que criaram a sociedade mais desenvolvida do planeta, a mais solidária e a mais universalista; aí se centra, hoje, o centro do planeta a nível de cultura, das ciências e tecnologias, da economia, etc. Inclusive, se as elites europeias ainda não se autodestruíram, a si próprias e aos seus “currais”, e ainda têm pretensões a “grandes”, a esse “brutinhos” o devem!

Este é um dos males da globalização: hoje tudo isto chega a todo o lado em tempo real (por causa da ciência e tecnologia e não dos políticos) – e, claro está, também chega o que nessas sociedades também vai mal (pois “nem tudo são rosas” e não há modelos perfeitos).

Por isso quando Cavaco e Silva gritou “deixem-me trabalhar” estava a fazê-lo dentro das “velhas” regras da “autocracia” do Estado (as de antes da globalização, as do “curral exclusivo”); agora é preciso gritar: “deixem os cidadãos trabalhar”, ou seja, “deixem-nos sair do curral” (“trabalhar” ainda vá que não vá, mas terem de sair do “curral” para tal, isso é demais - dirão as elites portuguesas).

Compreendo que é muito difícil mudar; até Mário Soares, com a sua ética republicana (e dizem que: maçónica), não se coíbe de “apelar ao voto nos que lhe interessam”, em período de reflexão eleitoral!?

A ética, mesmo a ética republicana, não são suficientes para auto - limitar o “poder pessoal”.

Mas alguém duvidava disso, conhecendo um mínimo de História!

Foi por isso que os fundadores da democracia americana conceberam um sistema político de “pesos e contra-pesos” (a Inglaterra foi-lhes a melhor experiência); quem diria que uma pessoa tão “eticamente superior” e, ainda por cima, tão republicana (mais ainda, “republicana de esquerda”) se acaba por considerar acima da Lei, acima daquilo que acha que todos os “outros” têm de cumprir (até para próprio bem “desses outros”), mas que “ele” (o eleito) pode fazer o que quer.

Este é um bom exemplo de como as elites são perigosas (Hitler foi eleito); com facilidade acham que tudo está ao seu serviço, que estão possuídos do direito (divino!) de não errar e de “conduzir” o rebanho a bom porto.

A elite portuguesa já devia ter aprendido que isto é muitíssimo perigoso; em períodos de crise podem surgir “os salvadores” e, em sistemas políticos sem contrapesos, ninguém escapará a um “clarividente” que se ache acima de tudo e de todos!

Contudo, parece que a elite portuguesa prefere esse risco a libertar os membros do “curral”, ou seja, a deixá-los ser cidadãos (pessoas que têm o “direito e dever” de se auto-governar).

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